7-UM BOM GOLE DE WHISKY

2.6K 199 7
                                    

By Khalid Shall

Dia calmo em véspera de guerra é um mal presságio, e eu tive certeza disso quando ouvi um estampido alto e cortante no final da tarde.

Meu coração contrai dentro do peito quando vejo Anne encolhida no chão agarrada aos joelhos. O Delegado, o Filipe e os gêmeos chegam depois de mim, certifico que Anne esteja bem, chamo o Filipe e saímos pela mata adentro atrás do desgraçado que tentou matar a minha mulher.

***

-Sr Shall já não é mais como antes - ouço os gêmeos conversando entre eles.

Talvez eles tenham razão, eu sempre fui um grande caçador e hoje a minha caça conseguiu escapar.

Passo as mãos nos cabelos de Anne, que está agarrada com o pai e me retiro da cozinha.

Pelo jeito ninguém mais vai jantar além dos gêmeos, esses imprestáveis.

Entro no meu escritório, abro as janelas e a noite parece mais fria do que realmente está, meus pensamentos agitados divagam entre o passado e o presente.

-É Khalid você está mudado, e isso não é bom - murmuro pra mim mesmo.

Anne quase foi morta e eu não fiz nada, simplesmente nada! Um nó se forma na minha garganta só em pensar que algo de muito ruim poderia ter acontecido.

Ainda bem que o ser supremo não permitiu que o meu coração fosse esmagado mais uma vez, porém eu sou o responsável pela segurança da minha menina.

Me lembro de ter me sentido assim há muito tempo atrás: fraqueza não é um sentimento que eu aprecio.

Abro a última gaveta da minha mesa e lá está ele, parece pedir para interferir na situação, os momentos tranquilos ao lado da Anne me fez esquecer o meu verdadeiro eu, me fez baixar a guarda, essa vida de marido dos sonhos não é pra mim!

Não posso arriscar perder mais alguém, eu simplesmente não aguentaria, eu preciso por um ponto final nisso tudo.

Pego uma garrafa de whisky, vou para o meu quarto e tranco a porta, preciso de um tempo sozinho com as minhas cicatrizes, é necessário mais uma vez reabrir as feridas.

Dou um longo gole direto da garrafa, ligo a TV e tudo se repete bem ali na minha frente, como se fosse ontem à dor me rasga ao meio, mais um bom gole de whisky e já começo a andar de um lado para o outro como um leão enjaulado e faminto.

O auto-controle a qual eu tanto prezo se vai de mim com cada gota de suor que escorre pela minha testa, preciso pôr pra fora...

Um soco explode na parede, e eu observo satisfeito o sangue escorrer pelos meus dedos.

Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali olhando para o nada, até que uma vozinha chorosa me despertou do meu estado de torpor.

-Khal você está aí? Abre a porta meu amor...

Me sinto pesado demais para olhar para Anne neste momento, mas como ela continua insistindo, eu faço a sua vontade.

-Poxa ao invés de ir me acalmar você fica aqui trancado nesse quarto! Eu podia ter morrido tá! Aliás Khalid eu já conversei com o meu pai e eu quero voltar para o Brasil!

-Anne... - eu penso tantas coisas pra dizer, mas simplesmente não consigo.

-Eu queria que você tivesse pelo menos a sensibilidade de compreender que eu precisava de você lá embaixo!

-Graças ao ser supremo você está bem... - minha voz soa esganiçada.

-Graças ao atirador ser míope Khalid! Os gêmeos não estão aqui pra ajudar na segurança? A única coisa que eu vejo eles fazendo é comer...

-CHEGA ANNE! - eu não queria gritar, mas gritei.

Ela me olha assustada e uma lágrima escorre do canto do seu olho. Droga! Eu tenho certeza que não falei nada demais...

-Desculpa - Anne murmura, mas já é tarde demais.

Ela se aproxima para me abraçar, mas eu não quero carinho agora, não é o momento pra isso.

-NÃO ENCOSTA EM MIM - ela recua mais assustada que antes.

Eu saio do quarto batendo a porta e carregando a garrafa de whisky.

Passo pelo Filipe que parece querer dizer algo, mas pelo menos ele me conhece o suficiente.

Pego uma pistola, dou a volta por trás da casa e subo no telhado. Uma arma e uma bebida me fazem companhia, aqui eu posso ficar em paz.

Os dias são de um calor insuportável na ilha, já as madrugada são extremamente geladas, porém hoje eu não sinto frio, provavelmente por causa do whisky.

Lá de cima vejo os gêmeos brincando ao redor da casa e o Filipe sentado apenas observando tudo. O Delegado colocou a cara pra fora umas três vezes pra brigar com os gêmeos, mas deve ter cansado e ido dormir.

Os gêmeos cochicham algo lá embaixo, como se dá onde eu estivesse pudesse escutá-los, sorrio sozinho no escuro quando percebo que um deles está tentando subir no telhado pelo lado oposto de onde estou.

-Bú - Richard fala sem nenhuma empolgação - Sei que o Sr percebeu que eu estava subindo.

Estendo a garrafa pra ele que apenas olha.

-Eu não bebo Sr Shall, aprendi com o Sr! Perdi cem dólares hoje por sua culpa, apostei com o Clark que o Sr pegaria o atirador. Antigamente tenho certeza que o Sr conseguiria.

-Se você não calar a boca eu te jogo daqui de cima Rich!

-Calei Sr Shall... - o rapaz se senta ao meu lado e prossegue -Sr Shall não foi um soldado da Alcatéia que atirou, nenhum dos nossos irmãos erraria um tiro nessa distância, além do mais não matamos mulheres. De repente têm mais alguém atrás do Sr.

-Rich no dia que eu vi alguém na mata observando Anne e eu, tenho certeza que era da Alcatéia!

-Então pode ser que foram pessoas distintas, com objetivos diferentes.

-Pode ser Rich...

-Viu como sou inteligente chefe?

Olho para ele com severidade e ele corrigi:

-Quero dizer... Sr Shall.

"Eu vejo você num lugar solitário
Como você pode ser tão cego"

Open Your Eyes

ALCATÉIAOnde histórias criam vida. Descubra agora