Thomas estava mais irritante do que o normal em plena segunda-feira de manhã. Com meu típico ânimo estressado, bloqueio criativo, e um batuque terrível de curiosidade em relação à Oliver, eu me permitia de meia em meia hora à recarregar minha dose de cafeína para aguentar a voz chata do meu gerente.
Inúmeros palavrões eram pronunciados por mim mentalmente e nada das horas passarem para eu me livrar de mais um dia comum e entediante da minha vida. Oliver como sempre se mantinha calado em qualquer área do aquarius que estivesse. Não transmitia um pio, muito menos sorria para fingir simpatia para os clientes.
Me apoiei no balcão da cafeteria e fechei meus olhos por cinco segundos. Cinco e maravilhosos segundos, próximo do ventilador que balançava meu cabelo com seu vento, concentrado na música indie do rádio e relaxando meus ombros e coluna.
Um. A porta foi aberta, provavelmente algum cliente chegou – previ pela minha audição. Dois. Passos fortes e rápidos se aproximavam de mim. E três. Um dedão maldito cutucou meu ombro, me fazendo abrir os olhos imediatamente e encarando a maravilhosa cara brava de Thomas – só que não. Revirei os olhos e olhei para a mesa com a cliente recém chegada. Se eu não conhecesse Mari, chamaria a jovem garota de boneca humana.
De longe ela acenou alegremente para mim e eu retribui com um sorriso. Oliver passou do meu lado com passos acelerados para ir atender sua amiga, mas um simples assobio fez ele entender que nem precisava, e realmente não precisava. Eu sabia de cór seu pedido e ela sorriu quando viu que estava tudo impecável como sempre.
Mari agradeceu com um claro aceno com a cabeça e assim que ela mirou seu olhar para seu pedido, a deixei à vontade para lanchar sem problema nenhum. Mas nem isso ela fez. Com sua pequena mão branquela passou uma mecha de seu cabelo para trás de sua orelha e seu olhar amendoado se manteve pousado em Oliver. Mas precisamente por cada centímetro do corpo do amigo, e seguindo seu olhar eu me senti como se enxergasse com os seus olhos doces e amendoados. Com um ar de inocência, observação e cuidado, à procura do menir ferimento possível. Sim, Mari enxergava a mesma coisa que eu, e sentia à mesma coisa que eu também sentia; compaixão.
Eu sorri sem graça para o nada e para ninguém, sem jeito e sem ação. Nunca estive nessa posição insustentável, onde você tem medo de agir ou de observar em uma situação delicada como essa.
Medo era a palavra presa na ponta da língua que travava todo meu corpo e toda minha mente que sequer me fez perceber que já passavam das onze da noite e que não havia mais ninguém ali comigo. Os aventais dos funcionários estavam pendurados em fileiras e tudo estava organizado, de fantasma lá só havia eu mesmo digitando e apagando, num ciclo vicioso e sem fim.
Naquela noite o blog continuava parado e comentários negativos do tipo: "você pode ser processado por ficar postando a vida dos outros explícita nesse blog barato de merda!" – eram escritos e postados por pessoas de (como se pode ver) muito amor em seus humildes corações. E como eu também tinha um coração muito bondoso, respondia do mesmo jeito à eles: 🖕🏻.
Revirei os olhos entediado com todo aquele drama. Eu só escrevo a verdade nua e crua do meu ponto de vista, o que eu posso fazer? Ninguém é santo. O que começou com simples fofocas de clientes havia se tornado algo maior e olha eu agora, seis meses depois de um bloqueio criativo, contando talvez a experiência mais traumatizante que passei até agora.
"Como é ser amado por todos agora, Oliver?" – me faço essa pergunta todo santo dia desde então. E quando mentalmente me pergunto isso, me lembro de exatamente de naquela noite na solitária meu notebook notificar um "bip" eletrônico. Me assustei com a notificação e como não havia escrito nada de interessante naquele dia, fechei a página do blog e entrei na caixa de mensagem do meu endereço de email. Clicando no mais recente que foi mais ou menos desse jeito:
"Sobre o Oliver...ele passa por alguns problemas." – Mari comentou.
"Quais problemas exatamente?" – retruquei.
"Físicos. Sentimentais. Familiares. Profundos e Isolados."
"Definindo?"
"A história é longa Tobin, mas você quer saber, tem que me ajudar a ajudá-lo. Fechado?"
"Fechado."
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Aquarius Café
Short StoryEntediado com a vida de barista, Tobin cria um blog onde a cada dia narra a vida e as peculiaridades de seus clientes mais importantes do famigerado e muito comentado Aquarius Café. Vencedor do prêmio Wattys 2017 na categoria Contos. 24/09: Capa atu...