O Natal do meu amigo Sigmund foi Freud. Isto é, não foi nada comum.
Sigmund, como todo bom brasileiro, resolveu fazer suas compras de natal logo na noite do dia 24, isso para não perder a prática. Começou enfrentando um engarrafamento humano dentro das lojas. Tomou duas pisadas no pé direito, o do joanete, logo ao entrar em uma das lojas. Um de uma magrinha de 180 kg e outro de uma modelo com salto Luiz XV. Ia comprar presente para a patroa, pros barrigudinhos e até para dona Eleucrácia, sogra dele. Começou a pegar as coisas. Um espartilho para a patroa, não que a Inácia fosse ficar parecida com a Demi Moore, mas não custava nada fantasiar, afinal era noite de natal. Comprou um carrinho de pilha pro Junior, filho de pobre sempre tem que se chamar Junior. Uma boneca Barbie para a Inacinha e um seguro funeral para dona Eleucrácia, afinal, ele estava pensando no futuro. Tudo colocado no carrinho da loja com o maior cuidado.
Compra feita, foi em direção ao caixa para efetuar o pagamento. Com tanto caixa no estabelecimento, ele tinha logo que entrar no caixa preferencial de idosos, gestantes, pessoa com crianças menores de cinco anos, portadores de necessidades especiais, marcianos, descendentes do ET de Varginha, participantes de tribos (hemos, skinheads, góticos, transexuais, etc.). Afinal de contas, o que poderia dar errado só por estar numa fila preferencial? Foi aí que começou a epopéia do Sigmund.
Esperou na fila quase mais de três horas, até que chegou sua vez. Quando ele ia dispor as mercadorias no balcão do caixa, olhou para trás e viu um casal com seis crianças no colo. Cada um tinha duas nos braços e uma agarrada no pescoço por cima dos ombros. Não restava outra coisa a fazer senão ceder o lugar. Logo depois, apareceu um homem e foi logo dizendo:
—Posso passar a frente, é que tenho mais de 65 anos e to constrangido com esse monte de vibradores no carrinho.
Meu amigo imediatamente cedeu a vez e foi aí que tudo começou. Tinham três mulheres atrás, a mais velha tinha idade para ter sido sogra de Adão. Pois essa jovem senhora foi logo dizendo aos berros.
—Para comprar pouca vergonha não tem idade, mas para passar na frente dos outros tem.
Meu amigo tentou acalmar dizendo que ele tinha mais de sessenta e cinco anos e os vibradores podiam nem ser para ele, e além do mais era um direito dele. Aí, a outra mulher do grupo rebateu.
—Se for assim, tô embuchada. Fui abduzida e um ET com cara de golfinho me embarrigou. Tenho direito duas vezes, além de estar prenhe, ainda tenho um ET na barriga.
Sigmund pensou: "ela foi abduzida ou fez parte da lenda do boto rosa"?
As três começaram a se estressar de vez e toca a falar palavrões. Alguns outros clientes tomaram partido a favor do meu amigo, o que piorou a situação. Virou fila do caixa das baixarias. No final, nem elas se entendiam mais com elas mesmas. A segurança veio e tirou o Sigmund do caixa, colocando-o no final de outra fila. Como não estava a fim de se estressar ele aceitou numa boa.
Na outra fila, ficou atrás de um gago e fanho que começou a conversar com ele. Não dava para entender nada e o pior é que o cara, as vezes engasgava na palavra e dava um desespero danado.
Não tinha mais nada para acontecer. Engano do meu amigo.
A loja começou a fechar, o que não seria nenhum problema, afinal ele já estava na fila e teria que ser atendido. Fila lenta, levou mais uma hora até que ele voltasse a se aproximar do caixa. A loja já quase totalmente vazia, afinal todos queriam ir embora, era véspera de Natal. Quando faltavam umas quatro pessoas para ser atendidas, Sigmund sentiu um calafrio vindo lá da zona sul. O calafrio fazia contrações em espiral, fazendo o ato de ter dor de dentes apenas um frisson. Não ia dar para segurar a cavalaria, ele precisava urgentemente ir ao banheiro. Pediu então para a pessoa que estava atrás para segurar a vaga dele. Nem sei para que ele fez isso já que era o penúltimo da fila. Saiu correndo, só dando tempo de chegar ao banheiro da loja. O alívio não foi imediato porque era uma tempestade composta e não uma simples. Ele demorou a se aliviar, mais ou menos, uma meia hora e quando saiu do banheiro notou que alguma coisa estava estranha, a loja estava escura e não tinha mais ninguém. Ele pensou: "Como vou fazer agora para sair daqui"? Notou que tinha um janelão lateral no primeiro andar, seção de sexshop e não pensou duas vezes, abriu a janela e começou a descer pelo lado de fora. O que ele não podia imaginar é que a loja tinha alarme e não demorou muito para um monte de viaturas da polícia chegarem. Ainda pegaram o Sigmund dependurado na janela tentando descer. O policial não pensou duas vezes, deu um puxão nele pelas pernas e falou:
—O que você pensa que esta fazendo?
Meu amigo com cara de idiota:
—Tava tentando entrar para devolver os presentes.
Não colou. Ele passou o Natal na cadeia cantando noite feliz com um monte de vagabundos, desocupados, bandidos e até com um anão tarado.
FELIZ NATAL A TODOS
FIM
ATÉ O PRÓXIMO LIVRO.
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Histórias que Ninguém Conta
HumorOs textos contidos na obra são a forma do autor ver com bom humor as mais variadas passagens por ele observadas. O trabalho não tem como objetivo arrancar gargalhadas, mas antes de tudo tirar sorrisos e transformar momentos de leitura em algo leve...