Capítulo Quatro- A Benevolente Mari e Vitoriosa Carly

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Assim como o Frappuccino de Morango do Aquarius Café era popular, Mari era o tanto quanto. Dona de uma voz serena e um corpo ingênuo, a garota aparentava flacidez à primeira vista mas na verdade era uma guerreira após conhecê-la melhor.

Foi num dia de neve que apareceu pela primeira vez, com seu uniforme escolar intacto, perfeitamente passado e vestido, sem um simples defeito ou amassado. Seu enorme cachecol vermelho de tricô cobria todo seu pescoço e sua boca, fazendo a voz da jovem sair abafada quando pediu um café amargo quentíssimo para beber e salvá-la do inverno de três graus celsius. Nesse dia, no primeiro momento em que a vi, eu pensei o quanto frágil aquela garotinha era. Suas bochechas rosadas,olhos puxadinhos  e sua pele pálida à faziam parecer uma boneca kawaii de porcelana. Como se quando caísse ao chão, tudo aquilo se quebraria.

Suas visitas que antes costumavam ser algumas vezes de quarta-feira, se tornaram por um tempo mais recorrente às segundas e quintas também. Mas apesar disso tudo, o nosso único contato era o pedido, a compra, o pagamento e o sorriso agradecido da jovem, que ao som de Corinne Bailey Rae, ou Amy Winehouse, ou Emily Kinney, ou Regina Spektor – ou tantas cantoras donas de belas vozes e maravilhosas músicas – faziam eu ganhar o dia ao receber aquele simples gesto.

Os galhos secos, opacos e cobertos de neve das árvores derreteram, dando lugar à galhos firmes, com flores e muito mais cor, afinal, a primavera chegou! Mas nem todos os dias de primavera tem a presença do sol para alegrar a sua manhã, alguns tem dias de chuva para lavar seu espírito e refrescar a sua alma e outros tem dias de tempestade, para levar todo seu dia e esforço para o brégio.

Naquela tarde chuvosa, Thomas, o gerente do Aquarius Café estava atrasado e mesmo sendo duro para eu admitir, a cafeteria precisava dele para botar ordem no local. Diferente da maioria das suas visitas, Mari não estava acompanhada de seu grupinho de garotas, muito pelo contrário, estava sentada na mesa da janela, comendo um bolo branco de morango ao mesmo tempo que digitava calmamente em seu celular.

Eu poderia definir aquele dia como o começo da minha amizade com Mari, afinal foi naquele dia que ela me notou, e eu deveria estar super feliz por isso. Mas nem todos os começos são motivos para comemorar, e o que eles pressagiam às vezes é mais negro do que imaginamos.

Em frente ao Aquarius ouvimos uma batida e um latino, quando todos os clientes e funcionários curiosos perceberam – obviamente eu estava entre eles – viram apenas um homem de cabelos negros sacudir a pobre cadela de rua inconciente. Esse homem, era Thomas, e Thomas é um covarde, mas tão covarde a ponto de tentar voltar pro carro. Enquanto muitos foram conversar – ou melhor, linchar – Mari cobriu a cadela com sua jaqueta e pôs a cabeça da cadela em suas pernas, sem importar com a chuva a molhando e com o sangue à banhando.

A abelha-rainha do colégio católico da cidade estava lá, acudindo a cachorra e xingando Thomas de palavrões de A a Z. Única coisa que fiz foi abrir um guarda-chuva e as cobrir, ficando ali até a ambulância aparecer e levar a cadela acompanhada de Mari, e depois fazer questão de ver Thomas levar um "chega-pra-lá" do policial que foi chamado pela garota. Neste dia, eu vi o que eu jurava ser frágil ser o oposto do que eu pensava que era. Uma colega de trabalho comentou comigo o quanto Thomas era azarado, me contando o quanto Mari gostava de animais e defendia o direito deles.

Os raios de sol brilharam de logo manhã, entrando em um belo contraste com as flores coloridas das árvores e as cores do amanhecer, e acompanhada de seu grupo de amigas, Mari apareceu acompanhada pela cadela como principal companhia – já recuperada e alegre.
As garotas e a cadela, chamada de Carly ficaram esperando lá fora enquanto Mari adentrou a cafeteria vazia e se debruçou no balcão enquanto me encarava.

"Obrigada" — indagou abrindo um sorriso ladino e estendendo a mão, finalizando o tempo de apenas funcionário e cliente e abrindo o começo para a minha amizade com a jovem benevolente.

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