Capítulo XVIII - Jon

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Os grilhões do teto já haviam arranhado seus pulsos até que finas gotas de sangue pingassem para as tábuas do chão, cortando a carne que cedia ao ter que suportar o peso de um corpo quase inerte. Com a cabeça caída de cansaço, a bochecha direita apoiada em seu ombro, ele via turvamente a pequena poça vermelha aumentar e escorrer por entre as junções da madeira. E mesmo que fosse impossível, imaginava escutar o som que cada uma fazia ao voltar para suas irmãs, espaçadamente e com uma ordem, espalhando sangue em seu mergulho mórbido.

Ele fechou os olhos, flutuando entre o desmaio e a consciência dura, sentindo como se fosse a outro corpo que as pontas de chumbo das tiras do relho rasgavam a pele e dilaceravam os músculos. Seu corpo sacudia-se a cada impacto e ele não tinha mais força para trincar os dentes para não gritar, então eles chocavam-se uns contra os outros sempre que uma pancada vinha mais forte que as outras e fora de ritmo. Porque o homem parecia seguir uma música dedicada, golpeando continuamente uma, duas, três vezes antes de parar por três segundos e mudar de lado. Ele arfava agora, e o intervalo entre cada sequência aumentava à medida que mais tempo se passava, parecendo tão exausto quanto o infeliz preso.

Jon abriu os olhos outra vez e forçou-se a olhar para trás, percebendo com um terror além da dor que não havia mais carne em certos pontos, as extremidades duras do chicote indo de encontro às costelas brancas e secas que apareciam irrealmente. Então ele soube que iria morrer, o homem já devia ter parado há muito tempo, – 50 chicotadas – o meistre havia dito antes de deixá-lo acorrentado. Mas o encapuzado não iria parar, não até que toda a carne que o encobria houvesse sido arrancada e não até que ele não passasse de um conjunto de ossos pendendo do teto de um calabouço abandonado. Sabia que ia morrer, o açoite o acertou contra os ossos e ele gritou, não sabendo como, gritou. Não fazia mal gritar, ele ia morrer, morrer sem ter dito nada a ela... Morrer antes de...

Lutou para se afastar de quem o segurava, mas os braços finos foram insistentes, envolvendo-o protetoramente e puxando-o para perto. Abriu os olhos agitados, com a dor da última chicotada recente em sua memória e parecendo pulsar nas cicatrizes, mas ele não estava mais em Harrenhall, seu corpo quase desmoronou de alívio ao perceber, e era Daenerys quem comprimia sua cabeça contra o peito.

— Shh... – Ela, com uma força surpreendente, segurou suas mãos rígidas e trouxe-o para si, mais junto à seu corpo. – Você está bem. Não está mais lá. Está aqui, comigo, entendeu? – A voz serena da mulher preencheu seus ouvidos enquanto ela se balançava cadenciadamente, embalando-o como uma criança pequena, e expurgando aos poucos os sons do chicote e as marcantes gotas de sangue que pingavam. Ele respirou fundo, deixando que ela o consolasse com seus suaves carinhos em seu rosto e cabelo, mas acalmando-se de verdade com o aroma que exalava do corpo dela.

Jon relaxou minutos depois, ouvindo as batidas contínuas do coração da rainha e observando a réstia prateada da lua nadar solitária na escuridão do quarto. Sua respiração não estava mais acelerada e seu rosto esquentou ao pensar no que poderia ter feito durante o pesadelo. Eu gritei? Afastou-se delicadamente dela, para que a mulher não interpretasse o gesto como rejeição, e deitou novamente, sentindo as penas de seu travesseiro em um incômodo macio.

— O que você sonhou? – Ela perguntou cortando o silêncio desconfortável que havia se instalado. Jon não via as formas de seu rosto ou corpo na escuridão, mas podia apostar que seu cenho estaria franzido e os olhos brilhariam com a preocupação crua. Ele achou por bem trazê-la para si, passando o braço direito em sua cintura, fazendo com que ela deitasse sobre seu peito. O corpo quente e suave de uma mulher era bom ao contato, principalmente o de sua mulher, e ele a queria por perto. Percebeu sem surpresa que ela estava nua, as pernas femininas entrelaçaram-se às suas, coxa contra coxa, e os seios apertaram-se na lateral de seu corpo quando Daenerys se aconchegou a ele, suspirando baixo ao sentir-se satisfeita com a posição. O calor que os corpos emanavam parecia ser suficiente para aquecê-los, mas logo ele a viu se arrepiar, então desenterrou dentre suas pernas o lençol e cobriu-a até os ombros. – Não estou com frio, foi você. – Ela reclamou, mas não afastou a seda que a encobria.

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