Todos os domingos, a família de Amélia nunca faltavam à missa na igreja da sua terra natal. Eles vestiam as suas melhores roupas e, naquela manhã, tudo tinha de estar impecável.
Amélia sempre gostara muito de ir à missa e esta era a melhor altura para pensar um pouco no que tem feito menos correto. Hoje, iria vestir o seu vestido vermelho de linho e seda, um dos seus preferidos. Não se podia esquecer do chapéu a combinar e a echarpe. Tudo isto fazia a diferença principalmente entre grupos sociais.
Neste dia, acordavam ainda mais sedo do que costumavam acordar normalmente, pois era a primeira família a chegar à igreja. Eram sempre bem recebidos e quando se iam embora, as pessoas levantavam-se e aplaudiam como se fossem os salvadores da pátria.
Enquanto Amélia era ajudada a vestir-se por uma criada, Diana entra no quarto e diz:- Pode deixar-me um pouco a sós com a minha filha? - Disse Diana para a empregada.
A criada sai do quarto ficando mãe e filha no quarto. Diana mexe nos cabelos de Amélia e diz-lhe:
- Eu quero que vejas este dia como um dia diferente, vais esquecer o que se passou ontem, vais-te esquecer de tudo o que aconteceu nestes últimos dias e entregar-te a deus... Prometes?
- Sim minha mãe, farei isso então para nosso bem. - Diz Amélia abraçando a sua mãe.
Alice, que também ia entrar no quarto, ficou parada ao pé da porta a ver o abraço longo de Amélia e Diana emocionando-se. Quando elas se separam, olham para a porta e vêem a empregada a limpar as lágrimas, estranhando porque razão se encontrava naquele estado. Amélia preguntar-lhe:
- Está tudo bem Alice?
- Desculpem emocionei-me a ver-vos abraçadas... Mas eu vim aqui para vos dizer que a carroça já está à vossa espera na entrada.
- Nós já lá vamos ter. - Respondeu Diana que queria terminar a conversa com Amélia.
- Muito bem, com licença. - Disse Alice saindo do quarto ainda emocionada.
Diana, para acabar com as chatices que tinha com Amélia, resolveu explicar-lhe tudo o que sentia:
- Eu sei que ainda estás muito chateada comigo acerca daquela história do teu irmão, mas tens de perceber que é passado e nem eu nem o teu pai temos culpa disso. Foi uma decisão que eu e o teu pai tomámos para teu bem.
- Se não existisse o passado nada neste mundo existia.
- Espero que me possas perdoar Amélia.
- Mas é que eu não estou chateada por isso, é pela maneira como reages às situações e já me mentiste tantas vezes que já não sei se poderei confiar em ti.
- Talvez tenha errado muitas vezes mas prometo que as coisas agora vão ser diferentes e só depende de nós. - Disse Diana beijando Amélia na testa.
- Espero bem que sim. - Disse Amélia baixinho.
Depois de resolvida a questão, desceram as escadas onde estava Gonçalo à espera delas. De seguida entraram na carroça e partiram para a igreja. Amélia, olhou pela janela, e viu Alice despedindo-se com um lenço branco. Ao ver esta cena, ela diz para si própria:
- Obrigada por veres o lado bom da situação Alice...
A viagem foi longa mas, quando finalmente chegaram, foram recebidos em festa por uma multidão que os esperava. Amélia quando saiu da carroça, respirou bem fundo, levantou a cabeça e seguiu com a sua família até à igreja. Amélia levava consigo a rainha Santa Isabel na mão, padroeira de Coimbra. Ao entrarem na linda e velha igreja, sentaram-se na fila da frente, lugar reservado pela sua família durante séculos. Depois deles, veio outras classes sociais mais baixas. A missa já devia ter começado há alguns minutos devido ao pequeno atraso da família Miranda de Carvalho. Passaram-se minutos, segundos mas nem sinal do padre. Amélia, ao achar suspeito esta falta de presença do padre que nunca faltara, perguntou a sua mãe:
- Viste o padre quando entrámos?
- Não filha, mas não te preocupes que já não deve faltar muito para ele chegar.
Amélia observou à volta da igreja e vira pessoas a rezar, a comentar a ausência do padre, a fazer oferendas aos seus santos e muitas outras coisas enquanto o padre não vinha. Quando olha para cima vê duas sombras como se fossem duas pessoas que estivessem a lutar. Amélia, como era tão curiosa, decidiu ver o que se passava lá em cima. Ela olhou para seus pais e disse:
- Eu já venho, não demoro nada.
- Amélia onde vais? - Perguntou sua mãe agarrando-lhe pelo braço.
- Não se preocupe é rápido. - Disse Amélia soltando o braço.
Amélia foi até ao piso superior por uma porta onde estavam as escadas que iam dar até lá. Ela conhecia tão bem esta igreja que era como se fosse a sua casa. Ao acabar de subir as escadas, ouviu uma voz a gritar:
- Ajudem-me por favor!
Amélia percorreu todas as divisões do corredor, até encontrar na última, o padre amarrado a uma cadeira. Ao vê-lo assim, perguntou:
- Meu deus padre, quem é que lhe fez isto? - Disse ela enquanto desamarrava o padre.
- Foi o demónio filha! Ah cuidado filha ele está ali!
Amélia olha para trás e vê o espírito de Henrique ao lado da porta. Ela, muito revoltada pergunta-lhe:
- Era mesmo necessário fazeres isto Henrique?
- Eu sabia que me ias acabar por encontrar Amélia, como és tão teimosa, tão curiosa!
- Se querias-te vingar de mim porque é que fizeste isto ao pobre coitado do padre?
- Isso agora não interessa Amélia... Eu apareci por outra razão. - Disse Henrique rindo-se tirando uma faca do bolso.
Amélia assustada diz:
- Por favor não faças nada que te venhas a arrepender!
- Oh Amélia agora irás finalmente acompanhar-me ao inferno! - Disse Henrique apontando-lhe a faca.
- Não faças isso Henrique pensa bem.
- Eu sofri muito contigo sabes? - Disse Henrique tentando atacar Amélia com a faca.
- Não! - Gritou Amélia tentando fugir.
- Podes fugir mas vais ter pesadelos comigo!
Amélia corre até à porta onde dava acesso às escadas. Henrique puxa-a para si antes dela abrir a porta e encosta a faca no pescoço e diz-lhe:
- E agora? Já não és tão forte sozinha pois não? Realmente as mulheres são inúteis.
- Ajudem-me!
Diana ouve os gritos de Amélia e vai para o piso de cima para ver o que de errado se passava. Henrique, ao ouvir os passos de alguém a subir as escadas, desaparece. Amélia cai no chão a chorar. Diana ao abrir a porta e ver a filha naquele estado, corre logo preocupada para a socorrer.
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A Minha Motivação |livro 1|
Narrativa Storica| A Minha Motivação livro 1 | Amélia de Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra (1871-1966). Amélia é uma jovem de 23 anos de finais do século XIX, que vive à frente do seu tempo. Ela quer muito ter uma vida que não é típi...