O Encontro

2.9K 157 22
                                    

Eu conheci Carol no aeroporto de São Paulo. Estava voltando de uma reunião de trabalho. Meu voo já estava atrasado em uma hora, quando resolvi comer algo.

Aguardava pacientemente na fila, até que, ao chegar a minha vez, fui interrompida abruptamente por uma mulher que se dirigiu à balconista, mesmo sem estar na fila, desprovida de qualquer cerimônia e pôs-se a fazer seu pedido:

– Você poderia me ver uma coca e um pão de queijo para viagem, que eu já estou atrasada, por favor?

Diante da situação, a atendente me olhou de forma interrogativa, como se dependesse da minha autorização a realização do pedido da moça. Eu então me dirigi àquele projeto de tempestade:

– Com licença, é que eu estou na vez.

Ela então, como se fosse a primeira vez na vida que tinha contato com um ser humano, encarou-me e disse:

– A prioridade é de quem está atrasada para o voo.

– Não. A prioridade é guardada somente aos portadores de necessidades especiais, gestantes, idosos e pessoas com criança de colo. E, que me conste, você não se enquadra em nenhum desses casos.

Enquanto isso, a atendente nos olhava com cara de quem precisava receber alguma ordem.

– Veja só, você devia ser mais bem humorada. Não tem ninguém na fila além de você e não custa nada deixar que eu seja atendida rapidamente já que meu voo está na última chamada e preciso comer antes de tomar um remédio, por favor.

– Bom saber que você é capaz de tratar bem as pessoas. Sendo assim, a vez é sua.

– Obrigada – respondeu.

Não pude deixar de pensar o que tem mulher bonita para ser petulante! Mas, bom, diante do consenso, a balconista atendeu ao pedido e ela se foi. Mas antes de ir, enquanto esperava a comida, rabiscou algo em um guardanapo e me entregou antes de atravessar correndo o portão que dava acesso ao finger.

Sem que eu tivesse tempo de olhar o que havia escrito, a atendente prontamente quis saber, mais uma vez, minhas ordens. Pedi um chá de limão, como sempre, e um pão de queijo.

Atendida, fui sentar-me, no chão, onde era possível, já que inferno era pouco para definir a situação daquele aeroporto. No meu tablet me entreti respondendo emails de trabalho e 40 minutos depois os passageiros do meu vôo foram finalmente convidados a embarcar. Ufa!

Só depois de me acomodar, dei-me conta de que tinha esquecido o papel que havia recebido da garota do café em meu bolso. Prontamente pus a mão lá dentro para ver se ainda estava no mesmo lugar. O papel estava todo amassado, mas perfeitamente legível.

carol_ferraz

81 555454545

Para o caso de precisar furar uma fila

Ri alto, pensando na cena que tinha dado origem ao bilhete. Além de bonita, era espirituosa!

Adoro gente interessante. Era capaz de me interessar por uma pessoa apenas por achá-la interessante. Minhas amigas me perguntavam o que fazia uma pessoa digna de tal qualificação. Bom, é um conjunto de coisas, eu respondia. A conversa, os movimentos, o cheiro e, enfim, a plástica. Talvez por isso eu não tivesse até hoje um padrão de mulher. Não gostava de mulheres negras, ruivas, loiras, brancas, gostava apenas de mulheres interessantes.

E a tal da Carol, de fato, vinha se constituindo em uma mulher interessante. Na verdade, desde o primeiro momento, mesmo conturbado, ela já demonstrava força e leveza ao mesmo tempo. Mas, e agora? Nunca acreditei em relações iniciadas de forma intempestiva. Nunca fui assim, tomada por rompantes juvenis. Dessa forma, olhei o papel mais uma vez e o enfiei de volta no bolso.

Não preguei o olho o voo todo, como sempre, e cheguei como se um trator tivesse passado por cima de mim, como sempre. Peguei um táxi e fui direto para casa. Já era madrugada quando abri a porta e arrastei a minha mala de mão até o quarto. Tirei tudo, que era muito pouco, na verdade, da mala e coloquei na máquina de lavar, inclusive as roupas que eu estava vestindo depois de esperar quase 8 horas no aeroporto. Enquanto aguardava o serviço ficar pronto, aproveitei para tomar uma ducha.

Cochilei sentada no box e só acordei porque o celular tocou, às 3h20 da manhã. Só podia ser uma pessoa, minha mãe. Queria confirmar que eu tinha sobrevivido a mais esse embate aéreo, que me obrigava a estar em SP pelo menos uma vez por semana nos últimos três meses.

Imediatamente, lembrei-me das roupas que havia colocado para lavar, desliguei o chuveiro, pus-me de pé, coloquei o pijama e me arrastei até a área de serviço. Abri a máquina e me esforcei para pendurar as peças, sentindo aquele cheiro de lavanda que vinha do amaciante de roupas. Já estava quase acabando, quando puxei uma calça da maquina e ao pendurá-la pela perna, vi um papel se esgarçando no bolso esquerdo, um pedaço já havia caído no chão. Abaixei-me para pegar e quando abri lembrei-me do bilhete que havia recebido no aeroporto. Ri de novo e me apressei para pegar a parte que tinha ficado no bolso. Mesmo borrado, ainda era possível ver as informações.

O cochilo no box não havia saciado meu cansaço e o sono voltava a incomodar. Caminhei até o quarto, o que me pareceu uma distância maratonesca para quem morava em um estúdio de 30m². Pus o bilhete molhado sobre a mesa de cabeceira e adormeci.

Por AcasoOnde histórias criam vida. Descubra agora