A sala de espera do piso principal do hospital estava preenchida pelas conversas sussurradas entres cadeiras e sofás de tom malva, quando Norah, finalmente, se dirigiu até as portas de entrada. Lutava para não arrastar o par de mocassim branco terrivelmente feio – porém confortável – pelo chão de linóleo, mas sabia que as enormes olheiras sob os olhos denunciam as horas sem dormir.
"Bom descanso, doutora" Beth disse com os olhos ainda fixos na tela do computador, enquanto as longas unhas ritmavam o digitar furioso de informações.
"Obrigada" Norah resmungou e tentou sorrir, mas os lábios ressequidos não pareciam obedecer a seus comandos.
Tinha acabado de destrancar o carro quando uma voz a chamou.
"Cabeça de geleia" Norah revirou os olhos pelo apelido infantil, olhando por sobre o ombro. Hilo, aparentemente, nunca a perdoaria por ter confundido um pote de tinta guache vermelha com a geleia de framboesa favorita dela, há 23 anos...
A irmã caminhava na direção dela com as mãos afundadas nos bolsos da blusa de moletom. Um sorriso se destacava contra a pele morena e fazia com que os olhos mestiços se tornassem ainda mais puxados.
"Hilo" a voz de Norah quebrou rouca em silêncio nas últimas letras do apelido ao cumprimentá-la.
"Não deveria se esforçar tanto, idiota" a outra resmungou em resposta, tomando as chaves do carro que pendiam em seus dedos "E antes que eu me esqueça, mamãe quer que você venha jantar hoje. Disse que você se esqueceu dela desde que começou a trabalhar nesse hospital".
Norah bufou. Ela mal tinha tempo para si mesma entre todos os plantões e emergências. Além disso, visitara a mãe na semana passada. Quis fechar os olhos, mas temia não conseguir abri-los novamente.
"Ela está sendo dramática".
"Pode ser que sim" Hilo ponderou, dando de ombros "De qualquer forma, vamos. Não quero mais ouvi-la reclamando até com as paredes".
Ao pensar no caderno de capa preta que deixara na bancada da cozinha da antiga casa, Norah suspirou e levantou as mãos para cima em rendição.
"Tudo bem." ela disse e deu a volta no carro até a porta do passageiro. Sabia que Hilo não lhe devolveria as chaves "Vamos a isso".
"Não vai ser tão ruim" Hilo comentou antes de deixarem o estacionamento "Ela não fez bolo de carne".
Apesar da tentativa de Hilo de tentar animá-la – Norah odiava o bolo de carne da mãe – estremeceu com a imagem do monte de consistência intragável e quase queimado que estaria esperando sua chegada, junto ao esfregar de pelos de Fluffy, o gato que a mãe arranjara para "suprir a ausência das filhas".
Ela abriu espaço entre as linhas de crochê e revistas de moda no balcão da cozinha para a própria confusão de pensamentos e a preocupação que sempre se instalava no peito assim que saía do hospital. Observou a irmã de costas para ela esquentando o prato dela. No fim, realmente não era bolo de carne.
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[CONTOS] histórias engarrafadas
ContoUma série qualquer de contos independentes, que assim como o título diz são garrafas lançadas em um oceano feito de tantas outras histórias a serem descobertas no Wattpad. Histórias que esperam serem encontradas e feitas das palavras de um coração e...