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A viagem de volta para casa foi embalada pelas memórias narradas nas cartas de um antigo amor, que queimava no bolso de trás da calça jeans rasgada, de quando ela tinha dezenove. Em um abraço dobrado com a foto - colorida pelo tempo nas laterais em um tom de amarelo antigo como o fantasma pálido da felicidade naqueles sorrisos adolescentes apaixonados - e o mapa desenhado a lápis de cor das lembranças.

Helena sentia-se inundada pelas melodias do vazio que a partida deixara ao dirigir pelos campos tempestuosos que não vislumbrava por tanto tempo. Era como se alguém tivesse apertado o botão de "retroceder" na fita de vídeo que compunha a vida dela, tendo como únicas exceções o fato de que ela não dirigia de ré e o tempo não voltava ao antes.

Ela estava a caminho da pequena cidade de interior que testemunhara os pequenos momentos dela até a faculdade. Os seus primeiros passos, machucados e beijos e seus meios adeus e esquecimentos. Dirigindo a 90 por hora naquelas estradas ladeadas pelos campos onde costumava correr e deixar os pensamentos escaparem livres na pesada neblina que parecia cobrir permanentemente os céus - desejando poder dissipar-se tão facilmente quanto eles.

Mas, ao contrário das outras visitas que fizera a cidade natal, esta não tinha como destino os abraços apertados da mãe ou os copos de chocolate quente da sua cafeteria preferida, bebericados na velha e empoeirada casa da árvore que ainda residia no quintal de casa. Helena se dirigia as memórias adormecidas e enterradas sob um canteiro de centáureas selvagens em uma planície remota a alguns quilômetros de Monschau, que se tornara "o lugar deles" no auge do romance adolescente de Helena e Dean.

Ela caminhou com o mapa rascunhado por Dean, há alguns anos atrás, no papel entre os dedos decorados por anéis prateados no indicador e anelar. Próximo ao lugar indicado por uma enorme seta em vermelho, em que, entre as paredes de metal de uma caixa de biscoitos estavam segredadas as memórias que compartilharam juntos, notou que ele desenhara em linhas tortas - devido ao apoio instável da barriga dela e as péssimas habilidade de desenho dele - com lápis vermelho e marrom o pequeno chalé abandonado, no qual eles, por vezes, passavam a noite - fingindo que não havia mais ninguém no mundo além deles.

As pequenas flores das robustas centáureas azuis não exibiam seu esplendor naquela época do ano em que o rigor dos ventos gélidos que anunciavam a chegada do inverno, no entanto, Helena não teve dificuldade de encontrar as lembranças que haviam já sido seu presente.

Ao perceber que o túmulo de tudo o que eles tinham estava revirado uma série de perguntas surgiu na mente dela com um franzir de cenho. Ninguém tinha conhecimento daquele lugar além dela e Dean. O que só poderia indicar que as mesmas decisões o assombraram durante esses dias.

Não tinha mais notícias dele desde que as últimas palavras findaram o relacionamento deles, quando ele implorou para ela não fosse embora e ela disse que era tarde demais, exceto pelas cartas deixadas no armário e no bolso das calças que a trouxeram até lá.

Helena afastou com mãos a terra que cobria o pote de biscoitos formando pequenos montes dos dois lados da cova rasa a menos de dois palmos da superfície. O amor que eles enterram ali na esperança de que talvez pudesse florescer novamente. Entretanto, só havia a terra árida e as flores secas e em decomposição sobre o túmulo.

Ela limpou a tampa colorida de vermelho com leves tapas fazendo vibrar batidas metálicas como fizesse um coração metálico voltar às batidas irregulares e desarmônicas de uma paixão antes de pousá-la no chão ao lado dela.

Respirou fundo e retirou primeiramente a corrente prateada barata que Dean lhe dera no primeiro encontro deles em um parque de diversões. Lembrou-se dos sorrisos trocados, dos rostos corados e do cheiro açucarado de algodão-doce e pipoca amanteigada ao observar o tinir das correntes, onde pendiam emaranhados os pingentes vazios, uma vez ocupados por pedrinhas que logo se perderam ao descolarem, criarem uma melodia desconcertada amestrada pelo soprar das rajadas frias que beliscavam a pele dela.

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