Andréia era uma velha amiga da época do colégio. Morava na rua de trás da minha casa e de vez em quando costumavamos lanchar juntos no pátio da escola. Sempre foi daquele jeito raio-de-luz, sabe? Sorridente, esperançosa, sentimental, acolhedora, o tipo de garota que não importa cor, sexo, religião, nada, ela te estende os braços e te dá um abraço hiper-mega-super-apertado.
Já eu, por outro lado, fui o garoto de inúmeras fases no ensino médio. Comecei o primeiro ano como um zé ninguém e terminei o terceiro ano do colégio na foto de formatura da turma dos populares. Naquela época meu hobby preferido era beijar Jasmine – a minha ex namorada – na hora da entrada e estudar feito um condenado nas últimas aulas para poder passar com notas mais que boas em matemática, e neste requisito, o mérito é todo de Andréia que com a maior boa vontade, me deu um mega reforço intensivo.
Lembro-me bem de inúmeras vezes que achei que minha cabeça explodiria enquanto decorava fórmula por fórmula e número por número. E ao vê-la entrar toda pomposa com uma câmera polaroid pendurada em seu pescoço só me fez ser contagiado por uma enorme nostalgia e animação.
— Para a melhor professora, a melhor mesa do estabelecimento. — reverenciei brincalhão, puxando a cadeira para que a garota se sentasse.
— Se você quer realmente me tratar feito uma rainha Tobin, tire essa música tema de cafeteria qualquer e coloque algo que me defina melhor, tipo God is a Woman, talvez? – fez uma cara brincalhona enquanto se sentava e ambos rimos com tal referência feita a si mesma. Andréia era de fato, um mulherão da porr*, e não me surpreenderia nada se ela fosse Deus nesta terra.
— E para que seria essa câmera polaroid? — soltei curioso examinando de longe tal objeto pendurado por um cordão em seu pescoço.
— Digamos que eu descobri minha maneira de me expressar artisticamente. Enquanto você escreve, eu fotografo. — sorriu orgulhosa. — Desde a formatura, eu criei um mural de momentos na minha vida, quero ter tudo registrado para quando eu for de idade, poder lembrar da vida maravilhosa que eu tive.
— Como sempre, você continua exalando esperança. — indaguei.
— E como sempre, você continua exalando dúvidas e indecisões. — retrucou com a sombrancelha arqueada, mostrando um tom de "você sabe que eu estou certa". Vendo tal expressão, me sentei em sua frente sem me importar se eu estava no meio do expediente, sabia que eu ia receber uma bela lição de moral vinda de Andréia.
E essa era uma das qualidades mais malditas de Andréia. Não dava para esconder sentimentos e dizer que simplesmente eu estava bem. Ela sabia, que eu não estava cem por cento bem. E sentindo aquela energia – ou sei lá o que – ela continuou a sua fala após eu me sentar na cadeira.
— Depois da formatura, eu percebi algo. Eu não queria seguir o ramo da administração simplesmente porque eu era boa em exatas e nem porque meus pais queriam, eu queria algo diferente e que me completasse. Fiquei uns meses com meus tios no interior, e voltei para a cidade disposta a fazer pintura. O que não deu muito certo afinal você sabe Tobin, eu não vejo graça em simples borrões de tinta. — soltou uma risada nasal. — Foi aí que eu vi essa gracinha aqui. — apontou para a polaroid. — E eu comecei a tirar foto de tudo o que aparecia na minha frente, desde macieiras e laranjeiras à pássaros urbanos e almoços que eu comprava. Claro que minha família não apoiou muito, afinal eles queriam o melhor para mim e o ramo de fotografia não é algo concreto. Mas me faz feliz, entende? Acho que é isso que te falta, um respiro longe do cotidiano, achar algo novo que te interesse, eu sinto isso em você. — tocou a minha mão que estava repousada na mesa rústica de madeira escura.
— Acho que essa é a hora que eu devo desabafar, né? — revirei os olhos sem graça vendo que Andréia estaria disposta a ouvir até o meu último suspiro.
— É, essa é a hora que você desabafa e eu te ajudo da maneira mais esperançosa que eu puder. — Confirmou minha hipótese.
— É uma longa história. — avisei.
— Não tem problema, eu estou disposta a ouvir. — concordou.
Suspirei pesadamente antes de começar a falar, e a cada palavra, a cada desabafo, um peso desaparecia das minhas costas. Aquela sexta-feira foi encerrada comigo me sentindo nas nuvens, Andréia como sempre havia sido uma amiga e uma ouvinte espetacular, me levando à seguinte palavra: respiro.
Era hora de eu tirar um tempo para mim, longe do Aquarius, longe do luto presente de Oliver, longe da cara feia de Thomas, e longe do meu cotidiano comum. Um respiro longe da cidade não era uma ideia ruim, era até algo bom. Era uma chance de eu me reeiventar, de inovar.
— E em qual corte você tem em mente, anjo?— Hilary, a melhor cabeleireira daquele bairro e a única em quem eu confiava um único fio de cabelo meu, me perguntou já com a tesoura em mãos.
E eu, decidido e confiante respondi:
— Quero um inovador. — olhei para a imagem da mulher pelo reflexo do espelho. Seu sorriso de canto confiante foi o que me fez encher o peito de coragem e me confortar que eu estava em boas mãos.
E o resultado havia sido mais que perfeito.
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Aquarius Café
Short StoryEntediado com a vida de barista, Tobin cria um blog onde a cada dia narra a vida e as peculiaridades de seus clientes mais importantes do famigerado e muito comentado Aquarius Café. Vencedor do prêmio Wattys 2017 na categoria Contos. 24/09: Capa atu...