Quinze - Demônios caridosos

6.1K 697 128
                                    


Brianna havia perdido completamente a noção de tempo. Não sabia ao certo se já havia amanhecido ou não lá fora, pois dentro da caverna, a escuridão era invariável. A menina estava cada vez mais certa de que Marduk não havia escapado do lobisomem, e isso a entristeceu completamente.

Clodagh e Fiona não pareciam ser pessoas ruins, mas as duas estavam conformadas em passar o resto de seus dias naquela escuridão. Pela conversa que ouvira das duas, Brianna entendera que estavam fugindo de notívagos. Sua mãe lhe contara histórias sobre eles; Aisling era muito performática ao fazer canções de ninar ou contar histórias sobre contos de fadas ou de terror, para que ela aprendesse a temer o mundo. Pelo pouco que lembrava, notívagos alimentavam-se de sangue humano e eram muito maus. Matariam criancinhas como ela por puro prazer.

Fiona sentara-se em almofadas e pôs Brianna para dormir com a cabeça em seu colo, cantando uma canção de ninar popular irlandesa.

Brianna sonhou com Aisling, com o paraíso, com as borboletas. E acordou novamente na caverna. Clodagh e Fiona dormiam do seu lado. A princípio, pensou novamente em fugir, mas sabia que seria inútil e que poderia se machucar ou mesmo morrer.

Mamãe... Mamãe...

Lembrou-se dos abraços de Aisling, de como ela a reconfortava quando tinha um pesadelo, de como tinha cuidado com ela. Não conseguia imaginar por que sua mãe havia se matado e deixado-a sozinha naquele mundo não nocivo. Brianna estava totalmente desolada, com o vazio no peito que crescia cada vez mais. Sentou-se e abraçou os joelhos, chorando.

Fiona acordou com os soluços da menina e a abraçou. Por um ínfimo momento, Fiona fez com que Brianna lembrasse-se de sua mãe.

Fiona posicionou-se em frente a ela, aproximou o rosto do seu e lambeu as lágrimas do rosto da menina. Em seguida, retrocedeu, de olhos fechados e testa franzida, como se sentisse uma repentina dor de cabeça. Fiona estava sendo bombardeada de memórias de Brianna, de maneira retrocessa: viu-a fugir do lobisomem e cair na caverna, viu-a ser abandonada pelo cavaleiro, ser presa no castelo, viu Marduk ajudando-a a fugir, viu-a caída na neve, prestes a morrer quando os dois cavaleiros a encontraram, viu o marido de sua tia tentando molestá-la, os dias difíceis que a menina sofreu com a inescrupulosa irmã de sua mãe, viu a mãe da garota se enforcando e a vida que tinha com ela antes de sua morte; viu o quanto a garota era feliz...

Não conseguiu ir além dessas memórias ou penetrar no passado da mãe de Brianna. Ainda não dominara o Ósculo das Lamúrias para adentrar as vidas dos descendentes de quem bebia as lágrimas. Para isso precisaria de muito treino.

Mas sabia o suficiente. Estava chorando quando terminou. Sentira a solidão de Brianna através de suas memórias, o sofrimento e a inocência que permanecia, fazendo-a acreditar que o paraíso era uma ilha chamada Hy Brazil, a lendária lenda do folclore irlandês. Abraçou forte Brianna. Clodagh despertou também, mas não se manifestou; ficou deitada assistindo aquela comovente cena.

— Lamento pela sua mãe, menina. Mas que demônio é esse que a persegue?

Brianna arregalou os olhos, sem entender como Fiona descobrira sobre Marduk.

— Não se preocupe, querida. Eu sei de tudo. Sei que está sendo escoltada por um demônio chamado Marduk. Escute bem: Não importa o que ele aparente ser, ele não é bom. Demônios não são bons, eles servem ao mal.

— O Marduk estava me ajudando a chegar ao paraíso.

— Querida, Hy Brazil é uma lenda, uma ilha folclórica, não o paraíso. Quando as pessoas morrem não viram borboletas... Era apenas uma maneira que sua mãe encontrou de falar sobre a morte...

Brianna e o Demônio [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora