Amélia nessa noite não dormiu, só de pensar no que Henrique lhe tinha feito na igreja, até tremia. Seus pais não sabiam o que fazer para ajudá-la pois não falava nem tinha qualquer reacção. Na missa, ela passara o tempo todo agarrada a sua mãe e a olhar para todos os cantos da igreja como se alguém estivesse a olhar para ela a toda a hora. Às vezes começava a chorar do nada sem conseguir parar. A missa acabou por ser um momento de grande tenção para Amélia que não dava qualquer explicação para aquele comportamento. Talvez seria agora que Amélia precisasse mesmo de ajuda...
Depois de regressarem a casa, Amélia foi logo para o seu quarto, empurrando Alice que trazia as roupas já lavadas na cesta espalhando-as pelo chão. A empregada não perdeu tempo em chamá-la à atenção:
- Então menina, tenha mais cuidado! Não vê para onde anda? - Disse levantando-se do chão.
Ela olhou para trás e seguiu caminho até ao seu quarto que já estava perto. Amélia, logo depois de entrar, trancou a porta do seu quarto para estar um momento a sós. Diana, sua mãe, foi atrás mas não chegou a tempo de receber a porta aberta. Ao ver que estava trancada, gritou:~
- Amélia abre a porta! Não podes ficar aí presa para sempre...
- Deixe-me sozinha por um minuto, por favor. - Pedia ela sem sabendo o que ia fazer.
No meio da choradeira, Amélia olhou para a secretária e viu o seu diário e pensou que nesta altura seria o seu melhor aliado para falar sobre tudo o que sentia sem desconfianças. Pegou no diário e abriu na primeira página em branco que lhe apareceu. Ela não se importava muito com a ordem mas sim que a sua vida estivesse registada. Às vezes, a melhor forma de nos exprimir-mos não é falarmos com alguém, mas sim, pela escrita. Porquê contar às pessoas se elas nunca nos entendem? Não existe melhor pessoa no mundo que nos entenda senão nós próprios e é essa a razão que devemos guardar os nossos sentimentos para nós. Isto, são algumas das razões que Amélia pensava cada vez mais e faziam mais sentido de dia para dia. Amélia, cheia de dor e desilusão do que tinha dentro de si, escreveu o seguinte:
28 de Fevereiro de 1886
Querido diário:
Estes últimos dias tem sido um dos mais estranhos e infelizes da minha vida, apesar de não poder dizer que seja suficientemente longa para usar argumentos mas, sempre tenho algo que me motiva; o estudo, a leitura, a escrita...! Esse é o meu mundo de fantasia, um mundo que muitas raparigas como eu estão proibidas de o fazer. Pobres coitadas que andam a vida toda a cuidar do que os seus maridos destroem. Eu poderei não vir a ter essa vida tão cruel mas tenho algo ainda pior do que a feira dos sábados! O espírito de Henrique. Essa é a minha grande preocupação que não sei como livrar dela, mas ao menos, poderei estar descansada se estiver acompanhada. Mas agora quero estar sozinha e não haverá ninguém em quem irei poder confiar, porque senão, acabo desiludida como estou agora. Passo o tempo a chorar só de pensar de que, se a minha mãe não tivesse aparecido à hora certa, iria acontecer uma grande tragédia. A morte ultimamente tem me perseguido, e tenho medo quando um dia, decidir que seja a minha hora. Neste momento, só sei uma coisa; Penso logo existo.
Amélia, ao acabar de escrever, fechou o diário e guardou-o novamente na secretária. Quando olhou para trás, pareceu-lhe ver o espírito de Henrique mas não parecia ser real. Talvez seria apenas uma ilusão por ela estar tão cansada. Amélia, ao pensar que seria mesmo ele, gritou:
- Não! - Disse desesperadamente desmaiando logo de seguida.
Seus pais que estavam no piso debaixo, ouviram o grito e foram até ao quarto para ver o que se passava. Quando chegaram ao pé da porta, viram Alice a chamar por Amélia. A empregada ao vê-los, ficou muito aliviada:
- Ainda bem que estão aqui, os donos tem que me ajudar a abrir esta porta que a menina fechou-se lá dentro e deve ter acontecido alguma coisa para ouvir gritos...
- Temos que arrombar a porta não há outra solução! - Disse Diana pedindo ao seu marido que fizesse essa tarefa.
Ele fez o que Diana lhe propôs e arrombou a porta depois de algumas tentativas. Ao arrombar a porta, viram Amélia no chão desmaiada. Eles ficaram a olhar uns para os outros sem saber o que dizer. Diana desesperada repetia:
- Amélia acorda filha!
Depois de não obter resposta, deitaram-na para a cama e ficaram ao lado dela até que acabasse de acordar. O tempo passava lentamente mas, cada minuto que passava, eles perdiam a esperança de que ela acordasse. Os pais de Amélia, pediram a Alice que saí-se do quarto para estarem um momento com Amélia. A empregada, apesar de não querer sair, não tinha outro remédio senão obedecer às ordens dos seus patrões. Depois de Alice sair do quarto, passado alguns minutos, Amélia abre os olhos lentamente. Seus pais olham um para o outro felizes por saberem que a sua filha estava bem e que tinha sido apenas um susto. Ela, ao acordar confusa, diz baixinho:
- Henrique? - Pergunta olhando em seu redor.
Seus pais ficaram pensativos sobre quem seria Henrique mas agora só queriam saber do bem estar da sua filha. Amélia deita-se novamente e pergunta:
- O que é que me aconteceu?
- Está tudo bem filha não te preocupes. Deves-te ter sentido mal e desmaiaste, só isso. - Disse Diana tentando acalmá-la apesar de ela estar ainda mais preocupada do que Amélia.
- Por favor não me deixem sozinha, ele vai acabar por me matar! - Implorava Amélia.
- Mas quem é que te vai matar filha?
- O Henrique mãe, o meu colega da Universidade.
- Oh Amélia não... - Disse Diana pondo as mãos na cabeça.
- Promete-me se não me quer ver morrer.
- Está bem Amélia, prometo. - Respondeu sua mãe tentado acreditar no que a sua filha dizia.
Depois da conversa, ajudaram Amélia a levantar-se e levaram-na até ao jardim, onde Amélia pudesse ficar mais calma, distrair-se com a beleza da natureza e afastar-se do seu quarto que estaria assombrado.
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A Minha Motivação |livro 1|
Ficção Histórica| A Minha Motivação livro 1 | Amélia de Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra (1871-1966). Amélia é uma jovem de 23 anos de finais do século XIX, que vive à frente do seu tempo. Ela quer muito ter uma vida que não é típi...