70 - Clube dos Açougueiros

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Marie estava concentrada preparando a salada para o jantar, João seu marido assistia o jornal da noite afundado em sua poltrona macia bem despreocupado com a vida. A TV por sua vez estava alta, e mesmo ele estando na sala dava pra ouvir as últimas notícias até mesmo na cozinha. Marie não gostava quando ele fazia aquilo, mas na maioria das vezes não dizia nada. Para ela casamentos eram feitos de pequenos detalhes como aquele. Já eram dez anos juntos e o pequeno Caio já ia fazer cinco dali a dois meses.

"- A capital novamente está temerosa depois de mais um bárbaro crime cometido pelo serial killer de condenados. Fontes apontaram que as vítimas eram dois homens acusados de vários estupros que haviam fugido da prisão junto de alguns outros presos, cerca de três semanas atrás na última rebelião do presídio sul. Ao que tudo indica ambas as vítimas foram torturadas severamente antes de serem executadas. No momento a polícia ainda procura as partes que faltam dos dois corpos na região."

Disse o homem velho de cabelos brancos e aparência fria através dos auto-falantes da TV.

- Amor, por favor muda de canal, você sabe muito bem que não suporto ver esses programas policiais violentos. E também não é bom que o Caio veja esse tipo de coisa, pelo menos não tão pequeno.

- Ahann..
Queixou-se o marido com um pequeno murmúrio.

- Tá certo querida. Sei que você não pode nem ver sangue que já passa mal. E só pra você saber o Caio ainda tá no quarto.
Disse o homem já pegando o controle remoto em uma das mãos.

- Vou chamar ele, já tá na hora da janta.

"- A polícia investiga a possibilidade de grupos de extermínio ordenando execuções contra condenados fugitivos ou livres por alguma brecha na lei. Segundo o delegado o modus operanti parece ser o mesmo nas últimas mortes envolvendo esse tipo de vítima nos últimos quatro meses. No entanto essa linha de investigação ainda não pode ser sustentada por ausência quase total de provas. A perícia revelou que as ferramentas que foram usadas na tortura podem incluir diversos tipos de facas até mesmo bisturis. A polícia até agor..."

Ele mudou de canal antes que o apresentador terminasse. No canal seguinte a mesma notícia era exibida, agora através de uma jovem âncora do canal central.

Marie já estava no corredor próximo a porta do quarto do filho quando seu celular tocou. Ela olhou o número fora de sua agenda já sabendo quem era. Então rapidamente atendeu.

"- Pelo relatório feito após a última fuga a polícia apurou que os dois presos cumpriam prisão pela morte da menina lilan Giano, sequestrada e morta a dois anos atrás. A menina tinha sido raptada após a saída da escola e fora morta mesmo os sequestradores tendo recebido o resgate, o que enfureceu a população na época, quase.."

- Nossa! Só tem essa notícia hoje? Esses caras da TV são um bando de urubus mesmo.
Disse João reclamando enquanto mudava de canal repetidamente até encontrar um programa esportivo mas atrativo parar si.

- Sim sou eu.
Disse a mulher bem a frente do quarto do filho.
- Sim, eu entendo. Sim. Não se preocupe, irei imediatamente.
Então finalizou a ligação.

Marie abriu a porta do pequeno Caio quase sem fazer barulho. O pequeno estava sentado numa pequena cadeira de brinquedo amarela e vermelha, bem concentrado desenhando em sua mesinha laranja.

- Oi mamãe!
Disse Caio ao percebê-la o observar.
- Oi mindinho. O que o senhor tá fazendo? Não acha que está atrasado para jantar?
- Mas mamãe eu queria desenhar mais um pouco.
- Eu sei, mas você nem tomou banho ainda bebê.
- Para mãe, eu não sou mais bebê, eu já sou homem.
- Sei. Meu homenzinho. Mesmo assim você tem que tomar banho. E você pode desenhar depois.
- Mas manheê..
- Não vem com chantagem, isso não cola.
- Eu tô quase acabando aqui.
- Então deixa eu dar uma olhada.
Pediu ela pegando uma das folhas bem rabiscadas na pequena mesa igualmente colorida. No desenho tinha o que parecia ser um super herói de capa voando sobre uma cidade grande.
- Quem é esse?
Ela quis saber.
- Sou eu mamãe, na verdade sou eu quando crescer. Eu vou ser super herói e vou salvar toda a gente mãe.
- Claro que vai meu amor, claro que vai..
Disse ela num sorriso sincero ao filho.
- Mindinho a mamãe tem que trabalhar
- Trabalhar? Mas tá de noite mãe, de noite é perigoso, a senhora sempre diz.
- Eu sei mais tem pessoas precisando da ajuda da mamãe.
O pequeno fez um muxoxo com os lábios.
- Ei, não fica assim. Quando eu voltar prometo que compramos aquela caixa de lápis grande que você tanto quer.
- Tá bom, mas é a grandona da dona coelha né?
Perguntou Caio estreitando os olhos em direção da mãe.
- Sim, ela mesmo mindinho.
- O que foi dessa vez?
Perguntou o marido chegando lado da porta.
- Os servidores da torre comercial do shopping pararam. Tá uma bagunça só. Já mandaram uma equipe, mas eu estou no plantão para supervisão hoje. Tenho que ir.
- Sério?
- É. Desculpa.
- Acha que vai demorar muito pra consertar e voltar?
- Não sei. Acho que com sorte acabamos com isso hoje. Mas não me espere, posso demorar demais.
- Tá bom.
- Quero que coloque ele para tomar banho e jantar, e não deixe ele dormir tarde, e nada de filme de terror OK?
- Tá bom mamãe, não se preocupa eu tomo conta do papai.
Os três riram no quarto.

Marie tomou banho e trocou de roupa no estante seguinte. Não teria tempo para jantar. Botou seu crachá e carteira dentro de uma bolsa com seu computador, desceu até o porão, destrancou a porta e abriu a luz. No pequeno quarto que servia de depósito da casa ela foi direto para a parede dos fundos. Após tirar alguns tijolos soltos ela puxou uma pequena caixa de alumínio guardada dentro da grossa parece antiga. Era uma caixa reforçada fechada com cadeado amarelo. Com cuidado ela a colocou sobre a mesa de ferramentas de João, abrindo seu cadeado com uma pequena chave guardada num bolso falso dentro da bolsa. No interior da caixa repousavam o que pareciam três objetos. Eram eles uma pistola Glock de 9mm junto de um silenciador e dois pentes cheios, uma grande faca de caça presa a um coldre de couro preto e uma peça de tecido escuro enrolado. Marie puxou o laço que prendia o pano, o desenrolando quase como um pergaminho sobre a mesa. Guardados em pequenos bolsos costurados no tecido estava uma grande diversidade de lâminas, alicates com ponta e bisturis, todos cuidadosamente limpos e organizados. Checou cada um deles com um olhar clínico, destravou a pistola, checando as munições da arma e conectando o silenciador a seu cano. Puxou a faca do coldre pela metade e viu que a grossa lâmina parecia estar tão amolada quanto os pequenos bisturis que brilhavam à luz do diminuto porão.

Ao término da checagem de seu material Marie colocou tudo na bolsa guardando de modo organizado, devolvendo a caixa metálica a seu esconderijo atrás da parede onde ficava o armário de materiais de jardinagem do marido. Em cinco minutos ela subiu despedindo-se do esposo e do pequeno filho que ainda estava jantando. Pegou suas chaves e foi até a garagem. Passou do lado do carro do esposo entrando no seu logo em seguida. Dentro do carro ela destravou o porta luvas onde a mão decepada de um homem estava dentro de um pequeno saco selado. Marie afastou a mão morta e pegou um frasco azul com rótulo rasurado do fundo do compartimento, retirou duas aspirinas e as engoliu em seco. Deu partida no veículo e saiu devagar noite adentro para mais um dia normal de trabalho.

Jeff A Silva

Contos De Terror 1° EDIÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora