Um Começo Qualquer: O Bar no Encontro das Ruas

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Oh, bem, imagine

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Oh, bem, imagine...

O compasso ritmado das suas passadas fazendo melodias desprenderem-se da calçada cinzenta pintada de constelações; enquanto as travessas lufadas de versos embaraçam os fios do seu cabelo. Você parece ter pressa [ou talvez ande calmamente] ao encontro inconsciente com o Acaso.

Nos ângulos perpendiculares do Bulevar de Sonhos Quebrados de Green Day com a Rua da Fantasia, entra no foco das suas íris uma atarracada estrutura de tijolos, espremida entre variantes histórias. Um bar qualquer, que muitas vezes passa despercebido.

Talvez você tenha a placa de letras rebuscadas anotada em um pedaço de papel esquecido no bolso, convite casual de um amigo. Talvez não seja sua primeira visita, mas isso não vem ao caso.

Talvez seja uma obra da aleatoriedade, tendo o encontrado ao vagar no alento das ruas pavimentadas de imaginação. Talvez tenha sido simplesmente uma sequência de direções [duas esquerdas e uma direita após virar outra esquina] que tenham te levado até ali.

Talvez fossem todas as possibilidades, efetuadas em diferentes universos alternativos. Talvez não fosse nenhuma delas.

Em qualquer das hipóteses, seus passos traçam destino além da porta do estabelecimento.

O tilintar do sino, arauto metálico, anuncia a sua chegada, em sincronia ao surgimento de uma garota atrás do balcão. Você a observa soltar um leve suspiro e ajeitar nervosamente a camisa cinzenta antes de puxar um sorriso timidamente desconcertado para dançar em suas feições.

Você caminha em trilhar lento de sinfonias na direção as cadeiras pinceladas de verniz, acomodadas como peças de dama sob os excessos do balcão.

Seus olhos vagueiam pelo perímetro, absorvendo a atmosfera mal iluminada de um universo interno compacto entre quatro paredes.

Você se demora pela extensão das sombras que projetam fronteiras com a luz das variadas lâmpadas suspensas no teto por longos fios. Aventura-se em escalada de degraus verticais entre estantes para admirar as histórias preservadas nas prateleiras mais altas.

Depois desliza por sobre o balcão, limpo pela barista, em minimalismo. Mas não sem antes capturar, em um dos cantos, o vislumbre de um jornal, largado aos descuidos do tempo, que anuncia a condenação de uma borboleta acusada de ser a causadora dos furacões que assolaram o Japão na semana passada.

Onde já se viu criaturas tão pequenas causarem tamanhos estragos?

Bem, aquele universo, tão semelhante ao que guarda internamente, é regido pela Teoria do Caos. Efeito que dita aos pequenos acontecimentos consequências devastadoras.

"O que vai pedir?" o timbre baixo da barista lhe abstrai de seus devaneios. Você volta-se para o balcão, deslizando por um dos assentos.

"Hm..." balbucia, sem saber por surpresa, indecisão ou não ter reparado no cardápio.

Ela sorri em desajeito, apontando para um quadro negro sobre o ombro. Com margens floreadas e letras delicadas, o menu decora o espaço entre prateleiras de garrafas. Seus olhos percorrem títulos, trilham espaços pontilhados e doses, mas não se decidem. Por fim, você dá de ombros, dizendo:


"O que você indica?"

A barista morde o lábio inferior, apreensiva, antes de virar-se na direção das histórias líquidas. Você observa os pequenos dedos dela passearem pelos rótulos e virarem delicadas etiquetas enlaçadas aos gargalos até envolverem a silhueta de uma.

Ela pousa a garrafa na sua frente com um pequeno estalido, acompanhada por um copo de vidro.

"Aliás" você diz ao ser tomado pela realização de um pequeno detalhe. "Não é ilegal o comércio de bebidas para e/ou por menores de idade?"

"Não são alcoólicas" a barista responde prontamente. "O único perigo aqui é embriagar-se em alucinação de histórias e confusão de palavras."

Você assente, ao compasso que ela liberta as melodias sem rima aprisionadas em paredes de vidro.

Espera que o líquido transborde sussurros no copo em sua frente. Porém, qualquer que fosse a história líquida presente, foge pelo afunilar das curvas da garrafa. Condensadas em uma pesada nuvem de tempestade, pairando acima das fronteiras de vidro.

A barista timidamente retira-se aos bastidores, entrelaçando uma dança entre as suas feições e os fenômenos naturais particulares da história engarrafada.

Um trovejar abala sua alma em alvoroço, como um soluço sufocado antes que a nuvem se desmanche em dilúvio. Observa o líquido condensado deslizar em pequenas gotas de sentir cristalino, contornando caminhos pelo copo como lágrimas em um rosto.

Maresia rosácea rabiscada a caneta inebria seus sentidos. Um pequeno universo tinge-se ao seu redor no contraste de nascer e pôr do Sol, envolvendo-lhe em lembrança das marés. Os murmúrios das mensagens perdidas do Acaso.

Um quebra cabeça de cenas embaralha-se em confusão rodopiante de tempo e espaço na companhia de versos de melodias aos pedaços, em meio a caos soberano. Arquitetam-se castelos de palavras. Desmancham-se corações partidos pelas ondas. Encaixam-se infinitos particulares em palco shakespeariano.

Quando sua atenção volta-se novamente à atendente, ela lança mais um dos seus sorrisos tímidos. Ajeita uma mecha da franja revolta que insiste em deslizar do refúgio atrás das orelhas. Ensaia alguns passos coroados pelas frases rabiscadas em nuvens de céu meio cinzento dos tênis que calça. E assim, parte para desenhar em desastre pelas mesas onde poucas pessoas, cujas faces são (des.) conhecidas, se espalham, deixando-lhe com seus pensamentos.

Você traça rotas elípticas pelo copo de líquido marítimo de poesia estrelada. Colateralmente, ele se agita, tempestuoso, e arranca algumas notas sem melodia da madeira.

Em dueto de tamborilar de dedos por lembranças arbóreas e falhas de desempenho harmônico, você pondera se deveria tomar a primeira dose de palavras embaraçadas ou deixar o tímido bar sem muita exaltação.

Talvez você fique por algumas doses depois dessa. Talvez tenha que partir antes de terminá-la, deixando um copo pela metade como memória de sua presença, porque a vida real lhe chama.

Talvez deixe esse começo aqui mesmo, figurado em palavras silenciadas. Talvez faça daqui sua morada temporária até que o estabelecimento feche as portas no raiar do dia. Talvez já tenha ido.

Seja qual for sua decisão, saiba que sempre será bem vindo nesse bar qualquer no encontro das ruas, de codinome Garrafas ao Acaso.

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