Depois de um longo beijo, Amélia dá-lhe um estalo e vai-se embora de vez. Vasco, que fica arrependido com o que tinha feito, diz:
- Amélia espera! Eu não queria...
Ela não olha para trás e continua a caminhar até à porta de saída para voltar o mais depressa para casa e fingir que nada disto se tinha passado. Amélia não queria acreditar no que tinha feito e ainda não consegue compreender porque é que também o beijou. Talvez teria sido apenas no calor do momento mas, estaria mesmo apaixonada? Amélia tinha receio que o Vasco fosse como o Henrique, e que acabaria por ser mais uma pessoa que ele odeia. Não queria arranjar mais problemas com paixões dos seus colegas da Universidade. Se sua mãe soubesse disto, já ia planear um casamento e arranjar uma casa para nós os dois! Amélia metia-se em cada situação...
Durante o caminho até sua casa, não conseguia parar de pensar no que acontecera naquele corredor e, quanto mais pensava nisso, mais se sentia envergonhada. Na rua, via muitos casais felizes com os seus filhos a passear pelas ruas e a verem lojas de brinquedos que prometiam comprar tudo o que a criança quisesse... Amélia sentia-se mal ao ver aquilo e, não queria imaginar que fosse ela e o Vasco.
Ao chegar a casa, Amélia sobe logo para o seu quarto sem dizer nada a ninguém. Alice, ao vê-la, diz-lhe:
- Menina já lhe arranjei o espe... - Diz estranhando o facto de Amélia não lhe ter dito nada.
Amélia, ao entrar no quarto, vê que está todo desarrumado e que não o tinha deixado nesta bagunça. Enquanto arrumava o quarto, pergunta em voz alta:
- Mas quem foi que deixou o meu quarto assim?
- Eu acho que conheço alguém. - Diz sua mãe que estava ao pé da porta de braços cruzados.
Amélia olha para trás e pergunta chocada:
- Foi você mãe? Porquê?
- É para veres melhor as porcarias que guardas no teu quarto... É como este livro, para que é que precisas dele se já o leste? Já podes deitá-lo fora.
- Mas mãe, esse livro pertence à colecção! Eu gastei a minha mesada só para os ter. - Diz Amélia tirando o livro das mãos de Diana.
- Ouve um passarinho que me disse que andas com aquelas maluquices outra vez de veres almas dos teus colegas da Universidade.
- Como é que a mãe sabe disso? Foi a Alice que lhe contou?
- Não importa quem me disse, mas se eu soubesse que continuavas com essas pancadas de ver espíritos, não te tinha tirado da clínica!
- Queria mesmo que eu continuasse internada naquela clínica? Se a mãe soubesse o que eu passei, não diria isso!
- Tu passas-te muito? Não, eu é que passei muito ao longo destes anos. Eu quase morri para te ter minha menina, eu fui humilhada tal como o teu pai por causa de ti, porque tu és muito egoísta.
- Eu egoísta? Eu só quero fazer o que me faz feliz e mostrar a toda a gente que sou capaz de fazer tudo tal como os homens. Mas a mãe não me compreende e prefere agradar à sociedade!
- Chega Amélia! Sabes que mais, podes esquecer os teus planos de ir viver para Lisboa pois vais ficar aqui em Coimbra depois de terminares a Universidade, e vou-te arranjar um marido o mais depressa possível! - Diz Diana saindo do quarto.
Amélia senta-se no chão a chorar agarrada ao seu livro. Alice, que tinha ouvido a discussão, entrou no quarto e perguntou a Amélia:
- Quer um chá menina?
- Estás a brincar? Achas que depois disto tudo me apetece beber um chá?!
- Oh menina é só para se acalmar... O chá ajuda. - Diz Alice aproximando-se de Amélia.
- Não quero chá nenhum! E eu confiei em si Alice.
- Do que é que está a falar menina?
- Sabe muito bem do que estou a falar. Você era a única pessoa que sabia dos meus segredos e agora também me abandona?
- Desculpe menina mas é que...
- Eu já estou farta de desculpas, já estou farta desta família! Agora saía Alice, por favor.
- Mas menina se me deixar explicar...
- Vá-se embora!
Alice não disse mais nada e saiu do quarto tal como Amélia lhe tinha pedido. Depois de Alice sair, Amélia trancou a porta muito irritada, atirando o livro contra a parede. Ela sentia-se traída por parte de Alice, com quem tinha confiado para guardar tudo. Quando parecia estar tão perto de realizar os seus sonhos, tinha de aparecer sua mãe e arruinar tudo. Agora não tinha ninguém em quem pudesse confiar e, o pior disto tudo, é que estavam todos contra ela. Lutou tanto para chegar até aqui e, parece que não valeu-lhe o esforço até agora.
Passado um bocado, depois de Amélia estar mais calma, Alice bate à porta e pergunta:
- Menina abra a porta.
- Vá-se embora Alice, eu não quero ver ninguém agora.
- A menina tem visitas...
- De quem?
- Não sei mas parece que quer muito falar consigo.
- Está bem, pode dar autorização para entrar. - Diz Amélia abrindo a porta.
Amélia não estava à espera de receber visitas a estas horas, ainda por cima depois desta confusão toda... Quem seria?
Passados uns segundos, aparece Vasco que parecia estar ainda nervoso ao ver Amélia de costas a olhar para a janela. Ele suspira e pergunta:
- Dá-me licença?
Amélia, ao reconhecer que era a voz de Vasco, diz:
- Não sei se era a melhor altura para falar à cerca do que aconteceu.
- Eu sei que não mas, eu vim aqui pedir-te desculpa. Aquilo foi no calor do momento eu, não sei bem explicar...
- Pois mas eu sei. Tu querias que eu caísse num dos teus truques de sedução não era? Estavas à espera do quê? Que eu fosse na tua conversa?
- Mas aquele momento não teve significado nenhum para ti?
- Não, nem por isso.
- Amélia, olha-me nos olhos e diz-me que não sentes nada por mim.
Amélia calou-se e não disse mais nada desde então. Vasco, sem saber o que dizer pergunta:
- Não vais mesmo admitir, pois não? Então porque é que me beijas-te se não sentes nada por mim?
- Não sei responder-te a isso agora.
- Não sabes? Amélia, ninguém beija outra pessoa sem gostar dela. Não vais admitir que nós temos alguma coisa?
- Com o tempo veremos. - Diz Amélia saindo do quarto sem olhar para Vasco.
Ela ainda estava muito confusa acerca disto, aconteceu tudo muito de repente e não queria magoá-lo como fez com Henrique. Amélia sentia alguma coisa por Vasco mas não queria voltar a desiludir-se.
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A Minha Motivação |livro 1|
Fiksi Sejarah| A Minha Motivação livro 1 | Amélia de Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra (1871-1966). Amélia é uma jovem de 23 anos de finais do século XIX, que vive à frente do seu tempo. Ela quer muito ter uma vida que não é típi...