Morte de mãe é coisa séria, porém mais sério que morte de mãe é o que pode acontecer num velório.
A minha mãe tinha acabado de morrer e eu estava na fila para registrar o óbito. Fila pra registrar óbito, e no sol, só no município que moro. Estava ali curtindo meu banho de sol, quando meu celular tocou, era minha prima:
—Paulinho eu já soube. Ta precisando de alguma coisa?
—Não. Fica tranquila, pois já resolvi tudo. Fui lá reconheci o corpo, contratei os ritos fúnebres, a capela, ajudei o papa defunto a tirá-la da gaveta, ajudei a vesti-la, colocamos no caixão e ela já seguiu para a capela onde será velada.
—A titia foi sozinha?
Fiquei imaginando por alguns segundos o que ela queria que fosse feito e respondi.
—Fica tranquila que a mamãe prometeu que vai ficar me esperando e não vai conversar com ninguém.
Ela desligou o telefone.
Fiz o que tinha que fazer e fui pra capela. Depois de alguns minutos começaram a chegar as pessoas. Nesse instante entrou uma velhinha que ao se aproximar de mim entrou em choro compulsivo.
Primeiro pensei: "Será que é a namorada de mamãe?" Sei lá se a véia no final da vida resolveu mudar de time. Colar um velcro básico. Pelo jeito não era isso. A velha não parava de chorar e não me restou outra coisa senão acalmá-la. Pedi água com açúcar e enquanto ela bebia, eu pensei: "Melhor ela melhorar, porque a capela é pequena e se ela morrer aqui o cachão dela vai ter que ficar na vertical porque não tem espaço". Por fim, ela se acalmou e veio para perto do caixão. Começou a olhar pra minha mãe e pra mim. Fez isso várias vezes antes de soltar a pérola.
—Ela ta sem dentadura!
Fiquei imaginando pra que minha mãe ia precisar de dentadura no cemitério e depois respondi.
—Que bom que a senhora notou. Estava pensando em levar a véia numa churrascaria antes de enterrá-la, mas sem dentes ela num vai aproveitar o churrasco.
A anciã me olhou de cara feia e foi sentar num banco próximo.
Não levou muito tempo meu celular tocou:
—Piririnpororoin, Piririnpororoin, Panesi é fulano, meus pêsames.
—Fulano é pêsames mesmo, pois além da minha mãe estar morta, ainda vou ter que pagar sua ligação a cobrar.
Ele desligou.
Passou mais algum tempo e entrou um magrinho, que soube depois que era amigo de outra prima. Ele veio na minha direção para me dar os cumprimentos e quando eu estiquei a mão, ele quase arrancou o meu braço fora. Tive que fazer força para ele parar de sacudir a minha mão. Não contente, ao invés de sentar-se, ficou ao lado do caixão. Imaginei: " lá vem coisa." Ele depois de muito tempo inclinando a mão em direção a minha mãe e levantando-a em direção aos céus num cerimonial estranho, virou-se na minha direção e disse quase aos gritos:
—Como ela está calma!
Pensei (logo depois do susto que tomei com o grito): " mais um maluco no velório. " E imediatamente respondi em alto e bom som:
—Graças a Deus meu caro, porque se ela ficar nervosa aí dentro do caixão o primeiro a correr serei eu. Realiza, ela nervosa e aos gritos: "Vamos logo. Quero ser logo enterrada".
Ele se afastou sem falar mais nada.
Passou o tempo e chegou a hora dos ritos finais. Como tenho amigos católicos, evangélicos e espíritas (tenho até alguns que são as três coisas ao mesmo tempo), não deixei que ninguém tomasse a frente. Até porque seria um furdúncio. Novena do lado direito, culto do lado esquerdo e meia dúzia batendo uma curimba nos pés do caixão. Rezei a única oração que era comum a todos e fiquei algum tempo parado prestando minhas últimas homenagens.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Histórias que Ninguém Conta
HumorOs textos contidos na obra são a forma do autor ver com bom humor as mais variadas passagens por ele observadas. O trabalho não tem como objetivo arrancar gargalhadas, mas antes de tudo tirar sorrisos e transformar momentos de leitura em algo leve...