Cinco

5.6K 680 115
                                    

Noah

"Os desastres mais belos são aqueles que provocam a ruína. "

Liv ganhou o próprio urso.

Ela acertou cada maldito pato e comemorou rindo da minha cara. Eu fiquei chateado. Como ela podia atirar melhor do que eu? Meu ego foi ferido, embora eu não fosse admitir isso em voz alta.

— Você pode ficar com o meu urso, se isso diminuir o biquinho fofo que você está fazendo. — Ela estendeu a pelúcia para mim.

— Eu não faço isso. — Revirei os olhos.

— Se você acredita...

— Guarde essa instabilidade para as mulheres. Se um homem diz que não, é não.

— Meu Zeus, isso foi tão machista!

Zeus?

— Não vem mudar de assunto não, James! Vamos falar sobre esse seu comentário machista nojento.

Ri. Porque, talvez, achei que ela fosse deixar pra lá. Mas Olivia não deixou, e eu realmente recebi uma aula de como os homens deviam ser exterminados da face da terra.

O resto da noite foi incrível. Nós comemos um daqueles hot-dog gordurentos e deliciosos e passeamos entre os brinquedos. Em nenhum momento o sorriso fugiu dos meus lábios.

Falamos sobre a faculdade e ela me contou que trabalhava em um café. Eu lhe disse sobre a pequena empresa construtora do meu pai, e que iria assumir os negócios quando saísse da faculdade de administração. Descobri que ela não tinha uma cor favorita — a minha é azul —, mas que sua flor preferida era a rosa. Confessei ter medo de altura, e a louca não demorou dois minutos para me puxar para a montanha russa.

— E se essa lata velha quebrar? — Perguntei, escondendo a ansiedade.

— Não vai quebrar — respondeu, sorrindo de canto.

— E se o carrinho fugir dos trilhos?

Não queria demonstrar medo, mas era quase impossível passar algum tempo com Olívia e não verbalizar o que pensa. Era automático.

— Ele não vai fugir dos trilhos, James. Não dá para voltar atrás, já estamos andando.

— Okay. — Engoli em seco.

Era fim de noite, o parque estava quase fechando e era a última rodada da montanha russa. As crianças foram para casa, levando os pais e os velhinhos. Restaram poucos adolescentes se aventurando. No vagão, eu e Liv estávamos sentados no meio — uma exigência inteiramente minha — e haviam outras duas pessoas na ponta da frente.

O ferro rangeu, o carrinho andou e eu estremeci. Todo mundo tem medo de alguma coisa, certo? O meu era a altura. E embora a srt. Confiança tenha esbanjado coragem, senti sua ansiedade sem mesmo olhá-la.

Na primeira descida, nós gritamos alto. E na segunda, mais alto ainda. Já na terceira, enquanto a gente ria do próprio desespero, o carrinho parou.

Ele parou.

Simplesmente parou no ponto mais alto da montanha russa.

— Se eu morrer a culpa é sua, Olivia — disse mais bravo do que com medo.

Toda a tensão voltou em dose dupla e minhas mãos agarraram com força a barra de ferro na minha frente. Eu não ouvi as palavras que ela disse, mas senti a cautela que usou no tom de voz. Também senti sua mão percorrer meu antebraço até segurar minha mão, apertando-a. Isso me fez olhar para ela. Para seu rosto iluminado pela lua, o que deixava o brilho nos seus olhos mais vivo. Os lábios entreabertos, prontos para jorrar qualquer palavra de conforto ou uma piada sobre meu estado de pânico. Os cabelos, indomáveis, brincavam com a gravidade e zombavam do meu autocontrole

Eu ia beijá-la. Deus sabe que eu iria beijar aquela garota. Mas aí a sua mão pequena e gelada acariciou meu rosto, e seus lábios foram se aproximando até tocarem os meus. No começo, não foi nada além de um toque que me fez sair do pânico e esquentar os lábios frios. Eu deveria segurar a sua nuca e tocar minha língua na sua, mas as rodas rangeram e o carrinho começou a descer.

...

Apertei o freio subitamente na frente do seu prédio, fazendo o corpo de Olívia se chocar contra as minhas costas. Péssima ideia, agora eu tinha uma vaga lembrança da sensação dos seus peitos na qual pensar pelo resto da madrugada.

— Pronto, está entregue.

— Obrigada — disse enquanto descia da garupa, um pouco desajeitada pelo enorme urso debaixo do braço.

— Não por isso. Tem certeza que não quer prolongar ainda mais nosso passeio e só voltar amanhã?

Lancei aquele sorriso convencido. Geralmente funcionava, mas logo eu lembrei que estava falando com Olívia Hampton, e não com qualquer garota.

— Não, assim você vai enjoar muito rápido de mim.

— Isso me parece impossível.

— E eu também estou morrendo de dor de cabeça, você grita muito alto.

Ri com gosto.

— Olívia, aqueles eram seus gritos.

— Que seja — sorriu, dando de ombros. — Eu me diverti muito hoje.

Eu estava prestes a abrir a boca e insistir mais um pouco. Era a minha missão, certo? Eu tinha que lembrar que o propósito de tudo isso era levá-la para longe e sumir por algumas horas.

Mas eu não podia.

Não podia fazer nada contra aquele ser de olhos verdes na minha frente. Chamá-la de humana estava além das minhas capacidades, porque ela, com certeza, não vinha desse mundo cruel e ordinário que eu conhecia. Não quando ela me dava a melhor noite que eu tive em anos, e principalmente, não quando eu sabia que podia fazer com ela o mesmo que fiz com a outra.

— E, Noah? — Me chamou.

— Huh?

— Desculpa pelo beijo — disse, tímida. As palavras saíram sussurradas, como se aquilo fosse um segredo só nosso. — Você estava com medo, e eu senti que conversar não iria adiantar. Foi só para te fazer pensar em outra coisa, eu juro.

Mentira. Ela queria aquele beijo, e foi inteligente o suficiente para escolher um bom momento e uma boa desculpa. Não me enganaria mais com os olhos grandes e o tamanho pequeno. A menina era ardilosa.

Sorri, passando a língua nos lábios. Então desci da moto com calma, sendo observado com dúvida sobre meus próximos passos. Porque, afinal, eu deveria estar indo embora.

Cheguei perto, bem perto, devo admitir.

— Primeiramente, obrigado. — Também falei baixo, já que era nosso segredo. — E não precisa se desculpar por isso.

— Pode ser abuso quando a outra pessoa não quer. Preciso me desculpar sim — falou, rápida.

Minha risada grossa a assustou.

— Mas eu quis. — Uma mão agarrou sua cintura. — Aqui, só para você não se sentir mais culpada, ok? — Puxei seu corpo para mim e tomei seus lábios. Diferente do primeiro, esse beijo não foi nada delicado e casto. Era egoísta, era bruto. Enquanto ela suspirava nos meus lábios, escorreguei seu celular no seu bolso novamente.

Eu precisava me abaixar bastante para conseguir saborear sua boca. Mas, para minha frustração, a culpa se sobrepôs. O fel do arrependimento e o amargor da crueldade se sobressaíram ao gosto doce dos lábios de Olivia Hampton.

Me afastei devagar, mas com pressa para correr dali.

— Boa noite, Olívia.

Ela se inclinou na minha direção, beijou calorosamente minha bochecha e se afastou sorrindo.

— Boa noite, James.

Achei que ela ficaria envergonhada. Tímida, depois de um beijo como esses. Mas a garota agarrou o urso com força e saiu rebolando, até sumir dentro do prédio.

Maluca, talvez. Eu pensei. Um quebra-cabeças ambulante.

Desastre Sensual (REPOSTANDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora