PACIENTE

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Descobri da forma mais dura o significado da palavra paciente usado pela área de saúde.

Outro dia precisei dos serviços do UPA (Ui, Pior Agora, ou Unidade Para Atormentar, ou ainda Use Por Acaso) aqui de perto de casa. Pasmem, seria cômico se não fosse trágico.

Cheguei por volta da 13:00 horas com dores abdominais, desconforto na garganta e tosse seca. Fui imediatamente para triagem, pensei: "Estou em outro país e nem notei!" Ledo engano, a eficiência parou ali, pois fiquei mais de cinco horas para ser atendido. Não, sem antes ameaçar chamar a polícia. Bobinhos, acreditaram. Mesmo que eu chamasse a polícia, conseguindo falar com o 190 (inverossímil), eles levariam pelo menos uns três dias para chegar, isso se achassem o UPA. Cheguei com um sintoma e agora além dos que tinha chegado, ainda estava com dor no corpo, bunda amassada e dor de cabeça. Enfim, entrei para o consultório médico.

Mais uma vez fui enganado pela visão, duas médicas. Não era crível. Só que mesmo com duas médicas, levou mais de meia hora para que uma delas se dignasse a me dirigir a palavra. Abaixo transcrevo a conversa:

—O senhor está doente?

Tive vontade de responder que não, e que só comparecia ao UPA e ficava esperando por seis horas por carência. Além de frequentar filas de banco e quando não tinha fila, eu mesmo formava uma, só por distração.

—Sim senhora.

Ela ficou olhando o monitor que estava acima da mesa por algum tempo e depois se virando para a outra colega que atendia outro paciente falou:

—É dengue.

Fiquei pasmo e interrompi:

—Eu não tenho sintoma de dengue.

—O senhor não está com dor no corpo?

—Não senhora. Estou com dores abdominais, garganta incomodando e tosse insistente.

Nesse instante eu tossi e no mesmo instante a outra médica, que assistia a tudo, falou:

—Pneumonia.

—Pneumonia, eu? Mas a tosse é seca e meu pulmão está limpo.

A médica que estava à frente do monitor emendou:

—Bronquite.

Meu Deus! Eu pensei que estava em um consultório médico, mas depois dessa afirmativa e vendo as duas de branco tinha certeza que me enganei, era um centro espírita. Eu estava em uma típica seção de vidência.

—Doutora eu nunca sofri de bronquite. Não sou alérgico nem a médica.

—O senhor informou que usou Berotec e Atrovent, remédios típicos para tratar bronquite.

—Tenho três filhos e um deles tem bronquite alérgica e tenho o remédio em casa para tratá-lo quando necessário.

E continuei:

—Sou de um tempo que as médicas antes de dar um diagnóstico, auscultavam o paciente. Tipo, fale 33, abra a boca , expire, inspire. Etc.

—O senhor é médico?

Falou isso fazendo cara de gosto ruim.

—Não senhora. Sou culto.

Quase que a médica teve um infarto, chegou a se estremelicar com o toco. Mas valeu, pois ela veio me auscultar.

—O senhor está com os pulmões limpos. Abra a boca e fale ahhhhhhhh.

Executei o que me foi pedido.

Após ter olhado minha garganta, a uma distância superior a trocentos metros, ela ficou me olhando com olhar de Einstein e proferiu:

—Fique tranquilo, sua glote está quase fechada, mas não é nada demais.

Quase caí da cadeira. Ela estava dizendo que a passagem de ar poderia ser totalmente bloqueada, mas que isso não era nada demais.

—Doutora a senhora tem noção do que acabou de dizer? Se a glote fechar eu morro. Nem traqueotomia me salva (tive vontade de falar vasectomia, mas pensei, vai que elas resolvem fazer).

—O senhor é muito impressionado. Vou lhe passar o medicamento.

E me olhando com total condescendência como se fosse uma semideusa proferiu:

—Isso é só uma virose.

Depois que inventaram a virose ficou fácil ser médico. Você pode chegar com fratura exposta, que se ele não souber o que é, basta fazer cara de gênio e dizer: É só uma virose!

Fiquei observando ela preencher a receita e mais uma vez fiquei pasmo.

—Eu estou com a garganta infeccionada e a senhora está prescrevendo diclofenaco de (remédio típico para inflamações brandas da via área) de potássio?

Ela mais uma vez me olhou com olhar de semideusa e condescendentemente falou:

—Tô achando que realmente o senhor quer ser médico. Estou prescrevendo uma benzetacil, que o senhor tomará aqui no UPA. Parece que o senhor gosta de adivinhar.

—Só estou seguindo os passos da senhora e da sua colega, mas sem a competência de ambas.

Ela fechou a cara peguei a receita e saí:

Fui primeiro a farmácia para pegar o diclofenaco. Estava prescrito 10 dias, 3 comprimidos ao dia. Total de 30 comprimidos. Entreguei a receita na farmácia e depois de algum tempo o farmacêutico me apareceu com 4 comprimidos. Não me contive e falei.

—O senhor tem certeza que essa quantidade não vai fazer falta para outro paciente?

Ele sem entender nada:

—O senhor pode levar tranquilo que temos quantidade suficiente para todos.

Peguei meus 4 comprimidos e fui em direção a área de enfermagem para tomar a injeção. Quando cheguei, uma obesa enfermeira após pegar a receita e ler, perguntou:

—O senhor vai tomar injeção?

—Não senhora. Coloca um whisky duplo com soda e uma rodela de limão.

Ela riu:

—O senhor é muito engraçado. Vai tomar a injeção onde?

—Pensei em tomar na igreja na frente de todos os fiéis e ao terminar gritar em jubilo Aleluiaaaaaaaaaaa..

—O senhor é mesmo bem humorado. Quero saber em que braço.

Mal sabia ela que eu estava era p.....da vida e ela ainda queria me aplicar benzetacil no braço! Repeti sua última palavra.

—Braço?

—O senhor prefere aplicar em outro lugar?

Não pude conter.

—A senhora prefere na sua bunda ou na minha?

Ela vociferou aos risos:

-Que horror!

Ela deu um leve sorriso e continuou:

—Melhor fechar a porta.

—Também acho. Iríamos assustar o povo que passasse com minha bunda branca à mostra a senhora não acha?

Ela fechou a porta e aplicou a injeção. Tive que conviver com mais esse constrangimento, me despedi e fui embora.

Agora estou ciente, porque chamam de paciente e concordo plenamente. Haja paciência.

Histórias que Ninguém ContaOnde histórias criam vida. Descubra agora