Química, para mim, remetia à tabela periódica, que remetia a dificuldade e desinteresse. Mas descobri que química, na verdade, é uma ciência oculta. Nos últimos meses, eu mais parecia uma lésbica astrológica, como dizia Carol. Procurava respostas para ter encontrado uma pessoa que fosse capaz de me completar daquela forma.
Enquanto Carol teorizava, dizendo que o ser humano procura seu semelhante, eu gostava de colocar a culpa no destino, no acaso, como sempre.
Passavam os meses e a nossa intimidade só aumentava, numa sintonia que mais parecia coisa dos astros. As pessoas perguntavam "vocês se conheceram onde?", nós contávamos e elas diziam "que estória de cinema", "foi o destino" ou ainda "estava escrito nas estrelas". Algumas iam mais longe e se atreviam a analisar "qual o signo de vocês?" e nós respondíamos "virgem e touro" e elas seguiam dizendo "combinação astrológica perfeita". Nós ríamos e nos divertíamos com a necessidade das pessoas de explicarem a nossa felicidade.
Tão simples, nos amávamos e tínhamos aprendido a conviver e confiar uma na outra. Não foi fácil, mas uma mistura de paixão e admiração fez com que ficássemos confortáveis em nosso papeis.
Até acertarmos, sofremos um bocado, mas tudo nos deu maturidade para chegar ao equilíbrio. Eu consegui controlar meu ciúme e a insegurança com muita conversa, e Carol entendeu minha forma de funcionar. Adaptamo-nos perfeitamente. Estávamos juntas há quase um ano e ainda comemorávamos cada mês de namoro. Resistimos à tentação de nos juntarmos prematuramente e nos mantínhamos cada uma em sua casa, embora dormíssemos juntas pelo menos três vezes na semana.
Dez meses depois da oficialização do nosso namoro, parecia que ainda estávamos na primeira semana. Mantínhamos-nos apaixonadas, desejando ardentemente o corpo uma da outra.
Fazíamos planos de adotar crianças, de comprar uma casa que pudéssemos decorar juntas, que tivesse as nossas caras. Queríamos construir uma família. Convivíamos bem com as nossas próprias famílias. Eu, sobretudo, tinha conseguido construir uma relação bastante sólida com a mãe, irmã, tias e primos de Carol. Ela era menos preocupada em construir relações amistosas, mas também havia avançado nesse sentido.
Nosso aniversário de um ano de namoro foi uma prova dessa integração. As duas famílias compareceram em peso, a convite de Carol, à comemoração organizada por ela.
Fizemos um jantar para amigos e família para celebrar a data. Tudo correu perfeitamente, discursos foram feitos, homenagens prestadas por ambas as partes. Mas, a maior surpresa, sem dúvida nenhuma, veio depois que todos saíram.
Após fechar a porta para o último convidado, ficamos apenas eu e Carol em meu apartamento. Ela colocou uma música, tirou-me para dançar e assim que a música acabou abriu uma champanhe, colocou em nossas taças e disse, segurando a minha mão e olhando nos meus olhos:
– Luísa Medeiros de Mendonça, você aceita casar comigo?
Foram cerca de 10 longos segundos, onde quase tudo passou pela minha cabeça. As experiências anteriores, a rotina, meu guarda-roupas abarrotado de coisas que não eram minhas, os espaços divididos, a falta de privacidade.
Naquele momento, só me vinham pensamentos negativos. Esforçava-me para pensar no início da construção de uma família, em acordar com a pessoa amada do lado, em conversar sobre o dia com alguém, de sempre ter com quem contar. Mas todo o resto me parecia mais forte. Então, só pude responder de uma forma:
– Assim, tão rápido?!
– Você acha um ano rápido? – perguntou ela, visivelmente decepcionada.
– Não, é que não sei se estou pronta para um passo tão grande. Eu amo você, mas não sei se, de repente, isso não estragaria tudo – expliquei.
– Você está com medo de casar comigo ou você está com medo do casamento? O que quero saber é se o que te deixa em dúvida sou eu ou o casamento em si – perguntou.
– Eu amo você, o casamento é que me deixa aflita – esclareci.
– Então tenho uma proposta para te fazer. Podíamos procurar uma casa que tivesse a nossa cara e que a pensássemos juntas, de modo a manter a individualidade e os espaços de cada uma, e só oficializar o casamento quando estivesse tudo pronto. Funcionaria como uma fase de transição. O que você acha? – propôs.
– Eu aceito! – eu disse.
– Então vou perguntar outra vez. Luisa Medeiros de Mendonça, você aceita casar-se comigo? – repetiu ela.
– Aceito! – respondi animada.
Então, ela tirou duas alianças do bolso da calça, tomou minha mão e pôs a joia de ouro dourado, sem qualquer detalhe aparente, em meu dedo anelar da mão direita e depois disso colocou a dela no próprio dedo da mesma mão e encerrou beijando a minha mão e dizendo:
– Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas, os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos. Profetas, sinopses, espelhos, conselhos. Se dane o evangelho e todos os orixás. Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz.
Dormimos noivas.
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Por Acaso
RomansaLuísa é advogada, sócia de um grande escritório de advocacia. Lu, como é chamada pelos mais próximos, é reservada e muito desconfiada. Lu chama atenção mesmo fazendo de tudo para passar despercebida. Seu jeito desconfiado muitas vezes faz com que el...