Capítulo Dezoito- Estraçalhado Oliver Final

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Você não precisa sentar no sofá e ligar a televisão para assistir aquela série recorde de audiência e que dá um show de atuação. Realmente não precisa. Até que porque atuação encontramos em todos os lugares, com as pessoas ao nosso redor. A sociedade usa máscaras e as pessoas só mostram o lado que elas querem. Claro que uma hora o disfarce caí, mas até lá...é tarde demais para salvar o ator do final da sua peça.

P A R T E F I N A L

Eu nunca acreditei em destino. Muito menos em proprositos. Eu acrediva em escolhas, que o seu destino estivesse em suas mãos. Talvez por causa dessa crença pessoal minha, eu fosse mais livre para determinar minhas próprias escolhas. E tudo isso...todo esse aquarius, são frutos das minhas escolhas.

Exatamente por isso que naquela manhã de Dezembro eu tinha levantado com ânimo o suficiente para fazer a diferença no meu dia-a-dia. Acordei com ânimo para dar bom-dia à vida e a esperança.
Abracei meus pais, liguei de manhã para meus avós, mandei mensagens para amigos, e a ultima coisa que se passava na minha mente era o AquariusCafé.com.

Na manhã de dezembro, fria e nublada de um típico sábado outonal, eu abri o café com mais disposição que normalmente. Se algum conhecido me avistasse naquele momento diria que eu estava ficando maluco, e talvez fosse verdade. Não era comum eu acordar como uma verdadeira miss sunshine.

O ponteiro do relógio fazia um tic tac agradável em conjunto com "On The Radio" de Regina Spektor, porém aquele sorriso alavancado murchou ao encontrar Oliver vestindo seu avental beje e sujo de pequenas manchas de café - um contraste bem visual do meu, castanho e extremamente limpo.

"Eu sei que a Mari te contou." – lembro que sua voz saiu falha e exigente.

Eu bufei murcho. Me aproximei o suficiente para segurar a palma de sua mão e virar para cima, em seguida arrancar – talvez um pouco bruto – a faixa branca que como previ, cobria um corte proposital.

"Isso foi à muito tempo." - acalmou sua voz. E esse era o problema, não era à muito tempo.

A cada dia que se passava a família de Oliver ia à falência graças às despesas de seu pai, viciado em bebidas, jogos, drogas e bebidas. Com histórico de violência doméstica contra a falecida mãe de Oliver e uma overdose. Pelas informações de Mari me deu, Oliver já colocou como impecilho que ela nunca, em qualquer situação, nunca abriria a boca e nunca faria nada para ajudá-lo. Ele tinha medo de ser expulso de casa também, então preferia ficar calado. Mas até quando?

As agressões contra ele amenizaram, apenas por passar mais tempo no trabalho do que em casa. Chegava de noite e mais uma linha era traçada na sua pele. Ele se cortava apenas em lugares que dariam para escondê-las. Braço, coxas, pernas, pulsos, barriga, costas, enfim...ele estava estraçalhado. Achava que era culpa sua, que era incapaz. Naquele momento eu só segurei sua mão e garanti no mínimo um minuto de tranquilidade para ele, para mostrar que ele não precisava se sentir sozinho. E na verdade, não precisava estar.


☕️

Com o passar dos dias, eu e Oliver começamos à nos aproximar mais do que antes. De simples "você está bem?" para agora "o que acha de passarmos na livraria no horário de almoço?". E assim aconteceu, devagar e natural. Gostavamos de ir visualizar encardenados de histórias em quadrinhos e vez ou outra ver os lançamentos de ficção científica. Ele lembrava Isaac no gosto por Guerra Nas Estrelas e por Mochileiro Das Galáxias, um contraponto contra mim que sempre preferia as histórias do Batman e os livros de Sherlock Holmes que sempre continham um fato justificável pelo gênero Detective Comics.

Em outras horas também passavamos em fliperamas retrôs para vencer apostas infantis nossas e tinha horas que ele me encontrava vendo o mural do Aquarius desatualizado e ele dizia: "uma hora vai aparecer uma história para você contar novamente"; e eu apenas ria imaginando de qual cliente poderia contar para o próximo capítulo. Mas nunca imaginei que seria de Oliver que eu estaria escrevendo agora.

Naquela época eu tentava o máximo colocar sua cabeça num ponto seguro, eu tentava me tornar seu ponto de segurança. Mas nada adiantava, ele continuava chegando às onze da noite em casa e era espancado até à uma da manhã ou tinha que aturar tudo o que seu pai desagradável dizia, fazia, ou devia. Era seu pai devendo agiotas, barmens, prostitutas, e de outro lado tinha sua avó materna internada em um hospital particular, que querendo ou não, no fundo no fundo, sabiamos que seu final estava chegando. E somando mais despesas da casa e as contas do quarto de hospital, Oliver estava prestes à enlouquecer. Oh pobre Oliver...

Quando menos se esperava o réveillon estava chegando, e com ele era propaganda do Aquarius para lá e para cá com comerciais, links, até brindes de chaveirinhos estavamos dando. Naquele manhã, Oliver estava bebendo café mais do que vendendo, com um sorriso amargo e com um pedaço de gesso no pulso esquerdo. Ele disse simplista: "Ele deslocou o meu pulso, Tobin. Foi longe demais." E sem reação, eu umideci meus lábios e soltei um "porra" discreto.

Mandei uma mensagem naquele dia para Mari, estava na hora de ir à polícia. Por mais que ela tenha concordado, o celular de Oliver tocou e em apenas uma ligação, vi o mundo daquele garoto desmoronar. Seu emitir som, eu consegui entender o que ele quis dizer. Sua avó, a única que ele considerava realmente da sua família, faleceu naquela véspera de insuficiência cardíaca.

Thomas, com aquele seu coração humanitário – leia-se com ironia, por favor – dispensou Oliver de imediato que correu pro hospital enquanto eu fiquei o cobrindo no Aquarius. Meu celular apitava toda hora com mensagens de Mari, chamando à atenção de olhares feios de clientes e de Thomas. Suas mensagens era de desespero em relação à perda de Oliver. Combinamos de encontrá-lo em sua casa quando meu horário de trabalho acabasse e assim foi. Mas na noite de réveillon o que encontramos não foi Oliver e sim polícias, ambulâncias, vizinhos e a casa dele cercada com uma fita laranja, típica de cena de crime.

À mais ou menos uma hora e meia antes de chegarmos, Oliver havia surtado e deu um tiro em seu pai que foi socorrido por uma ambulância no atual momento e logo em seguida, entrado em seu quarto e disparado um tiro em sua própria cabeça. Foram nessas palavras a explicação da polícia com ajuda de depoimentos de vizinhos e pessoas que passavam próximas ao local.

Logo que chegamos, o pai de Oliver foi levado para o hospital para passar por uma cirurgia e Mari não aguentou e apertou à minha mão quando viu o corpo de nosso amigo ser levado às pressas em direção à outra equipe de ambulância em meio aos fogos de ano novo. Um baque e tanto que aos poucos foi sinalizado pelo estouro dos fogos e das imensas batidas do sino da catedral de uma igreja presente pelo quarteirão.

O Aquarius Café.com deseja o maior apoio aos amigos e familiares de Oliver Riggs que sempre será lembrado como o ser humano que ele era e é, eternizado por nossa memória.
-Com meus pêsames, Tobin Grayson.

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