COM O FINAL DA PRIMAVERA já anunciando sua chegada, as saídas furtivas de Carter pela manhã eram marcadas pontualmente ás 5 horas. Ele deixou o apartamento o mais silenciosamente que pôde, levando consigo apenas as chaves e o telefone no bolso. Girou a chave na fechadura, ouvindo o estrondoso click ressoar pelo corredor vazio.
Ele arregalou de olhos e encolheu de ombros instintivamente. Praguejou baixinho, amaldiçoando-se por não ter se lembrado de dar um jeito naquela porta na semana passada. Carter esperou por alguns instantes, imaginando o momento em que a porta do apartamento vizinho se abriria. Mentalmente preparou-se para discorrer um pedido de desculpas aos resmungos mal-humorados do Senhor Jerkins. Para sua surpresa, no entanto, nada aconteceu.
Carter soltou um suspiro que nem percebera estar segurando e girou os calcanhares, caminhando em direção à escadaria de emergência, em razão da falta de funcionamento do velho elevador.
[...]
Caminhando de costas, Carter observou o oceano carregar todos os resquícios das suas pegadas sobre a areia molhada. Nas periferias dos olhos claros, os primeiros raios de sol surgiam timidamente no horizonte, colorindo aos poucos o céu.
Ele deixou que o ar se libertasse dos seus pulmões, caçadores incessantes de oxigênio, na forma quase graciosa de um suspiro. Nunca se cansava de admirar o colorir dos céus à medida que se despedia da noite.
Ensaiou mais alguns passos antes de dar fim a sua pequena caminhada e, assim, acomodar-se para o espetáculo que se desenrolava na frente dos seus olhos. A maresia fazia cócegas em seu nariz e bagunçava os fios escuros do seu cabelo. Os olhos dançaram pelo nascer do sol como um admirador de obras de arte incompreensivas, carregando certa melancolia nas íris castanhas.
Tendo sua imensidão desbravada por fulgor e calosidade dos raios de luz, o céu trocava suas cores escuras, reservadas para o que era secreto e intimo, transformando-se em um azul claro vibrante. Da mesma forma, as delicadas pinceladas de nuvens eram tingidas por tons indescritíveis feitos na mistura suave de rosa, laranja e leves toques de dourado.
Quando o azul celestial retomou seu domínio sobre os céus, os devidos aplausos das ondas sobre as rochas deram final ao espetáculo. Carter, então, se voltou para o oceano. Fitou as idas e vindas marítimas, pensativo, desejando que o embaraço caótico dos seus sentimentos pudesse ser levado junto às águas agitadas.
O estômago contorcia-se em acrobacias circenses com a ansiedade à medida que as cartas de admissão para faculdade anunciavam sua eminente chegada. Na boca, ainda sentia o amargor da frustração de não saber como continuar a história de Julyeta e Ra-mux. Estava em um impasse.
A história era uma releitura do clássico Romeu e Julieta no espaço e, por mais que gostaria de manter-se fiel a trama original, a morte dos personagens, dos seus personagens, era um desafio. Ao contrário do Romeu e Julieta de Verona, a morte de Julyeta e Ra-mux não teria como consequência uma era de paz entre duas famílias.
VOCÊ ESTÁ LENDO
[CONTOS] histórias engarrafadas
NouvellesUma série qualquer de contos independentes, que assim como o título diz são garrafas lançadas em um oceano feito de tantas outras histórias a serem descobertas no Wattpad. Histórias que esperam serem encontradas e feitas das palavras de um coração e...