55 - A ajuda do Ceifador

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Não há medo mais potente do que o medo do desconhecido. Nenhum rosto monstruoso descoberto ainda foi tão aterrorizante quanto o potencial infinito de horror que existe antes que a máscara seja removida.

É por isso que nós humanos, em nossa ingênua concepção sobre a ordem do universo, somos tão apegados ao medo da morte. Nós pensamos nela como a fronteira final - o maior desconhecido imaginável dos quais quem vai, não volta mais. E então nos apegamos desesperadamente até na vida mais angustiante e triste, sofrendo por qualquer mal conhecido até nossa libertação para o além.
Mas a morte não deve ser temida,

porque a morte é muito bem conhecida. Nós a testemunhamos, causamos, medimos e gravamos isso até o último espasmo moribundo de cintilações neuronais. Mesmo quando eu estava deitado, morrendo, parecia bobo que eu tivesse medo do vazio que me era tão prometido.

Enquanto estava vivo, eu não experimentei a morte, então não havia motivo para ter medo agora. Quando eu estava morto, eu não seria capaz de experimentar nada, então ainda não havia razão para o medo.

Esse pensamento me trouxe grande conforto ao sentir a última luta errática do meu coração contra a conclusão inevitável que se aproximava. Foi só quando eu estava finalmente caindo no sono que uma última dúvida borbulhou no meu cérebro:

E se não for a morte que tenho que temer? E se é o que está além?

E, tão perturbado, deslizei além do entendimento mortal, entrando em um mundo tão abandonado pela razão como já era em vida. Eu ainda estava no quarto do hospital, mas a agitação das enfermeiras e as máquinas de apitar perderam sua opacidade como se estivesse caindo em um entardecer atormentador.

Parecia que cada som era apenas um eco do que um dia fora; toda visão um mero reflexo. Com cada momento que passa, o mundo estava se tornando menos real...

Mas todas aquelas visões e sons - tudo aquilo - não estavam simplesmente desaparecendo. Estavam se transformando em uma figura ao meu lado. Quanto menos real meu quarto se tornava, mais real era a figura era, até que existisse em uma realidade tão afiada que nada ao lado dele parecia real.

Sua capa era preta. Não na cor preta, mas em sua essência. Era como ver um tigre de verdade pela primeira vez depois de ter passado anos vendo uma ilustração de um tigre em um livro infantil pensando que aquilo era o animal real. A realidade fluía em torno da sua foice como as ondas em um mar colorido, e eu podia ver cada partícula elementar e o tempo em si espalhando-se em sua lâmina.

Claro, pensei. É por isso que nos ensinam a ter medo da morte mesmo sem precisar explicar o motivo. Eu me agarrei no cobertor da minha cama de hospital para diminuir a intensidade da presença do Ceifador, mas o algodão, uma vez suave, agora fluía como a névoa translúcida através das minhas mãos.

Eu sabia naquele momento que nada poderia me esconder do alcance do espectro, pois ele era a única coisa real neste mundo.

Você está atrasado.

Não eram palavras. A minha cabeça doeu com esse conhecimento, enquanto meu atraso ia queimado em minha consciência, transmitido como uma lei inevitável da física como a inequívoca gravidade.

Não temos tempo para o diálogo costumeiro. Apresse-se.

Senti-me voando com o vento ao redor dele como detritos em um furacão. Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, estávamos fora do hospital, nos movendo a um ritmo tão frenético que o mundo à minha volta estava turvo em um túnel estonteante de luzes intermitentes.
Se tiver sorte, ELE terá se entediado de ficar te esperando.

Eu tinha muitas perguntas, todas lutando por sua devida atenção dentro do meu cérebro sem conseguir fazer uma se quer.

Você está quieto. Admiro isso. Geralmente as pessoas perguntam demais.

"Qual o objetivo?" Perguntei. Minha voz parecia sem graça e morta comparada a sua presença estonteante. "Como posso tentar compreender algo tão além do meu conhecimento?"

Você não pode. Mas ainda é da natureza humana perguntar.
Não estávamos desacelerando. Na verdade, nossos passos ficavam mais rápidos. Eu não estava correndo, nem voando, ou nada dessa natureza. Era mais como se o resto mundo a nossa volta se movia enquanto ficávamos completamente parados. Uma vaga escuridão e um cheiro pesado e úmido me fizeram supor que tínhamos ido para o subsolo, mas não tinha como saber de certeza.

"Uma pergunta, então," Pedi. "O que mais tem aqui além de você?"
Essa é a razão para perguntas serem sem sentido. A morte não é um lugar ou uma pessoa. É tudo que existe.

Um pensamento perturbador, mas feito mais pelo crescente uivo que começava a ecoar nas rochas à minha volta. Ainda parecíamos descer pela Terra, e o ar estava cada vez mais quente e denso. O som continuava a aumentar como se o próprio mundo estivesse sofrendo.

"Então, o que é ELE?"

É de quem tenho que te proteger.
As rochas se separaram com um movimento rápido de sua foice, e o chão se abriu ainda mais em uma caverna dominada por um lago subterrâneo.

"Mas achei que tinha dito que você era tudo que existia."
Não. Eu disse que a morte é tudo que existe.

Não estávamos mais em movimento. Luz brilhava da foice de uma fonte invisível e transmitia-se para o lago fluentemente. Uma vez dentro, a luz não refletia ou se dissipava, mas rodava e dançava como óleo luminescente.

"Achei que você era a morte."

A morte não é uma pessoa.

A luz estava ganhando vida própria dentro da água. A superfície parada começou a se agitar com a enigmática energia. Levou muito tempo para minha mente dispersa perceber que eu era a energia que fluía no lago. Eu ainda me sentia enredado com a figura, mas agora existimos como um feixe de luz que fervia na água.

Eu sabia que não entenderia, mas isso não me impediu de me sentir frustrado. Se a Morte é tudo o que há, então o que é ELE? Quem esperava por mim? A água fez pressão em torno de mim e não consegui falar, embora ainda pudesse respirar de alguma forma.

ELE está aqui.

Algo estava na água ao meu redor.

Mãos me agarraram pelas pernas e começaram a me puxar para baixo.

Fiquei impressionado ao descobrir que eu tinha membros novamente.

Era tão estranho senti-los, como se aquele corpo não fosse o meu. A luz brilhou na foice - depois de novo. As mãos soltaram, e pude ouvir os uivos mais uma vez. O Ceifador estava lutando contra alguma coisa, embora eu não conseguisse entender o conceito da batalha, exceto pelo debater insano dentro d'água.

O uivo da Terra atingiu seu crescendo, e os gritos fizeram que a água que me rodeava se convulsionasse e se contraísse como algo vivo. O Ceifador havia o cortado? Eu estava seguro? Comecei a explorar meu novo corpo na água, mas, quando pensei que estava começando a ganhar controle, as mãos me agarraram mais uma vez. Fui para baixo, lutando em vão contra seu aperto implacável.

"Quem está aqui?" Tentei gritar contra o líquido sufocante "O que está acontecendo?"

Mas eu não conseguia mais sentir a presença do Ceifador. O calor era insuportável, mas as mãos congelantes que estavam me arrastando para o fundo era ainda pior. Fiquei ciente de uma luz abaladora no fundo do lago, e apesar de ter lutado, as mãos me arrastaram inexoravelmente para lá.

Me perdoe. Não consegui vencer ELE.

Parecia vir de tão, tão longe agora.

Tentaremos na próxima vez.

A pressão - o calor - o barulho - as mãos me arrastando para a luz ofuscante. Fechei os olhos e gritei. Eu estava livre da água agora, mas continuava gritando. Eu não podia suportar olhar para a ELE - aquele que me roubara. Seja lá o que a morte era, ou não era - seja lá o que o Ceifador não conseguira derrotar.

Então as palavras foram ditas.

Palavras reais e humanas de uma boca humana real. Meus sentidos estavam tão perturbados que não faziam completo sentido para mim, mas acho algo assim:

"Parabéns! É um menino saudável!"
A maioria das pessoas não consegue lembrar do dia de sua morte, ou o dia em que nasceram. Me lembro dos dois, e sei que são os mesmos.

By: CreepypastaBrasil

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