Depois de Alice ter salvo Amélia da morte, olhou para o espelho onde estava a alma de Henrique a gritar:
- Não, libertem-me!
Alice largou o espelho e foi ajudar Amélia que estava no chão em espantada com o que a empregada tinha feito para a salvar. Ao levantar-se do chão, Amélia abraçou Alice e disse-lhe em lágrimas:
- Salvou-me a vida Alice... Eu nem sei como lhe agradecer.
- Aquele Henrique já precisava de aprender a lição!
Os pais de Amélia levantaram-se também é foram abraçar a sua filha que, por milagre tinha sido salva no momento certo. Agora a família Miranda de Carvalho estava finalmente livre de espiritualismos. Isto tinha sido uma lufada de ar fresco para Amélia que agora poderia viver em paz. Mas não tinha a certeza de que estavam seguros se não se vissem livres de um objeto e, ao lembrar-se disso, disse a seus pais:
- Esperem, vou buscar uma coisa lá a cima.
- Agora? - Disseram olhando um para o outro.
Amélia foi até ao quarto de seus pais buscar o tal objeto que queria destruir. Depois de o encontrar, desceu até à sala e disse ao lá entrar:
- Para garantir que estamos seguros, temos de destruir isto.
- O teu tabuleiro de espiritualismos? - Disse Alice espantada.
- Claro que sim. Mas como é que podemos destruí-lo?
- Atira para a lareira! - Disse seu pai apontando para lá.
Amélia olha para a lareira e aproxima-se dela. Não havia nada melhor do que destruir o fogo com fogo. Antes de o atirar para a lareira, Amélia olhou para o tabuleiro durante algum tempo. Não tinha a certeza se queria fazer isto mas, era por um bem maior. Alice, que não concordava com esta decisão, tocou no ombro dela e perguntou-lhe:
- Quer mesmo fazer isto menina?
- Não, mas pelo bem estar da minha família tenho de fazer tudo, mesmo que não o queira.
Depois de dizer isto, atira o tabuleiro para a lareira e senta-se no chão a ver o seu tabuleiro de espiritualismos a desaparecer aos poucos. Era um espetáculo bonito mas duro ao mesmo tempo, onde as chamas transformavam em cinzas todo um passado vivido. Enquanto viam um espetáculo iluminado de maldições, seus pais olharam para o relógio e saíram da sala pois já era tarde. Alice, ao ver que eles tinham saído, sentou-se ao pé de Amélia e pergunta-lhe:
- É desta vez que acaba?
- Sim, é desta que acaba tudo. Não haverá mais espíritos nesta casa!
- Não se vai arrepender por ter feito isto?
- Só me arrependo por ter tido este tabuleiro que causou muitos problemas.
Depois de Amélia dizer isto, ficam em silêncio a olhar para as chamas que ardiam cada vez com mais força. Alice olha para Amélia e diz-lhe:
- Vá dormir menina que amanhã é um novo dia.
- Eu vou, mas só porque me pediu senão ficava aqui a noite toda.
Amélia levanta-se do chão e sai da sala mas, antes de sair, diz para Alice:
- Boa noite.
- Boa noite menina...
Mal Amélia sai da sala, a empregada apaga o fogo e recolhe as cinzas do tabuleiro, ficando com o espelho de prata.
Amélia, ao entrar no quarto, repara que Vasco já não estava lá como se desaparecesse por magia. Teria sido mais uma ilusão?
Amélia veste o pijama e deita-se muito cansada. Mal poderia acreditar que tudo tinha acabado mesmo o espírito de Henrique que tinha sido preso no espelho de prata. Tudo estava finalmente calmo e na normalidade! Amanhã era um dia muito especial, talvez um dos dias mais importantes da sua vida que era acabar a Universidade em festa! Amanhã tudo ia mudar e, olhando para trás e para tudo o que aconteceu, valeu a pena chegar até aqui.
Amélia, antes de adormecer, olha para a secretária e vê o diário. Ela pega nele e abri-o lentamente, passando por todas as páginas e recordando todos os momentos bons e maus que tinha vivido. Quando passa para uma página em branco, pega na esferográfica e começa a escrever:
4 de Março 1896
Querido diário:Tudo o que eu desejei finalmente foi concretizado, o pesadelo dos espíritos acabou depois de uma longa batalha desabrigada. Hoje sinto que é esta a casa que conhecia quando tudo estava no seu lugar é as chatices eram raras. Não sei o que vai acontecer daqui para a frente mas, ao menos, tenho uma família que estará sempre comigo para o que der e vier (mas nem todos podem dizer o mesmo)...
Estou preocupada com apenas uma coisa, os meus planos de ir para Lisboa não estão a ir avante e, depois de acabar a Universidade, não sei o que poderei fazer da vida mas logo verei o que fazer.
Agora nada temo e nada temerei. E um dia, aqueles que praticam a infâmia vão pagar pelo que fizeram, não pela sua pátria mas contra ela. Vou para a frente sem que ninguém me pare e lutarei até ao dia que o meu coração já fraco pare. E um dia, aqueles que praticam a infâmia vão pagar pelo que fizeram, não pela sua pátria mas contra ela.Ao acabar de escrever, Amélia fecha o diário e colocá-lo em cima da mesa de cabeceira. Depois apaga a luz das velas e adormece num sono profundo.
Na manhã seguinte, Amélia acorda muito bem disposta e cheia de energias, hoje iria ser um dia muito especial onde tudo parecia ser um paraíso. Veste-se com o seu traje horroroso mas agora bonito da Universidade, juntamente com as suas melhores jóias. Logo depois de se arranjar, desce as escadas até à sala de jantar para comer o pequeno almoço. Lá estavam os seus pais que, estranhamente estavam muito contentes. Amélia senta-se na mesa e Alice serve-lhe o pequeno almoço. A sua mãe olha para ela e diz-lhe:
- A minha filha está uma verdadeira mulher!
- Temos de lhe arranjar uma casa. - Disse depois seu pai.
Amélia já não podia ouvir aquela conversa. Ela não queria ficar em Coimbra, queria ir para a capital. Mas, como haveria de tentar explicar isso a seus pais? Longe da família é longe de casa não era uma ideia que lhes agradasse.
Amélia levantou-se da cadeira e disse com a mais alta postura:- Eu quero ir para Lisboa, eu não vou ficar em Coimbra.
- Mas Amélia, tu aqui podes fazer a mesma vida que em Lisboa. - Disse Diana tentando convencer a filha.
- Não mãe eu quero ir para Lisboa e está decidido!
- É mesmo isso que queres?
- Sim mãe. Está na altura de ter a minha vida.
- Se é assim que queres... - Disse Diana triste com a decisão.
Amélia volta a sentar-se e olha discretamente para seus pais que não estavam muito satisfeitos. Alice aparece na sala e diz o seguinte:
- A carroça já está à vossa espera.
- Obrigada Alice, dê-nos um minuto por favor. - Disse Diana pensativa.
Alice chegou-se ao pé de Amélia e sussurrou-lhe ao ouvido:
- Precisamos de conversar menina...
Amélia levanta-se da mesa e vai com a empregada até à entrada para conversarem à vontade. Ela para ao pé da porta e pergunta-lhe:
- O que é que se passa?
- É que eu não sei o que fazer com o espelho menina.
- Queima-o sei lá!
- E se o espírito de libertar?
- Então não faças nada, guarda-o bem.
- Está bem menina...
Amélia não queria chatear-se muito com o espelho, só queria chegar à Universidade o mais depressa possível. Este momento era tão importante que, para ela era o momento mais feliz da sua vida e iria vivê-lo hoje. Ao acabar de falar com Alice, ouve a voz de sua mãe a chamá-la:
- Amélia!
- Já vou mãe!
Amélia olhou pela janela e viu a carroça na entrada e seus pais que já estavam dentro. Antes de entrar na carroça, Amélia sentiu-se muito ansiosa por este momento e, quando se aproximava da carroça, sentia que estava cada vez mais perto do seu verdadeiro destino.
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A Minha Motivação |livro 1|
Ficção Histórica| A Minha Motivação livro 1 | Amélia de Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra (1871-1966). Amélia é uma jovem de 23 anos de finais do século XIX, que vive à frente do seu tempo. Ela quer muito ter uma vida que não é típi...