O ENCALHADO 3

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Lembram-se do Hilário, primo do seu Carlos? Pois é, encontrei-o à saída da farmácia com sua famosa Suzuki 100 cc toda incrementada, que ele usava para o serviço de moto táxi.

—Bom dia Hilário. Você está doente?

Ele deu um sorriso daqueles que só se vê em quem ganhou na mega sena sozinho e falou:

—Eu vendo saúde seu Paulo. É hoje! Depois de mais de nem sei quanto tempo é hoje que vou salgar o periquito, que vou dar calor na trosóba, que vou acalmar o atormentado, que vou afogar o ganso, que vou colocar o pinto para brigar com a aranha. Já comprei até brilhantina para passar no cabelo, água de cheiro para perfumar o cangote e destifricio para dar um brilho nos dentes. É hoje.

Ele estava falando em um dialeto que eu conhecia muito pouco, mas se eu não estivesse enganado, o que ele estava querendo dizer é que, enfim, ele tinha arrumado uma namorada.

—Vai namorar Hilário?

Ele começou a rir descompassadamente, sem parar se sacolejando de um lado pro outro e fazendo um som quase gutural, mais parecendo um acesso de tosse com soluço e riso ao mesmo tempo, e quando conseguiu parar, falou:

—Seu Paulo, eu conheci uma gatinha num site de relacionamento. Ela se chama Valeska de Capri. Vi as fotos. Uma lindura. Parece uma princesa.

Na mesma hora pensei. Esse nome me parece meio estranho, mas preferi não acabar com as expectativas levantando suspeitas sobre o nome da "lindura" do Hilário.

—Lindo nome. Mora onde essa "princesa"?

—Com umas amigas na Rua Augusto Severo, ali na Lapa.

Imediatamente meu instinto alertou para o prenuncio de desastre. Valeska de Capri, morando na Lapa, não podia ser boa coisa. Preferi ficar calado para não estragar a alegria alheia. Mas algo me dizia que alegria de hilário dura pouco.

—Seu Paulo, a mulher é quente. Nem dei boa noite e ela foi logo me chamando na xinxa.

—O que é xinxa hilário?

—No reservado do chat.

Antes de continuar a falar me mostrou uma tabua de carne pequena que levava nas mãos.

—Já estou me preparando. Como na conversa ela falou que gostava de apanhar no popozão e eu não consegui achar uma palmatória to levando um substituto.

Não consegui deixar de demonstrar toda minha surpresa.

—Você vai bater na B... dela com uma tabua de carne?

—Fica tranquilo seu Paulo pois na conversa ela disse que adorava apanhar de palmatória. Como não achei vai tabua de carne mesmo. Além de ser das pequenas, o vendedor disse que podia usar a vontade que nem quebrava e nem soltava farpas. Ela vai ficar com o popozão dormente e macio.

Emendei:

—Inchado e vermelho também.

Ele riu e continuou:

—Ela também disse que gostava de coisas grandes e brinquedinhos eróticos. Num pensei duas vezes, comprei um cone pequeno da CET Rio e mandei o Manduca da oficina do Jaiminho instalar um motorzinho de limpador de para brisa ligado a uma bateria de caminhão para poder vibrar bastante.

—Você vai levar essas coisas pro encontro?

—Lógico. A motinha tem bagageiro.

Sorriu e continuou:

—Como ela falou que gostava de umas coisinhas diferentes e disse que podíamos ser criativos, tipo misturar algumas coisas de comer na hora de "coisar", eu também estou levando uns mimos.

Dessa vez eu é que acabei rindo e falei:

—Você está se superando Hilário. Já sei, comprou Nutella, leite moça, uns moranguinhos. Acertei?

Ele deu uma balançada estranha na cabeça e falou:

—Quase o senhor acertou. Estou levando, rapadura, porque é dura, e umas pimentas malaguetas para colocar lá na "perseguida" e depois pegar com os dentes. To ousado.

Ele terminou de falar e as pimentas doeram em mim, mesmo sem que eu colocasse no local onde ele ia colocá-las lá na Valeska de Capri. Mas fazer o que: "pimenta na "perseguida" dos outros é refresco" e ele emendou:

—To fazendo isso porque ela disse que queria esquentar a relação.

Pensei comigo. Melhor a pimenta do que colocar gasolina e tacar fogo e ele continuou:

—Também to levando a correia do "Major" do seu Thiago e a focinheira também.

Não me contive.

—Para que você está levando a correia e focinheira do cachorro?

—Ela falou que gosta desse negócio de sado maquinista e não posso perder a mulher. Influência desse negócio de 70 tons de preto.

Corrigi:

—Sado masoquista e 50 tons de cinza.

Ele deu um sorriso irônico e falou:

—Não sabia que o senhor também gostava seu Paulo.

Nem deixei continuar:

—Gosto do que Hilário? Tá doido? Só corrigi você.

—Eu sei seu Paulo. Só estou brincando porque estou muito feliz. Hoje vai ter "sequisso". Vou tirar a perereca para dançar, vou dar um tapa na bichana, vou botar a perseguida para ralar, vou adentrar a gruta profunda, vou afundar o coisinha na xavasca. "Sequisso" seu Paulo. "Sequisso"...

Repetindo isso várias vezes, se despediu, subiu na moto e foi embora.

Histórias que Ninguém ContaOnde histórias criam vida. Descubra agora