Capítulo XVII - Daenerys

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Ela procurou a mão dele em meio às cobertas. Mergulhando e perdendo-se por um instante desesperador por entre as dobras suaves dos fios refinados de algodão, até finalmente respirar aliviada ao achar seus dedos febris. Deslizou sua mão perceptivelmente menor por baixo da palma grossa e entrelaçou as extremidades. Só então abriu os olhos para o dossel forrado da cama, percebendo que a pouca luz que vazava das cortinas em migalhas iluminava apenas os detalhes mais ricos e brilhantes do tecido. Havia se tornado um ritual ou talvez uma medida de segurança que ela repetia todos os dias. Primeiro certificava-se que ele estava ali, com ela e bem, na medida do possível; para só depois permitir-se levantar as pálpebras sonolentas com um suspiro.

Daenerys soltou a mão do esposo e esticou-se, letárgica, tomando cuidado para não tocá-lo bruscamente e acordá-lo sem querer. Todas as manhãs, ainda na penumbra das primeiras luzes frias, ela reservava um bom tempo para observá-lo dormindo, quase profissionalmente, verificando a como andavam as cicatrizações sem que ele teimasse em dizer que estava bem, quando todos sabiam que não. Assim, depois de molhar o rosto com a água gelada de uma bacia de cerâmica, que ficava em uma mesinha baixa perto da cama, e abrir parcialmente as cortinas, ela sentou-se sobre as pernas dobradas e começou sua análise.

Quando não estavam juntos, Jon costumava dormir de bruços, com uma das mãos por baixo do travesseiro onde seus dedos permaneciam tocando o metal frio do cabo de um punhal que ele mantinha sempre perto de si. Havia descoberto isso quando o vira deslizar a lâmina reluzente por debaixo do encosto. Mas por conta de tudo o que lhe fora infligido, as recomendações explícitas eram de um sono tranquilo com o peito para cima. Ele não reclamara muito, da maneira que seu corpo estava não haviam muitas posições confortáveis para escolher. Dany agradecera a um dos meistres por isso, assim ela podia verificá-lo quase por inteiro.

A mão esquerda havia chegado com fraturas nas falanges e o tendão do dedo médio cruelmente distendido, e como ainda estava enfaixada com uma tala firme de suporte - deixando-a segura dos usos antes da hora de seu rei cabeça-dura - ela não podia acompanhar o avanço. Mas se ele não podia mexê-la, devia estar caminhando bem.

Com a direita as coisas haviam sido diferentes. Inúmeros cortes finos marcavam desde a ponta dos dedos até a parte macia de dentro do antebraço, formando um conjunto assustador de rasgos na pele por toda a extensão. A princípio ela se alegrara com isso, e os meistres também, cortes pequenos e rasos não eram difíceis de curar e alguns já apresentavam uma boa cicatrização. Até que um tempo depois eles notaram manchas escuras por debaixo da pele naqueles parcialmente curados e os da mão teimosamente vertendo sangue todas as vezes que ele se mexia de alguma forma em seu sono perturbado. Um meistre mais experiente afastara todos com um empurrão rude e, brandindo uma pinça intimidante, reabrira os ferimentos. Mesmo agora, ao sentir com os dedos as cicatrizes escuras do sangue coagulado, ela sentia-se nauseada com a espantosa quantidade de pequenas navalhas que o velho havia retirado daquele braço, precisamente posicionadas para causar dor a cada movimento, sem acertar nenhum vaso ou artéria particularmente importante. Uma daquelas pequenas lâminas afiadas havia estado tão entranhada nos músculos, quase como se as fibras estivessem enraizando-a, que a ela retirara-se da sala para colocar seu jantar para fora.

A rainha correu as pontas dos dedos para o ombro do homem mansamente adormecido até a clavícula, passando por um X alongado em uma fina marca avermelhada. Ela pensara que se tratava de mais um talho profundo, revelando as partes mais escuras e rígidas do músculo, mas os meistres sabiam reconhecer um ferimento por ferro incandescente quando viam um, e ela engoliu em seco ao lembrar-se do som que a brasa fazia ao encostar-se à pele; esfriando-se brutalmente e carbonizando tecidos. Desceu mais a mão, contornando o peitoral e arrepiando os pelos raros da região para chegar à primeira faixa das ataduras de linho, duramente apertadas para manter no lugar as costelas fraturadas.

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