Capítulo 07- Fogo Contra Fogo

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Foram dias, semanas, algumas estações talvez, mas não sei ao certo. Fazia tempo que meu rosto não encontrava luz. Depois que mamãe se foi nada mais fazia sentido. Poucas vezes me alimentava e quando fazia isso era muito pouco o que comia. O banheiro parecia tão distante e eu levaria uma eternidade para chegar até ele. Me afogava sim, mas nos travesseiros e lençóis. As cartas chegavam e eu não as lia. Vizinhos batiam. Não tinha ninguém em casa, pois por vezes já não me encontrava em meu próprio eu. Era devastador escutar apenas o barulho do mar e sentir que essa água estava inundando tudo que você tinha por dentro. E sabe os pratos? Esses também já não existiam e nas vezes em que resolvia me levantar e por a cara na janela, passava descalço por entre os cacos. Por que nada dava certo em minha vida? Sempre vi pessoas sorrindo e falando de todas as suas conquistas, e como tudo que um dia quis conseguiu, eu não, eu não tenho nada para contar a minha vida toda. Tudo que vivi foi um completo fracasso, tudo, tudo, tudo mentira, ilusões que tive e por fim foram desiludidas. Eu não esperava nada da vida e ela realmente não fazia questão de me dar. Então decidi que faria algo que um dia eu possa contar ou me arrepender. Eu não tinha nada a perder e minha vingança não tinha terminado.

Tomo banho, me arrumo e passo o perfume da minha mãe, não ligava se era feminino ou não. A única coisa que eu não quebrei. Diga que vai ficar, mesmo que minha alma não fique junta. Diga que virá novamente, mesmo que eu não esteja tão atento como antes. Diga que não se importará com minha ausência, mesmo que eu tenha esquecido a sua.

Dirijo pela cidade, fazia tempo que eu não saia, aproveitei para pegar um ar. Dentro de poucos minutos estou eu, parado na frente do colégio, foi a primeira vez que as pessoas notaram minha presença, talvez por pena ou coisa parecida. Olho para minha mochila e coloco nas costas. Precisava dela mais do que nunca hoje. Dentro, tinha algo preciso e eficaz para a minha vingança. Passo andar sem encarar as pessoas, mas noto que elas me encaravam.

"Olha o garoto que perdeu a mãe num incêndio"

Paro quando me deparo com a imagem de Jesse e sua turma, todos sentados na fonte, felizes, rindo. Era para ser eu ali, aqueles eram para serem os meus amigos, a minha vida. Tracy beija Jesse, Zac abraça Fawcett, Selena e Becky conversavam sobre alguma coisa. Tudo voltou a ser como antes. Eu não era ninguém ali e Tracy devia mesmo se conhecer, falou que não se lembraria de mim depois que a vingança passasse. Ele deduziu que passou e cumpriu com o que disse. Era como se eu nunca tivesse existido, para nenhum deles. Era como se eu tivesse me inventado e me aguardado na minha mente. Para mim. E mais ninguém.

Continuo a andar, adentro no colégio, as pessoas tombam em mim enquanto ando, não ligo. Decidi que faria diferente, não obrigaria as pessoas a me notarem, iria fazer que elas me notassem, do acaso.

Nas aulas, os professores não se pronunciaram, nem fizeram a chamada. Passava pela turma de Jesse e eles não riam de mim, não soltavam gracinhas. Como se eu fosse qualquer pessoa na vida deles. E eu era. Não passava de um divertimento, de um brinquedo que eles bagunçam e esquecem num canto. Como podiam fazer isso? Subverter e fingir que nada aconteceu? Que nunca houve algo com que se preocupar, com que se desculpar.

- Eu sinto muito.

Alguém disse enquanto lanchava no corredor que ninguém entrava, ficava num canto do colégio que quase ninguém freqüentava a não ser o senhor da limpeza a cada três meses. As luzes piscavam o tempo todo. Olho para a pessoa. Era Fawcett.

- Sua mãe era uma pessoa muito boa- ela disse.

- É... Ela era- falo.

- Eu lembro que- ela fala, sentando no chão, ao meu lado- quando íamos brincar ela sempre fazia aqueles biscoitos de laranja e chocolate. A gente amava.

Coração Vingativo (RELEITURA)Onde histórias criam vida. Descubra agora