Aquelas idas e vindas acabavam comigo. Meu sono ficava desregulado, não conseguia me sentir confortável, além disso, a tensão das reuniões sempre recheadas de embates não ajudavam.
E lá estava eu em mais uma saga, na ponte aérea São Paulo-Recife. No aeroporto desde às 20h, só me restava esperar. Enquanto isso, resolvi abrir meu computador para adiantar o trabalho do dia seguinte. Comprei uma fatia de pizza de peperone e um copo de chá. Dois pequenos prazeres no meio daquele dia louco. Enquanto terminava um relatório, deliciava-me e agradecia por existir a Pizza Hut.
No entanto, esse momento mágico foi interrompido por alguém que chegou por trás de mim e tapou os meus olhos. Fui tomada por uma sensação terrível de pânico. Tudo apagado. Escuridão total. Detestava perder o controle, ser surpreendida. Odiava o acaso.
Tentei me desvencilhar, mas não consegui. Estava numa posição de inferioridade, meu coração batia acelerado e eu não conseguia ter outro pensamento a não ser o de medo. Aquela sensação de quando você recebe uma notícia ruim, em que o sangue se esvai do corpo e o deixa gélido, à beira de um ataque.
Enfim, meu algoz desiste, se dá por vencido e me liberta. De volta à claridade, continuo cega, de costas para a pessoa que me interpela quanto à sua identidade.
– Já vi que não se lembra de mim! – disse a voz.
Aquela voz, eu me lembrava dela de algum lugar. Ela não me trazia medo, mas uma lembrança do...
...Acaso.
Não precisei me virar, a voz tomou corpo, alma.
– Só presta atenção em mim quando furo fila, é? – perguntou.
– Não. Lembro-me das pessoas quando as conheço. E, você há de convir, que nós não fomos lá apresentadas da melhor forma – retruquei.
– Ai, você continua de mau humor ou será que você é assim mesmo? – questionou ela.
– Carol, não é? – quis confirmar
– Oh! Lembrou meu nome?
– Não me esqueci de você. Só não estou acostumada a ser surpreendida, sobretudo em locais públicos – esclareci.
– Não dou uma dentro, não é? Desculpe. Vamos então fazer do jeito que você está acostumada: Boa noite, meu nome é Carol – disse ela.
– Prazer, Carol – retruquei.
– Posso saber seu nome, ou vamos precisar nos encontrar mais algumas vezes aqui no aeroporto para que eu conquiste esse direito?
– Nunca digo meu nome no primeiro encontro – disse.
– Aí é que você se engana, esse não é nosso primeiro encontro, mas sim o segundo – corrigiu.
– Então, nunca digo meu nome no segundo encontro – respondi.
– Olha, qual é o seu problema hein?! – questionou
– E o seu, qual é? – Devolvi.
– Só quero saber seu nome, mas já vi que será uma luta inglória. Então, me responde só uma coisa: sei que você não trabalha aqui no aeroporto, pois está sempre com uma mala, tá indo para onde? – quis saber.
– Recife – respondi.
– Coincidência! – observou.
– Coincidência não. Moro lá – eu disse.
– A coincidência não é você estar voltando para casa e sim estarmos indo para o mesmo lugar e, pelo que eu estou vendo, no mesmo voo.
– Como você sabe? Estamos no maior aeroporto do Brasil. São dezenas de vôos para os mesmos lugares saindo daqui a toda hora – expliquei.
– Ôooo...sabe tudo, se você quer ser misteriosa devia tomar mais cuidado com seu bilhete de embarque – falou apontando para a mesa, a passagem ao lado do meu computador – sabia seu nome esse tempo todo – riu.
– Bom, então não falta mais nada não é? Foi um prazer – conclui.
– Ok. Até logo – disse.
Caía uma chuva terrível em São Paulo, quando o sistema de som do aeroporto anunciou que o espaço aéreo seria fechado para pousos e decolagens. Pronto. Era só o que faltava. Fui até o guichê da companhia e recebi a informação de que o voo seria remarcado para o outro dia.
O que me restava era procurar um paliativo. Mas disso a companhia aérea se encarregou. Fomos todos colocados em um hotel demasiado confortável para os padrões, onde ficaríamos, literalmente, ao sabor do vento.
Em meio ao caos que havia se instalado na recepção do hotel, encontrei Carol sentada num dos sofás do imenso saguão. Jogava candy crush no tablet e tinha as pernas esticadas sobre a mesa de centro. Sentei ao seu lado e disse:
– Oi. Parece que vamos passar a noite por aqui não é?
– Você fala com estranhos? – ironizou.
– Não. Já fomos apresentadas – rebati – Posso até te dizer meu nome, agora que estamos em nosso terceiro encontro – brinquei.
– Não precisa, eu descobri sozinha. E agora não seria mesmo uma boa hora, pois estou ocupada – disparou.
– Está ocupada jogando candy crush? – cutuquei.
– Isso. Cada um com suas ocupações – rebateu.
– Atrapalho sua concentração se ficar aqui do seu lado? – amenizei.
– À vontade – respondeu.
Sentei lá, mas ela não me deu conversa. Então, fiquei quieta para não atrapalhar a jogadora profissional.
Até que, quase que simultaneamente, a recepcionista chamou nossos nomes. Nos dirigimos a ela, que deu, a cada uma, uma chave com o número de um quarto. Já mal me aguentava em pé, quando entramos no elevador. Nossos dedos se encontraram quando nos apressamos para apertar o quarto andar. A porta abriu e saímos lado a lado. 407 e 409. Um quarto nos separava. Antes de entrar ela disse:
– Boa noite. Espero que descanse – desejou.
– Obrigada, você também – retribui.
E ela bateu a porta.
Tirei a roupa e me joguei na cama, cansada do dia.
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Por Acaso
RomanceLuísa é advogada, sócia de um grande escritório de advocacia. Lu, como é chamada pelos mais próximos, é reservada e muito desconfiada. Lu chama atenção mesmo fazendo de tudo para passar despercebida. Seu jeito desconfiado muitas vezes faz com que el...