Capítulo Dezenove- Proposta do Interessado Joe

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Se você soubesse como algo terminaria, você teria insistido mesmo assim?
Mesmo que o caminho tenha te feito crescer, tenha te rendido bons momentos, mas no final terminasse de maneira tão trágica, você teria ficado?

No caso de Oliver, eu não tinha resposta. Permaneci em um estado de choque catatônico, onde o tempo não existia de tão lento que se passava. Eu só me lembrava de me apoiar no balcão e olhar pela janela do estabelecimento, onde o mesmo homem passava diariamente.

O vazio no Aquarius era enorme, não sabiamos por onde começar a retomar nosso dia-a-dia ao mesmo tempo que não sabiamos o que dizer uns aos outros após o luto. Permaneci quieto durante esse tempo, servindo café e observando de segunda à sexta, o tal corredor passar correndo pela calçada asfaltada do aquarius.

Ele era o único foco que eu tinha quando o mesmo aparecia, sempre por volta das nove da manhã. Uma medida de fuga para a minha mente pertubada foi pegar o péssimo costume de reparar mais nas pessoas de fora do local que as de dentro do estabelecimento que queriam cada vez mais rápido seus pedidos.

Eu sempre considerei o fato de que trabalhar com pessoas, no plural, era difícil. Afinal, pessoas são - na minha humilde e venenosa opinião - entediantes e tóxicas.
No Aquarius não era diferente, era fácil encontrar e ouvir comentários racistas, homofóbicos, ofensivos e preconceituosos.

O da vez foi uma mulher - de cerca de quarenta anos -  que se dizia feminista, comentando sobre alguma conhecida mais nova, a chamando de "rodada". Minha cara foi: sério???

Semana passada eu estava no pet shop com Mia e ouvi uma mulher dizendo que todo aquele negócio de sobremesa para o seu pet, desde sushi à picanha, era tamanha "viadagem". Outra vez fiz uma de: quê???

São coisas tão pequenas, como comentários por exemplo, que me fazem querer abandonar a sociedade. Eu estava navegando no twitter e vi um tweet sobre uma elefanta que fugiu do circo aonde era maltratada pelos donos. Quando fugiu, a elefanta matou alguns inocentes pelo caminho e desesperados a polícia a matou. Embaixo estava a foto do último momento de vida da elefanta: apavorada.

Era assim meus dias, eu estava totalmente descrente de tudo. Como se aquele gatilho que Oliver puxou, tivesse me atingido e não à ele. Após isso tudo estava uma tremenda bagunça, e eu só percebi isso depois que Isaac, assumiu namoro - por mais impossível que pareça.

No banheiro, eu tentava vomitar todo aquele sentimento estrangulado na minha garganta, toda aquela fraqueza, cansaço e vulnerabilidade que eu sentia. Mas nada.
No espelho, a franja estava caída sobre meus olhos, tampando parcialmente minha visão. Pus pro lado, suspirei, tomei coragem novamente e voltei para a zona de trabalho, esquecendo meus pensamentos anteriores quando de imediato fui atender um rapaz bronzeado de ombros largos e roupa esportiva. Para ser mais certeiro, era o corredor das nove da manhã que eu citei no começo.

— Tobin, correto? — sua grave voz ecoou em meus ouvidos. Minha reação foi confirmar com a cabeça, dando espaço para o mesmo continuar sua fala. — Você anda bem famoso pela cidade, sabia?

— Nada do que eu já não saiba. O que mais tem na delegacia é queixas sobre mim dizendo o quanto é antiético eu expor a vida pessoal das pessoas no meu blog. — dei de ombros de maneira fabulosa, vamos assim dizer, por mais gay que seja. — Tá vendo aquele homem? Com expressão de insuportável? — apontei para Thomas. — Ele é meu chefe...tão grr! — revirei os olhos debochado e brincalhão ao mesmo tempo. — Ele é o próprio motivo vivo do porquê eu tenho um blog. Apenas tento deixar a vida das pessoas mais animada e menos entediante igual à dele. — O corredor riu comigo.

— Então você é uma espécie de garota do blog, é? — olhou a hora no relógio e voltou a prestar atenção em mim.

— Talvez. — serrei os olhos pensativos. — Mas e você? O que você quer? Temos café, achocolatado, frappuccino, croissants, salgados, bolos, e o preço é bem mais em conta que a da concorrente que começa com star e termina com bucks. — me apoei de frente pro balcão, já iniciando na caixa registradora um novo pedido.

— Bem, na verdade... — coçou a nuca tentando encontrar as palavras. — Não estou aqui pelo café, estou por você.

— Como? — Franzi a sombrancelha.

— Calma, deixe me explicar! — riu nervoso e inquieto. — Na verdade, sou um jornalista. Vi às notícias nos jornais locais e quero fazer uma reportagem exclusiva com você. Quero contar a história de Oliver pelo seu ponto de vista desde que o conhece, quero mostrar a essa situação para outras pessoas.

— Na verdade, você quer ganhar com a morte dele. — interrompi. — Eu te conheço, você apenas estava pairando feito um urubu em busca da carniça. Queria saber como me ganhar, estava me estudando. — Ele arqueou as sombrancelhas.

— Ganhar, foi o que você também fez. — disse em tom de voz baixo. — Seu blog amador, eu li ele, e eu li sobre Oliver. — se apoiou no balcão — Eu vou te contar algo, Tobin, ganhar é a regra do mercado empresarial. Ou você está para ganhar, ou para perder. Essa é a regra que eu sigo e a que você deveria seguir também. — ele disse retirando do bolso seu cartão e extendendo pelo balcão.

— Eu só sigo uma regra. — desafiei enfurecido.

— E qual é?

Não olhar para trás. — deixei-o sem olhar para trás.

No fundo eu sabia que seria uma escolha boa compartilhar a história de Oliver para outras pessoas. Mas não para ele, não agora. Estava tudo fresco ainda. Aquele era o momento de deixar Oliver descansar, e de me deixar superar. Aquela estação tinha que passar, era a hora do luto ir embora. E quando isso acontecer, tudo que vai restar é a saudade.

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