Dezoito - De Quatro

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Uma vez por mês o xerife local, o inescrupuloso Patrick Moore, enviava seus homens para fazer a coleta de taxas. Os homens armados entravam nas residências rudemente, sem a mínima cortesia, e exigiam o pagamento mensal. Brianna presenciou uma dessas vezes: Um homem alto com armadura de malha de ferro entrou na casa de Liam requerendo o prestação da taxa. Liam entregou-lhe pequeno saco de moedas, que o cavaleiro conferiu prontamente. Então se foi.

Mas os infelizes que não possuíam o dinheiro na data exata tinham suas casas reviradas e seus móveis, já ínfimos e precários, destruídos completamente. Em alguns casos havia até mesmo agressão física; foi o que aconteceu com a amiga de Póla, Tríona. O cavaleiro esmurrou o marido dela, Últan, e deu-lhe uma bofetada, ameaçando queimar sua casa se no mês seguinte não pagasse o dobro.

Póla, Seona, Tara e Sive foram até lá imediatamente, assim que souberam. Alguns outros vizinhos, incluindo Jeaic e o carpinteiro marido de Sive estavam lá também. Estavam horrorizados com a tirania de Patrick.

— Alguém tem de dar um jeito nessa situação! Não podemos viver com medo desse sujeito! — esbravejou Liam.

— As taxas estão cada vez mais altas e mais difíceis de arranjar! — disse Seona agitada. — E com esse inverno que não acaba mais, como vamos arranjar o pagamento suficiente?

— Esse maldito filho da puta nos tira o que temos até os ossos, mas com certeza retira a maior parte para si e reporta o resto para a corte — disse o carpinteiro vermelho de raiva com Sive ao seu lado. — E nem temos a quem recorrer, ninguém a quem denunciar!

O marido de Tríona estava sobre a cama, cheio de machucados, com sua mulher colocando um pano molhado sobre as feridas. Ela tinha apenas um olho roxo, mas suficiente para deformar seu rosto.

— Podemos mandar uma carta para o rei — sugeriu Seona.

— E por acaso ele nos daria atenção? — contrapôs Jeaic revoltado.

— Podemos ir falar diretamente com o Alto Xerife, William Barry — insistiu Seona.

— E você acha que não é ele quem ordena esse tipo de barbaridade? — retrucou Tara.

O tumulto apenas aumentava. As crianças, Brianna e Owen ouviam tudo da porta de fora da cabana. Junto com eles estavam os filhos de Tríona, os gêmeos de seis anos, que estavam com os olhos vermelhos de quem chorara. Brianna era jovem demais para entender o que aquilo significava, e embora um pouco mais esperto, Owen também não entendia por que seus pais tinham que pagar aquelas pessoas, muito menos por que elas tinham o direito de bater neles caso não o fizessem.

— Se eles baterem em meus pais eu mato eles — ameaçou Owen com o punho fechado.

— Pede pro seu pai bater neles — pediu um dos gêmeos. — Eles bateram no papai e na mamãe.

Owen não imaginava seu pai fora de forma enfrentando aqueles soldados de armadura. Muito menos ele, que era apenas uma criança.

— É por isso que eu e o papai vamos até Cahir vender lã. Lá eles compram mais caro. Vendemos a lã dos fazendeiros da cidade e ganhamos um dinheiro extra. Foi assim que encontramos você, Brianna.

Era uma longa viagem. Brianna lembrou-se do quanto demoraram na carroça para chegarem até Vill of Michel. Agora entendia o alarde de Póla em cuidar de mais um membro na família Wise. Sentiu-se mal por isso.

O cotidiano de Brianna passou a ser brincar com Owen e as outras crianças, ficar em casa quando nevava, ajudando em afazeres domésticos simples, já que nem Póla nem Liam lhe permitiam serviços mais pesados, e as idas semanais à igreja. As missas eram em latim e Brianna não entendia absolutamente nada, assim como Owen e até mesmo seus pais. Ficou conhecendo um pouco mais da fé cristã e das histórias da bíblia no catecismo. O reverendo falava os personagens bíblicos, sobre Deus, Jesus, céu e inferno. Mas em nenhum momento citava o fato de as pessoas se transformarem em borboletas quando iam para o céu e mariposas quando iam para o inferno. Perguntou certa vez este detalhe ao pároco.

Brianna e o Demônio [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora