Havia um tempo que a neve caía imponentemente, criando um tapete branco sobre o chão, estendendo-o sobre as colinas, vestindo as árvores com seu manto cândido. Era um espetáculo ímpar da natureza, a ser apreciado e contemplado com afeição.
Mas também era impiedoso, cruel e devastador aos que não estivessem preparados para a sua chegada.
Como a pequena Brianna.
Marduk andava em círculos ao redor da menina, incapaz de fazer algo para protegê-la do frio; a garotinha estava deitada na neve, em posição fetal, abraçando o corpinho em uma tentativa vã de se aquecer. Seus lábios estavam arroxeados, sua pele pálida, o corpo ficando generalizadamente dormente. Brianna mantinha uma expressão triste, ouvindo apenas o barulho do vento silvando em seus ouvidos e os passos inquietos de Marduk.
O demoniozinho não podia deixar que ela morresse. Ela não podia morrer! Não devia! Era importante demais para se esvair daquela forma. Ele, que fora encarregado de protegê-la, sentia-se terrivelmente inútil. Não havia ninguém por perto, e ele não podia fazer nada para aquecê-la, nem mesmo era capaz de carregá-la. Aquele seu avatar ridículo, sem poderes ou pelo menos tamanho, jamais conseguiria salvar a garota. Se pelo menos um milagre acontecesse e ele tivesse a chance de acompanhá-la, seria retribuído evoluindo gradativamente, dando poder ao seu avatar.
Um milagre... Ironia, vindo de um demônio.
Marduk ficou grunhindo, assistindo a vida da garota se extinguir.
Brianna via o rosto de Aisling, sua mãe, olhando para ela ao longe com angústia nos olhos. A menina tentou esboçar um sorriso de felicidade por estar vendo a mãe novamente, mas não tinha forças para aquilo.
— Não ouse morrer, menininha! Não ouse morrer! — Marduk abria a boca transpirando seu hálito quente no rosto da criança, na esperança de reanimá-la.
Estavam na beira de uma estrada, no meio da floresta, longe de qualquer povoado ou castelo. Ninguém passaria por ali, muito menos naquele frio infernal.
Brianna não sentia os dedinhos, que também se arroxeavam rapidamente. Havia uma mancha negra embaixo de seu antebraço, uma queimadura do gelo. A cada lufada de vento era como se agulhas penetrassem em sua pele, comprimindo-a ainda mais.
Marduk beirava o desespero.
Ela não pode morrer. Ela não pode morrer.
Quando a tirara do vilarejo e se embrenhara com ela pela floresta, não imaginava que uma nevasca repentina surgiria. Humanos são frágeis expostos a climas extremos, principalmente tratando-se de uma criança.
Marduk levantou a cabecinha, ouvindo um barulho se aproximando. Seriam...
Cavalos!
Sim! Cavalos correndo, cada vez mais próximos.
Saltou em uma árvore e a escalou velozmente. Observou dois cavaleiros surgirem na esquina da estrada, saindo de trás das árvores geladas. Ambos vestiam pesadas armaduras.
— Oh, Cristo Rei! É uma menina! — disse um dos cavaleiros parando bruscamente próximo a Brianna.
O outro também parou e aproximou-se dela. Pulou do cavalo, fazendo o corpo pesado afundar na neve.
— Está viva! Diabos! Quem largaria uma garotinha assim?
— Vamos levá-la ao castelo! — disse o outro, também saltando do seu cavalo.
— Ei... Olha só essas pegadas ao redor da garota. Havia algum animal com ela.
— Ela foi ferida? — o cavaleiro imaginou horrorizando alguma criatura comendo a menina viva.
O outro segurou o corpo da garota nos braços de metal. Levantou a viseira do elmo.
— Só o frio a está matando!
— Então vamos nos apressar! — o cavaleiro montou em seu cavalo novamente, assistindo o outro montar em seu próprio com a criança no colo.
Os dois se afastaram, cavalgando com urgência em direção do castelo.
Marduk saltou da árvore, com um sorriso largo de satisfação no rosto. Um milagre, afinal. Mas o demoniozinho tinha certeza de que se Deus soubesse a importância daquela garota para as forças das trevas, a teria deixado morrer ali mesmo e guardaria seus milagres para outros pupilos.
Devaneios de um demônio.
Seguiu os cavalos.
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Brianna e o Demônio [completo]
FantasyBrianna é a personificação da inocência. Com apenas sete anos de idade, acredita que as pessoas boas quando morrem viram borboletas e vão para o céu, e as ruins viram mariposas e vão para o inferno. Foi sua mãe quem contou a história. Sua mãe que s...