Capítulo 4

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Eu estava parado em frente ao espelho me olhando. Eu não era de me achar bonito, mas aquele dia eu estava bonito sim. Estava com uma blusa de manga comprida de cor vinho, com algum brilho, já que Rayane havia me ameaçado caso eu aparecesse na festa de moletom. Uma calça jeans preta e tênis, e meu cabelo estava ótimo, o que era uma surpresa. Passei a mão nele, jogando-o de lado e deixando alguns fios caindo como uma franja. Minha mãe apareceu atrás de mim, me olhando no espelho.

- Está lindo, filho, lindo! Nem parece você.

Não resisti à risada. Depois olhei pra ela com uma expressão brava que não durou nem um segundo.

- Desculpa, não resisti – ela disse.

- Sei, dona Carol.

- Por que não pega aquele seu cachecol preto que está enfurnado há anos no guarda roupa? Vai ficar bem frio mais tarde. E vai ficar ótimo com essa roupa.

- Ah, não gosto muito... Ah, quer saber, vou usar sim. – corri até o guarda roupa e revirei por alguns segundos até que achei o cachecol dobrado embaixo de uma calça jeans. O cheiro estava ótimo, apesar de guardado. Agradeci a minha mãe pela mania de sempre guardar as roupas lavadas, ou estaria com um cheiro horroroso de barata.

Voltei pra frente do espelho com o cachecol enrolado no pescoço. Por um segundo, pensei que eu parecia aqueles garotos bem arrumados do Canadá.

- Tá lindo – minha mãe falou, dando um beijo na bochecha.

- Obrigado – falei. Meu estômago estava revirado. Festas me deixavam nervoso. Mas em parte eu sabia que estava nervoso porque Guilherme ia comigo. Espantei aquele pensamento e corri até meu celular. Ele mandou mensagem avisando que já estava saindo fazia alguns minutos. Sim. Ele ia me buscar em casa. Embora eu tenha falado umas mil vezes que não precisava, ele insistiu, insistiu e depois apenas falou o horário que me buscaria.

- Você parece bem nervoso.

- Um pouco, pra falar a verdade.

- Vai dar tudo certo – disse minha mãe, passando a mão na minha testa e levantando alguns fios de cabelo, como se lesse meus pensamentos. Olhei meu celular pela trigésima vez, conferindo a hora. Já eram quase 20:00. Guilherme chegaria a qualquer instante. Eu tentava não demonstrar que estava nervoso, embora estivesse falhando miseravelmente. Não queria que minha mãe pensasse que algo de mais estivesse acontecendo. Embora alguns amigos mais próximos soubessem da minha homossexualidade, minha família não sabia. Eu simplesmente não tinha coragem de contar, já que minha família é evangélica. Isso causou um reboliço enorme em mim mesmo, a princípio, mas eu tinha aprendido a me aceitar com o tempo, mesmo que sempre ouvisse de pessoas perto de mim, que não desconfiavam de nada, comentários bem pejorativos e de mau gosto sobre os gays. Mas bem, essa fase tinha passado e eu era uma pessoa mais confiante e que aprendera a ter os ouvidos bem seletivos para o que escuta. Minha mãe apenas sabia que um colega ia me buscar para irmos à festa. Tentei fazer parecer que não era nada de mais. "Realmente não era", pensei comigo mesmo, mais uma vez.

Mas quando ouvi a buzina do carro de Guilherme, tive a sensação de que minhas pernas estavam virando gelatina. Conferi mais uma vez: celular no bolso, carteira... Tudo ali. Despedi de minha mãe com um beijo na bochecha, corri até minha irmãzinha Gabriela, que estava na cama dos nossos pais brincando com papai e dei um beijo nos dois e me olhei no espelho do quarto novamente, passei a mão pelos cabelos e sai. Enquanto andava até lá fora, sentia algo se agitar dentro de mim. Espantei a ideia de que talvez pudesse passar mal, e com as mãos ligeiramente trêmulas, abri o portão.

Minha Única CertezaOnde histórias criam vida. Descubra agora