Cap 19

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Makaila Narrando:

Tento abrir os olhos, mas a claridade intensa me atinge como uma facada, doendo tanto que parece atravessar a minha mente. O direito não se abre completamente, e o esquerdo está completamente vedado. A sensação de estar presa em um pesadelo só aumenta, e o desespero toma conta de mim. O que ele fez comigo? As lembranças começam a surgir em fragmentos, como um filme distorcido que se recusa a parar.

As lágrimas começam a escorregar pelo meu rosto, queimando a pele ferida. O desespero me envolve como um manto pesado, e eu grito, uma súplica involuntária que ecoa pela sala:

— NÃO!

O grito parece atravessar as paredes, e a porta se abre abruptamente. Dois vultos entram na sala, suas figuras desenhadas contra a luz intensa. O som de suas vozes me chega como se estivessem distantes, uma melodia desconexa que se recusa a fazer sentido.

— Você se sente bem? — pergunta um deles, sua voz grossa cortando o silêncio pesado. Um lampejo azul chama minha atenção, mas logo a dor e a confusão voltam a se abater sobre mim. Então, sinto o abraço familiar, o cheiro doce da minha melhor amiga e irmã, Leila, que me envolve e parece me ancorar em meio à tempestade.

— Acho que ela ainda está em choque. Vou chamar o médico. — A voz que se afasta me causa um arrepio, como um toque gélido que me lembra da presença do monstro que me pôs aqui. O medo e a raiva dançam em um balé caótico dentro de mim.

— Ai, minha amiga, o que ele fez com você? — Leila me abraça com força, e uma nova onda de dor nas costelas me faz gemer. O calor do corpo dela é reconfortante, mas a dor que sinto é uma lembrança constante do que eu passei. O medo de perder tudo que amo volta a me assolar.

— Onde está o JP? — pergunto, a voz embargada pelo choro e pela dor. O meu coração aperta, uma parte de mim precisa saber se ele está bem, se ainda se importa, se ainda está lutando por mim.

— Ele não pode vi... — Leila começa a responder, mas sua voz se interrompe ao perceber algo. Um novo vulto entra na sala.

— Estou vendo que a paciente resolveu acordar. Eu sou a doutora Mariana. — Uma luz intensa surge à minha frente, e eu a encaro, tentando focar em sua figura. A presença dela é firme, e eu sinto uma mistura de alívio e medo. — Você chegou aqui com costelas fraturadas e muitos cortes na cara. Se não fosse pela nossa intervenção, talvez você nem estivesse aqui.

As lágrimas continuam a rolar, quentes e salgadas. Por que ele só me machuca? Por que não posso ser feliz? As perguntas ecoam na minha mente como um mantra desesperado. O pensamento de Sofia me atinge como um golpe, e eu me pergunto se ela está bem, se sabe que estou aqui. Um nó se forma na minha garganta, e a ansiedade me consome.

— Quando posso sair? Preciso cuidar da minha filha. — A pergunta sai quase como um sussurro, enquanto a doutora se afasta, permitindo-me abrir os olhos lentamente. A dor persiste, mas eu sinto uma pequena esperança começando a florescer.

— Você não pode sair ainda, mas sua filha poderá vir aqui vê-la. — A doutora é uma mulher de pele morena, aparentando ter por volta de 50 anos, com óculos que lhe conferem um ar sério e experiente. A sua presença é tranquilizadora, mas a urgência da minha situação pesa sobre mim.

— Claro, eu trago a Sofia amanhã. — Leila se aproxima novamente, seus olhos brilhando com preocupação genuína. A conexão que temos sempre foi forte, mas agora parece ainda mais intensa, como se pudéssemos sentir a dor uma da outra.

— Mas mesmo assim, isto tudo aqui parece muito caro. E o JP arriscou tudo para me trazer aqui! — Tento me levantar, mas a tentativa falha miseravelmente. A dor nas minhas costelas é uma lembrança constante de que não estou a salvo, de que ainda estou presa a essa realidade dolorosa. A ideia de ter alguém que se importa tanto com meu bem-estar me faz querer lutar, mas a fraqueza do meu corpo me lembra que não estou pronta.

— O JP não saiu do carro. Ele chorava ao ver o menor pegá-la e trazer você para dentro. Aqui, o menor encontrou um amigo que ajudou a levá-la para a maca. — A voz de Leila é suave, mas a lembrança do que aconteceu me assombra, e sinto uma pontada de culpa por preocupar tanto os que me amam.

— Era o dono daquela voz que estava aqui quando acordei? — A curiosidade me impulsiona a perguntar, uma necessidade quase urgente de expressar minha gratidão. Preciso saber quem me salvou, quem me tirou do abismo.

— Sim, ele me perguntou quem tinha feito isso com você. Eu disse que foram assaltantes, mas ele ficou desconfiado. Depois você foi levada pelos médicos, e eu não o vi mais até que a doutora veio me avisar. — O jeito que ela fala me faz sentir um pouco mais leve, e uma risada suave escapa da minha boca, embora a dor ainda me consuma.

— Você é impossível, Leila! Talvez eu deva procurar esse menino para agradecer. Na verdade, só consigo ver você desfocada. — A afirmação é quase um lamento, e as lágrimas voltam a brotar. A ideia de deixar algo em aberto me consome; preciso reconhecer quem me ajudou.

— Não chore, amiga. Logo estaremos de volta em casa. — O abraço dela é mais suave agora, como se estivesse tentando não me machucar mais. Mas a lembrança do que aconteceu ainda me assombra, e a realidade do que vivenciei me prende.

— Eu não quero morar mais lá. — A afirmação sai antes que eu consiga pensar, e o olhar de Leila reflete surpresa, um reflexo da minha própria incredulidade. É como se um peso imenso tivesse sido levantado dos meus ombros ao declarar o que realmente sinto.

— Tu também disseste que queria voltar para os EUA. Talvez seja melhor voltarmos.

— Está bem, mas depois resolvemos isso. Agora descansa. — Ela me acaricia o cabelo, e as palavras dela me embalam em um sono tranquilo. Enquanto durmo, uma certeza se instala em meu coração: eu sei exatamente o que quero para a minha vida e, com certeza, o Alemão não faz mais parte dos meus planos.

Enquanto a escuridão me envolve, um pensamento me conforta: a dor não é eterna. A cada novo amanhecer, há a esperança de um recomeço. E eu estou pronta para lutar por isso.


De dois Mundos (antigo No morro sendo reescrito )Onde histórias criam vida. Descubra agora