com o perdão da piada

13.9K 851 628
                                    

— Mais um! — exclamou Michelle, pela provavelmente quarta vez, apontando para a TV com euforia. O clima que envolvia a sala não parecia incomodar a pequena de nenhuma maneira e se ela não fosse apenas uma criança doce e inocente, Tony já teria mandado-a para a puta que pariu.

Era uma atrocidade aquilo a que Fury havia os submetido. Em que mundo sensato alguém, em sã consciência, deixaria uma criança nos cuidados de Tony Stark? Tudo bem, ele não estava sozinho — e que bosta, mas bosta mesmo, porque ele preferia fazer a babá sozinho. Mas Fury era inteligente demais. Porra. Inteligente demais. Tony queria aplaudi-lo mais do que queria lhe enfiar a porrada, porque sem dúvidas Fury era inteligente pra uma porra. Ele sabia de algo, com certeza, teria de saber. Não era possível que fosse coincidência Nick deixar Rogers e Stark na mesma "missão" — como o chefe mesmo havia sarcasticamente apelidado —, sem saber nem que fosse por meros boatos de seu passado vergonhoso.

Não era um passado de que se orgulhava. Aliás, eram poucos os eventos de sua vida amorosa dos quais Stark tinha orgulho. Mas se houvesse uma lista, Steve Rogers definitivamente estaria encabeçando-a — com o perdão da piada. Não havia questões, não havia dúvidas, não havia argumentos contra fatos: Steve era um completo babaca. Babacoide. Desnecessário. Até mais que o próprio Stark. E Tony admitia que repetia esse mantra a si mesmo toda vez que pensava que seus sonhos com o Capitão poderiam dar certo um dia. Eles eram dois babacas, mas não havia dúvidas de que Steve fora o babaca final. E por isso eles terminaram — ou pararam de foder todas as noites sem que ninguém tivesse conhecimento.

E o Fury. Ah, o Fury. Aquele velho safado que só tinha um olho, e que porra de olho! Enxergava tudo. Sabia de tudo. As paredes poderiam ter ouvidos, mas os olhos do Fury? Ah, Fury. Ele tinha de saber de algo. Não teria inventado aquela palhaçada à toa. Não, senhor. Tony queria poder sair dali e ter uma conversa bem séria com aquele pirata que caiu do navio, mas quem disse que podia? Na guerra e no amor, vale tudo. Até chantagem. Se qualquer um deles se negasse a cuidar da bendita menina — que, coitada, de nada tinha culpa —, haveria uma punição. E uma punição do caralho, como não poder liderar missões ou mesmo perder a permissão para agir sem comunicar a S.H.I.E.L.D. em casos extremos. Que beleza, hein, Fury. Muito esperto, Fury. Muito esperto.

— Mais um! — voltou a exclamar Michelle, fazendo Tony perceber que seus devaneios duraram mais uma hora e meia.

Sem querer, Steve e ele trocaram um olhar. Um olhar que não queria dizer muito, mas também não queria dizer pouco. Um olhar do tipo, "sinto sua falta, mas não a ponto de te dizer isso algum dia porque você foi um babaca". Havia também a falta de comunicação como razão do "término", aliás, além do alto índice de babaquice de ambos os lados. E de nada adiantava tentar jogar a culpa pra cima do outro, mas ela tinha que ser de alguém, certo? Essa era a linha de raciocínio que Tony havia adotado desde o incidente Capitão América: o babaca de todas as estações.

E, não o leve a mal, ele tinha certeza de que Steve pensava a mesma coisa sobre ele — se não pior. Porém, era pelos motivos errados. Tony era um babaca com todo mundo porque esse era o seu jeito. Mas ele era um babaca cujo coração costumava pertencer ao soldado. E querendo ou não, tinha de admitir que nunca havia deixado seu jeito tosco ser um impecilho na relação com Rogers. Steve poderia falar o que quisesse, mas culpar a personalidade de Tony pelo fim dos dois era sem dúvidas algo inaceitável. Atitudes sim, essas mereciam o apedrejamento do Capitão. E com razão. E Stark deveria tê-lo dito tudo isso, talvez mudasse o rumo que as coisas tomaram. Mas era tarde demais agora. Ele só conseguia pensar que tinha de arrumar um jeito de sair dali antes que sua cabeça explodisse.

— Quer um lanchinho, Michelle? — ele questionou, com a sua melhor interpretação de alguém que se importava com o bem-estar de uma criança. A menina meneou a cabeça, sorridente, e voltou a olhar para a TV.

BABACA | 𝘀𝘁𝗼𝗻𝘆Onde histórias criam vida. Descubra agora