O mesmo cavaleiro que levou Brianna até o castelo foi o designado para tirá-la de lá. Não nevava mais, porém o tapete de neve ainda persistia sobre a paisagem e o frio era insuportável. Uma lua cheia esplendorosa iluminava a terra, deixando o cenário ainda mais lutuoso. Ele cavalgou com a menina com um aperto no peito. Não imaginava por que o conde seria tão cruel em largar a pobre criança naquele frio infernal. Mas tinha que seguir as ordens.
— Para onde está me levando, moço?
— Sem perguntas, menina!
— O senhor está me salvando da prisão, não está?
O aperto piorou.
Estavam na beira do rio Suir, já congelado, coberto de sólidos blocos de gelo. Já estavam distantes o suficiente do castelo. A criança morreria ali com certeza.
Parou o cavalo.
Estreitou os olhos para ter certeza do que estava vendo.
Havia uma assombrosa mancha de sangue sobre o rio congelado. Sangue fresco. Desceu para o chão coberto de neve junto com Brianna.
— Fique aí — disse puxando a espada, olhando ao redor. Seria algum animal morto que caíra no rio? Mas o que causara tanto sangue?
Brianna também viu a mancha de sangue e ficou alarmada. Encostou-se no cavalo assistindo o cavaleiro andar para a margem do rio.
— Tem alguém aí? — perguntou imediatamente sentindo-se constrangido por fazer tal pergunta. Não havia ninguém por perto. Fora as colinas congeladas e as árvores brancas de neve espaçadas. Nenhum lugar próximo onde qualquer um pudesse se esconder.
Aproximou-se ainda mais da margem. A mancha estava cerca de três metros à frente. Não havia nenhuma trilha de sangue até lá, apenas o borrão vermelho concentrado. Talvez o animal tivesse afundado e o buraco congelou. Mas como diabos o sangue fora parar ali?
O cavalo relinchou e assustou Brianna. O animal começou a ficar agitado. O cavaleiro olhou para trás, assustado. Uma onda de medo começava a tomar conta dele. Havia algo de muito estranho ocorrendo ali. O cavalo relinchou novamente;
De olhos fixos na mancha vermelha, Brianna teve uma bizarra sensação. Seus sentidos começaram a se confundir.
Uma imagem formou-se em sua mente. Como se estivesse ocorrendo diante de seus olhos, porém era mais como uma lembrança. Uma lembrança que não era sua.
Viu um homem assustado andando de costas em direção à margem do rio. O homem segurava uma faca em uma das mãos que tremulavam; seus olhos estavam arregalados em direção a algo à sua frente.
Pisou no rio e continuou a andar de ré vagarosamente. Era difícil dizer se ele tremia mais de frio ou de medo. Um rugido bestial fez com que ele se desequilibrasse e caísse sentado no chão do rio. O homem respirava ofegante. Tomou uma decisão. Bateu com o cotovelo no gelo várias vezes até que começasse a rachar. Outro rugido.
— Menina!
O homem deu um grito e com a faca, cortou a própria garganta. O sangue se espalhou com velocidade e a rachadura aumentou.
O corpo afundou, sendo levado pela correnteza.
— Menina!
Brianna acordou do transe. Estava em pé, com o cavaleiro segurando seus ombros. Precisou de alguns segundos para digerir o que vira.
— O homem se matou! Ele cortou o pescoço e afundou no rio!
— Como sabe disso? — o cavaleiro virou-se mais uma vez para o rio congelado e percebeu que aquela era uma teoria aceitável. Explicaria por que o sangue não tinha nenhuma trilha até a margem.
Mas como a garota saberia daquilo?
Olhou para Brianna espantado. Deu um passo para trás. Por qual motivo seu bom senhor mandaria que largasse a garota no meio do nada?
A resposta o fez estremecer. Apontou a espada para Brianna.
— Afaste-se do cavalo!
— Mas...
— Afaste-se! — gritou a plenos pulmões.
A menina o obedeceu, tão assustada quanto ele. O cavaleiro subiu no cavalo, ainda apontando a arma para Brianna. O cavalo relinchou mais uma vez.
— Por favor, não me deixe aqui! Ele vai me pegar! Ele vai me pegar! — a menina gritou às lágrimas, sentindo que seria abandonada para o que quer que tivesse assustado o suicida de sua visão.
— Para trás, bruxa!
O cavalo começou a galopar e afastar-se cada vez mais da amedrontada Brianna. A garota observou o cavaleiro tomar cada vez mais distância.
Então deu um grito.
Um vulto derrubara o cavalo e seu cavaleiro. Daquela distância não era possível perceber do que se tratava, mas estava claro que era algo grande. A princípio Brianna ficou em choque, sem ação.
Mas logo percebeu que seria a próxima.
Correu na direção oposta à do ataque, caindo algumas vezes de joelhos na neve. Não ousava olhar para trás, mas tinha a impressão de que estava sendo perseguida. Não havia para onde se esconder; seria um alvo fácil para aquela coisa. Lembrou-se do pavor no rosto do homem que se suicidara no rio; não era o momento para pensar em como era possível que tivesse visto aquilo.
Correu em direção a uma área com mais árvores e escondeu-se atrás de uma delas.
Fez um esforço enorme para não fazer barulho com a respiração ofegante.
Ouviu algo se aproximando.
Pelo barulho, algo pesado.
†
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Brianna e o Demônio [completo]
FantasyBrianna é a personificação da inocência. Com apenas sete anos de idade, acredita que as pessoas boas quando morrem viram borboletas e vão para o céu, e as ruins viram mariposas e vão para o inferno. Foi sua mãe quem contou a história. Sua mãe que s...