Roda moinho, roda gigante

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Estávamos morando em nossa casa há cerca de oito meses e eu ainda não tinha perdido o encantamento por ver a casa pronta. Todo dia que chegava em casa do trabalho, encantava-me de novo.

Cheguei em casa e encontrei Carol sentada no sofá. Atirei-me ao lado dela, cansada, e me pus a falar sobre o quão vitoriosa tinha sido a minha argumentação na audiência daquele dia. Ela sempre vibrava com as minhas conquistas, mas neste dia foi diferente.

Enquanto eu falava, ela parecia distante. Até que ela apertou o meu braço e disse:

– Precisamos conversar.

O tom grave fez-me gelar. Senti o sangue desaparecer do meu corpo. Calei-me e passei a palavra para ela imediatamente.

– Luisa, antes de nós nos conhecermos, eu havia solicitado uma bolsa de estudos para realizar o meu pós-doutorado na Inglaterra. Mas me disseram que eu deveria cumprir meus cinco anos de estágio probatório antes de obter essa concessão. Já tinha me esquecido disso, mas hoje a autorização chegou e eu consegui a bolsa – explicou ela.

– Parabéns, meu amor! – eu disse, controlando todo o meu pavor.

Ela me abraçou forte e disse:

– Você entende no que isso implica? Temos dois meses para nos mudar.

Não, eu não entendia.

Para mim, que tinha passado quase um ano fazendo um estágio para me acostumar com a ideia de casamento, mudar de país em dois meses era completamente fora de uma realidade possível.

– Carol, eu tenho meu emprego, nossa casa, meus amigos. Tudo construído aqui. Não posso simplesmente largar tudo o que conquistei, da noite para o dia – expliquei.

– Eu também tenho tudo isso Luisa, mas é uma oportunidade única na minha carreira – argumentou.

– Quanto tempo? – perguntei.

– Um ano – disse.

– Você quer que eu largue tudo durante um ano? – gritei.

– Não. Eu quero que você não me largue – devolveu ela.

– Você é quem está me deixando. Você não podia ter planejado tudo isso sem me consultar – disse.

– Nós não nos conhecíamos, eu já disse. Nem lembrava mais disso – explicou. E não quero te deixar, quero te levar comigo – falou.

– E em que momento você perguntou o que eu quero? Em que momento você me levou em consideração nisso tudo? Você acha que eu sou uma peça de roupa que você carrega para onde quiser? – perguntei.

– Não. Eu penso que você é minha mulher e que um ano passa rápido – respondeu.

– Pois, para mim, um ano é muita coisa e, embora eu, de fato seja sua mulher, não sou sua propriedade – descontei.

– Nunca lhe tratei como propriedade Luisa. Só estou te pedindo bom-senso – falou ela, diminuindo o tom de voz.

– Bom senso pra você é eu largar tudo pra viver a sua vida? – perguntei ainda gritando.

– Não. Bom senso é não jogar um casamento para cima – disse ela.

– Como você está fazendo? Finalizei.

– Lu –começou ela.

– Não me chama de Lu. Não me trate como se eu estivesse tendo um chilique adolescente, porque estamos falando da minha vida – falei descontrolada.

– Luisa, a vida é nossa, não sua. E o que eu quero é apenas chegar a um ponto de equilíbrio, onde possamos fazer o que for melhor para nós duas – amenizou.

– Para nós duas? Pela sua proposta, só quem teria que ceder seria eu. Só vejo seus interesses nessa história toda – falei.

– Luisa, nesse tempo todo em que estamos juntas procurei entender todas as suas dificuldades, respeitá-las e ajudar no que fosse possível. Gostaria que pensasse nisso agora – falou.

– Ah! Eu sabia que um dia ia levar isso na cara! Como eu posso ter sido tão burra de acreditar que com você seria diferente? – falei, chorando.

Ela se aproximou, envolvendo o meu corpo com seus braços e, por mais que eu sentisse vontade de me acomodar no seu ombro, a empurrei e subi as escadas correndo.

Ela subiu depois de algum tempo e eu estava deitada na cama, chorando compulsivamente. Ela sentou-se ao meu lado e disse:

– Lu, vamos tomar um banho, comer alguma coisa, esfriar a cabeça e amanhã conversamos, que tal? – disse passando a mão nos meus cabelos.

Atirei-me nos braços dela e disse:

– Eu não quero te perder. Eu amo você.

– Você não vai me perder, eu também te amo.

Dormi no ombro dela, cansada de tanto chorar.

No outro dia, acordei com muita dor de cabeça, vômito e dores no corpo.

Carol ligou para o escritório, avisando que eu não iria trabalhar e ligou para a Universidade também informando que não daria aula naquele dia.

Depois de uma conversa mais civilizada, acordamos que Carol iria e eu continuaria aqui, mas que nos encontraríamos a cada dois meses. Eu continuaria na casa e nos falaríamos todos os dias. Caso eu mudasse de ideia e quisesse ir morar lá com ela, poderia fazê-lo a qualquer momento.

Entendemos que não era o ideal, mas que era o melhor a fazer naquele momento.

Por AcasoOnde histórias criam vida. Descubra agora