CAPÍTULO 8

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João Henrique chegou ao teatro um pouco ansioso. Estava elegantemente vestido
e discretamente perfumado. Parou alguns instantes no hall , onde os cartazes da
peça encontravam-Se em exposição.
Aproximou-se e fixou-os. Maria Antonieta Rangel era a estrela da companhia.
Vinha de vitoriosa excursão pela Europa onde brilhara encantando todos com sua
voz e seu desempenho.
Os olhos de João Henrique brilhavam. Ela era maravilhosa! A peça, uma revista
musical de alto luxo, estava fazendo muito sucesso. Mandara-lhe flores e
delicado cartão convidando-a a cear depois do espetáculo. Aceitaria?
Entrou na sala de espetáculos. Estava repleto. Quando ela apareceu em cena, os
aplausos explodiram entusiastas.
João Henrique vibrava de satisfação. Já havia visto a peça mais de dez vezes e
sempre se emocionava. Conhecia as canções e até algumas falas.
Ao cair o pano, ela teve que voltar à cena repetidas vezes. João Henrique saiu
apressado, dirigindo-se aos camarins.
A custo conseguiu aproximar-se. Abrindo alas entre as pessoas,
alguns funcionários cercavam a estrela que sorrindo, dirigiu-se ao camarim. João
Henrique continuava fascinado. Um homem saiu do camarim e disse sorrindo:
— Antonieta agradece a todos os cumprimentos, as flores, a bondade dos
senhores. Porém, está exausta. Pretende descansar. Ela tem representado todas
as noites. Tem conversado- com os admiradores, contudo, hoje, deseja recolher-
se. Obrigado por tudo.
Ele entrou novamente, fechando a porta do camarim e, contrariadas, as pessoas
foram aos poucos, deixando o teatro.
João Henrique afastou-se um pouco e ficou esperando. Quarenta minutos depois,
quando ela saiu, não havia ninguém mais além de João Henrique.
Vinha acompanhada pelo homem que falara e duas mulheres. Vendo-a,
ele aproximou-se.
— Perdoe-me se fiquei esperando. Fiz-lhe um convite. Desejo resposta.
Longe de enfadar-se, ela sorriu:
— Convite? Não me lembro.
— Sou João Henrique. Convidei-a para cear comigo esta noite.
O homem interveio:
— Já disse que ela deseja recolher-se. Está cansada.
— Garanto que apreciaria. Conheço um lugar maravilhoso, onde se come muito
bem!
Ela olhou-o, sorriu e depois disse:
— Obrigada, mas pretendo repousar. Vamos.
Fez ligeiro aceno com a cabeça e saiu. Os demais a seguiram. Apesar de
decepcionado, o moço não desistiu. Aspirava o delicioso perfume que
ela espalhara no ar e intimamente formulara projetos para conseguir seu
objetivo.
Seguiu-os de longe até o hotel onde se hospedavam. Por certo voltaria à carga no
dia seguinte.
Eram 16 horas em ponto, quando o carro de Maria Helena parou frente à bela
casa de Luciana no sábado.
Parada frente ao portão de entrada, Maria Helena admirada tocou a sineta e
imediatamente uma criada vestida elegantemente abriu a porta, fazendo-as
entrar e conduzindo-as à sala de estar.
Luciana abraçou-as com prazer dando-lhes as boas vindas e apresentando Egle.
Maria Helena cumprimentou-a com prazer.
— Tem uma linda casa, muito acolhedora, — disse, amável.
— Obrigada, — respondeu ela com simplicidade.
Acomodaram-se e começaram a conversar com animação. Vendo-
as entrosadas, Luciana levou Maria Lúcia para conhecer as dependências da casa e o seu quarto. Amoça olhava tudo com entusiasmo.
— Você tem bom gosto. Gostaria de ser assim. Posso ver seus vestidos?
— Claro. Venha.
Luciana abriu o armário e Maria Lúcia olhou admirando tudo.
— Eu quis vestir um vestido mais bonito, mas todos os meus são horríveis. Soltei
os cabelos, mas não sei como penteá-los.
Luciana passou a mão delicadamente sobre os cabelos dela.
— Você aprenderá — disse. — O importante é querer.
— Será? tudo em mim fica feio. Perde a graça. Em você não. Você é tão bonita!
— Bobinha, você também é muito bonita. Acontece que nunca se interessou por
essas coisas antes. Vamos fazer uma experiência. Vista esse vestido branco.
— Agora?
— Sim. Vou fechar a porta. Vamos, experimente.
Era um vestido lindíssimo, justo e de corte elegante. Maria Lúcia vestiu-O.
— Maria Lúcia! Ficou perfeito em você! Agora os cabelos. Deixe-me ver...
Precisa cortar um pouco as pontas. Posso?
Amoça concordou e Luciana apanhou uma tesoura, um pente e com delicadeza
compós um penteado gracioso, cortando algumas pontas, deixando-o fofo na
frente e prendendo-o em coque no alto da cabeça. Passou ligeiramente um
pouco de pó de arroz, colocou delicado par de brincos em suas orelhas. Em
seguida levou-a ao espelho dizendo:
— Você está linda! Veja como lhe fica bem.
Maria Lúcia corou de prazer vendo-se no espelho. Aquela parecia outra pessoa.
— Qualquer cavalheiro se sentiria feliz em dançar com você. Duvido que não lhe
façam a corte!
De repente, o rosto de Maria Lúcia sombreou-se e ela desmanchou o penteado
dizendo com voz fria:
— Eu não saberia o que dizer, o que conversar com eles. Eu não
tenho inteligência, e eles logo veriam que eu não consigo agradar a ninguém.
Foi tirando o vestido e colocando novamente as roupas de sempre. Luciana
olhava calada. Depois disse:
— Perceba que ser feia é uma opção sua. Você prefere ocultar-se para não se
expor ao erro. Não sabia que era tão orgulhosa assim. Lembre-se que essa
escolha está lhe custando a felicidade. Está renunciando voluntariamente ao
amor, ao sucesso, a admiração e alegria dos seus pais. Jamais saberá o prazer da
vitória, de um beijo de amor. É um alto preço pelo orgulho e pela covardia.
Maria Lúcia olhava calada.
— Você é orgulhosa e Covarde — repetiu Luciana.
— Você me despreza! — disse Maria Lúcia por fim.
Luciana abraçou-a.
— Engana-se Eu a quero muito bem. Desejo vê-la feliz! Você não é como se
coloca. É uma moça bonita, gentil, inteligente, virtuosa, amorosa, só que não
acredita nisso. Você está muito enganada. Deixe-me ajudá-la a perceber a
verdade. A conhecer-se como realmente é.
Os Olhos de Maria Lúcia encheram-se de lágrimas.
— Nunca ninguém falou assim comigo, — disse.
— Somos amigas. Desejo vê-la feliz. Sei que pode Conseguir tudo que quiser.
Não há nada que a impeça. A não ser sua maneira errada de olhar para as coisas.
— Sou covarde mesmo. Tenho receio de tudo. Se um moço quisesse
me namorar, morreria de vergonha.
Luciana segurou as mãos frias de Maria Lúcia, forçando-a a sentar-se ao seu
lado na cama.
— Diga-me. Do que tem medo? De que sente vergonha?
Os lábios da moça começaram a tremer, e ela não respondeu.
Luciana prosseguiu:
— Procure descobrir isso. Pense bastante. Acredita em mim?
Maria Lúcia assentiu com a cabeça.
— Pois eu lhe digo que não há nada do que deva se envergonhar. Já viu hoje que
é uma moça bonita, elegante. Pertence a excelente família. É rica, educada,
inteligente. Qualquer moço da corte poderia apaixonar-se e chegar ao
casamento. Poderia escolher, tenho certeza.
Maria Lúcia ficou pensativa por alguns instantes, depois disse baixinho:
— Acha que um moço como o Ulisses se interessaria por mim?
— Por que não?
- Ele nem me olha.
— Como poderia vê-la se se esconde dentro de uma condição de inferioridade?
Você gosta dele!
Ela corou ainda mais, retirando as mãos que Luciana retinha entre as suas. —
Não gosto de ninguém.
— É natural que se sinta atraída por ele. É um bonito moço.
— Ele gosta de você!
— Não acredite nisso. Os moços interessam-se em cortejar todas as moças que
têm pela frente.
— Ele tem procurado você.
— Foi ocasional. Mas, posso afirmar que não pretendo namorá-lo.
Ela arregalou os olhos admirada:
— Não gosta dele?
— É um moço agradável, bonito, mas não sinto nada por ele. Para namorar, é
preciso algo mais. É preciso entusiasmo, amor, emoção. Quando vejo Ulisses,
não acontece nada.
Maria Lúcia suspirou:
— Puxa, — disse — se eu fosse você, aceitaria. Sei que ele lhe faz a corte. — Você o aprecia! O que sente quando o vê?
Novo rubor coloriu as faces de Maria Lúcia.
— Fale o que sente! O amor é um belo sentimento. Não devemos
nos envergonhar do que sentimos. Conte-me: o que sente por ele?
— Não sei o que é, — disse ela baixinho — meu coração bate forte, parece
querer sair pela boca. Sinto um tremor nas pernas e tenho vontade de fugir, mas
ao mesmo tempo quero ficar perto dele. Quando ele está na sala, sinto sua
presença o tempo todo. Esqueço das outras pessoas.
Luciana abraçou-a com carinho.
— Você nunca sentiu isso antes por outra pessoa?
— Não. Acha que estou doente?
Luciana sorriu:
— Não, Maria Lúcia. Acho que está muito bem. Melhor do que eu esperava.
— Fico angustiada. Não sei o que fazer. Tenho vergonha.
— O amor jamais será uma vergonha. Você sente-se atraida por Ulisses.
Gostaria que ele a abraçasse e beijasse. Talvez até tenha sonhado com isso.
— Como sabe? Já sentiu isso? É amor?
— Já senti, sim. Se é amor, só o tempo dirá. É uma atração, mas para
se transformar em amor, precisa de muito mais. Precisa conhecê-lo melhor
e conviver mais com ele para perceber seus verdadeiros sentimentos.
Descobrir se gosta realmente dele, de sua forma de ser, ou se está vendo nele
apenas um ser que você gostaria que ele fosse.
— Como assim?
— Todas nós sonhamos com o amor, o homem a quem dedicaremos nossa vida,
criamos uma imagem ideal e a guardamos no coração. Pode acontecer que
sintamos atração por alguém e sem conhecê-lo como realmente é, vemos nele
esse ideal que imaginamos. Se chegarmos ao casamento, logo veremos que ele
era pessoa muito diferente daquela que imaginamos. Haverá desilusão,
amargura. Ás vezes, há uma adaptação, pelas conveniências, pela familia, mas o
amor e a felicidade ficam distanciados.
— Terá acontecido isso com mamãe?
— Por que diz isso?
— Porque entre eles não há amor. Não os vejo abraçados. Não se beijam.
— São discretos. Não gostam de demonstrações diante dos outros.
— Nunca vi meu pai olhar para minha mãe com olhos apaixonados.
— Como pode saber? Você sempre fica fechada em seu quarto. Saiba que o
amor, o casamento são coisas muito sérias. É preciso conhecer bem um ao outro.
Se você não deixar que os rapazes se aproximem, como vai encontrar o
verdadeiro amor?
Maria Lúcia pensou um pouco, depois segurou o braço de Luciana com força. —
Tenho medo!
— De quê?
— Dele não gostar de mim.
— Se quer que alguém a ame, não se rejeite. Esse é o primeiro passo.
— Ninguém se interessa por mim.
— Você não se interessa por você! Com pensamentos tão negativos a seu
respeito, qualquer pessoa que se aproximar, sentirá vontade de afastar-se.
— Por quê?
— Porque o pensamento é o hálito da alma. As pessoas não trocam só palavras,
trocam impressões e essas impressões refletem o nosso pensamento. Se você não
se aprecia, se acha que não é interessante, quem chegar a seu lado, vai sentir
essa impressão. Sua onda mental as afastará, sem que saibam porquê.
— Será? O que nós pensamos pode influenciar os outros?
— Claro. O pensamento sai de nós como ondas de força. Nunca sentiu vontade
de ficar perto de uma pessoa ou de afastar-se dela, sem motivo justo?
— Já. Eu sinto muito isso. Gosto muito de ficar perto de você. Gostei desde o
primeiro dia.
Luciana sorriu alegre.
— Você sentiu que gosto muito de você e desejo ficar a seu lado. Mas, sentiu também que eu gosto de mim mesma, sinto-me feliz de viver, agradeço a Deus
todos os dias o dom da vida. Sinto-me em harmonia. Por isso você gosta de ficar
perto de mim.
— Não sabia que o pensamento podia causar tudo isso.
— Pode muito mais.
Leves batidas na porta e a criada apareceu:
— D. Egle manda avisar que o chá vai ser servido.
— Obrigada. Vamos, Maria Lúcia, não podemos deixá-las esperar.
Voltaremos ao assunto. Pense em tudo quanto conversamos.
As duas moças voltaram à sala onde foi logo servido o chá.
Maria Helena estava encantada. Egle mantivera a conversa de
forma interessante e agradável. Sabendo que ela também estudara naquele
famoso conservatório inglês, disse curiosa:
— A senhora certamente será exímia intérprete. Seria abusar da
sua hospitalidade pedir-lhe para tocar alguma coisa?
Egle sorriu.
— Estudei durante muitos anos, fui concertista, mas, agora, gosto de tocar só
peças que falam ao meu coração.
— Vovó toca velhas canções de sua terra.
— Por favor, gostaria muito de ouvi-la.
Maria Helena estava sendo sincera. A velha senhora não se fez de rogada.
Sentou-se ao piano e começou a tocar com graça e maestria. Maria Helena
emocionou-se. Fosse pelo ambiente agradável daquela sala, pela simpatia
daquela senhora, ou pela beleza da sua execução, ela comoveu-se.
Aplaudiu com entusiasmo. Ela foi tocando, tocando, quando, por fim, parou,
Maria Helena suspirou encantada:
— Obrigada, D. Egle, por esses momentos. Meu Deus! Está escuro, estamos
abusando. Desculpe ter ficado tanto tempo. Está na hora de irmos embora.
Egle sorriu com gentileza.
— Foi uma alegria recebê-la em nossa casa, bem como a Maria Lúcia. Gostaria
que viessem outras vezes.
— É muita gentileza sua. Por certo, espero recebê-la também em minha casa.
Agora vamos, Maria Lúcia. Mais uma vez, obrigada. Passamos uma tarde
maravilhosa. Nem vi passar o tempo.
Despediram-se e Egle com Luciana as acompanharam até a porta.
Quando se foram, Luciana abraçou a avó alegremente.
— Você esteve maravilhosa! Ninguém poderia resistir aos seus encantos.
D. Maria Helena ficou encantada. Obrigada, vovó.
— É uma mulher de classe, talvez um POUCO formal, mas posso afirmar que
sob o verniz da educação vibra uma alma apaixonada.
— Papai a descreve como pessoa fria e indiferente.
Egle abanou a cabeça dizendo Convicta:
— Ele se engana. Ela vibra como as cordas de um violino nas mãos de um bom
executante. Ninguém pode sentir tanto a música, ter tal sensibilidade que ela
demonstrou e ser fria nos sentimentos.
— Foi o que pensei. Talvez ela seja reprimida pelo meio.
— Toda mulher se fecha quando se sente mal-amada. É claro que José
Luiz não a amava, ela sentiu isso.
Será essa a causa de sua aparente indiferença?
— Talvez. Contudo, os padrões da educação de uma moça nos dias de hoje,
deixam muito a desejar, principalmente no Brasil. Amulher deve obedecer o
marido sem questionar. Fazer tudo para agradar seu senhor, que é o dono absoluto
até dos seus pensamentos Depois, é feio a mulher mostrar seus sentimentos A
iniciativa sempre deve partir do homem. Ele deve insistir na conquista, e a
mulher mostrar-se indiferente. Esse é o jogo.
— Isso é triste, vovó.
As duas haviam entrado e se acomodado gostosamente nas poltronas da sala. —
Posso imaginar o que aconteceu, — continuou Luciana. — D. Maria Helena,
educada nesse sistema, casou-se por amor. Quando descobriu que não era amada
como pensava, engoliu seus sentimentos, dissimulou o que sentia, vestiu a capa da
indiferença com a qual tenta conservar intacto seu orgulho, acreditando que isso
seja dignidade.
— Eu teria agido diferente. — Egle sorriu maliciosa.
— Eu sei, vovó. Você teria mostrado seus encantos, tentado conquistar o amor de
seu marido, não ocultaria seus sentimentos.
— Isso mesmo. Estaria errada?
— Não. Teria feito bem.
— Ele amava outra mulher, ela ignorava isso. Mas talvez tenha deduzido com o
tempo. Mesmo assim, a outra estava distante, e ela, perto. As esposas têm
sempre mais chances de manter o interesse e o amor do marido. Pena
que emoções descontroladas e o orgulho as tornem tão cegas a ponto de não
as aproveitar.
— Você o teria conquistado.
— Apesar de que ele amava sua mãe. Ela era maravilhosa, seria difícil para
qualquer mulher vencê-la.
Seus olhos brilhavam saudosos e seu rosto cobrira-se de um misto de orgulho e
alegria.
— Papai jamais a esqueceu. No entanto, vovó, eu que a tenho visto, estado com
ela, sentindo seus pensamentos, percebo que ela o ama muito. Mas quer uni-lo a
D. Maria Helena. Não posso entender isso.
— Talvez ela mesma algum dia possa explicar. Era muito bondosa. Pode apiedar-
se da sua solidão. José Luiz parece-me muito solitário, apesar de viver com a
família. Adora ficar aqui conversando com você, e suponho que ele não tenha
com eles condições de diálogo.
— Não tem mesmo. João Henrique esquiva-se e é apegado à mãe. Maria Lúcia
ainda não tem condições. D. Maria Helena colocou uma barreira entre ambos.
As duas continuaram conversando, animadamente mesmo depois que a noite já havia descido de todo.
Maria Helena chegou em casa e encontrou o marido na sala de estar. Depois de
cumprimentá-lo, disse educadamente.
— Desculpe o atraso. Gosto de estar em casa quando você chega.
Maria Lúcia foi para o quarto. José Luiz, folheando uma revista, levantou os olhos
dizendo:
— Cheguei há alguns minutos. Maria Lúcia saiu de casa felizmente, e junto com
você, o que me surpreendeu.
Maria Helena Sorriu levemente.
— Foi de boa vontade. Devo reconhecer que ela está um pouco mais sociável.
— Estava com boa aparência Não parecia amuada como das outras vezes que a
forçamos a sair.
Maria Helena Colocou a pequena bolsa e as luvas sobre o console e sentou-se em
uma cadeira ao lado do marido.
— Foi de boa vontade. Tomou chá, comeu, pareceu-me interessada.
— Como conseguiu isso?
Maria Helena deu de ombros:
— Ela gosta muito da Luciana. Aceita de bom grado tudo quanto ela diz ou faz.
José Luiz interessou-se Fechou a revista.
— É mesmo?
— Já percebi isso. Espera com impaciência a chegada da professora e quando
nos Convidou para o chá, aceitou prontamente
— Você foi tomar chá em casa da srta. Luciana?
— Fui. Recebi um elegante convite de sua avó, uma senhora inglesa, muito fina.
José Luiz esforçou.se para dissimular sua curiosidade.
— Você nunca aceita convites de pessoas fora de nossas relações, — disse. —
Tive vontade de aceitar este. Luciana tem se mostrado culta, fina, amiga de
Maria Lúcia. Fiquei curiosa. Uma moça que trabalha porque gosta, é curioso.
— É, realmente, — Considerou ele. — E que tal?
— Melhor do que esperava. Uma linda casa, graciosa, aconchegante D. Egle,
uma senhora de linhagem, vê-se logo o berço. Tudo foi agradável e impecável.
Conversamos muito e nem vi o tempo passar. Ela toca piano. Você precisava
ouvi-la. Foi concertista, mas executou velhas canções inglesas que me
transportaram para um outro mundo. Essa foi a causa do atraso.
— Ela terminou procurando conter as emoções e dando às palavras a mesma
frieza de sempre.
— E Maria Lúcia?
— As duas foram para o quarto de Luciana onde ficaram por longo tempo. Só
apareceram na hora do chá. Mas ela não derrubou nada, não tremeu, nem se
ruborizou nenhuma vez. Para ser sincera, cheguei a esquecer-me dela.
— Não resta dúvida que ela está melhor. A influência dessa professora está sendo
benéfica.
— Talvez. Que bom seria se fosse verdade!
A criada avisou que o jantar estava servido. A família reuniu-se ao redor da
mesa. João Henrique conservou-se calado, como sempre, respondendo apenas as
perguntas que ora a mãe, ora o pai lhe faziam sobre seus estudos.
José Luiz observou Maria Lúcia e achou que estava um pouco mudada.
Em que seria? Não pôde precisar, mas seu rosto parecia-lhe distendido, calmo.
Notou que seus cabelos estavam menos esticados e penteados diferentes.
Não disse nada. Bastava-lhe perceber algumas mudanças.
Seu coração exultava de alegria. Luciana era a luz de sua vida. Iluminava tudo
quanto tocava. Até Maria Helena, exigente e fria, apreciava-a.
Assim que terminou o jantar, João Henrique foi para o quarto, vestiu-se com
apuro e saiu. Foi ao teatro. Antes passou numa florista e mandou para a estrela o
mais lindo ramalhete que encontrou, juntamente com um cartão, convidando-a
novamente a cear.
Era cedo. Dera uma gorjeta ao porteiro que o deixara entrar pela porta dos
artistas, e postara-se no corredor, frente ao camarim principal. Maria Antonieta
chegou acompanhada apenas por uma de suas damas. João Henrique interceptou-lhe os passos.
— Maria Antonieta!
— Você, de novo, — disse ela fingindo-se zangada, mas fixando nele os olhos
brilhantes.
— Tenho vindo todas as noites. Hoje não me afastarei enquanto não prometer
aceitar meu convite para a ceia.
Ela sorriu fazendo um gesto vago.
— Poucas vezes ceio sozinha com um homem. Costumo cear com amigos.
— Ceará comigo esta noite — disse ele, convicto.
— O que o faz Pensar isso? — retrucou ela, provocante.
— Meu amor por você. Tenho certeza que desejará estar comigo.
Ela riu divertida.
— Não nego que tem espírito.
João Henrique aproximou seu rosto do dela e Olhando-a nos olhos disse baixinho
com emoção:
— Eu quero você! Tanto, e hei de amá-la com tanta força que marcarei sua vida
para sempre.
Ela estremeceu levemente, depois, sem desviar os olhos, respondeu:
— Vamos ver isso. Realmente começo a ficar curiosa.
Entrou no camarim e João Henrique, coração batendo forte, foi para o salão
esperar a representação começar.
Sentou-se na primeira fila e quando o pano desceu, ele saiu apressado.
Em meio às pessoas que aguardavam na porta do camarim, João
Henrique espiava com ansiedade. Jamais uma mulher despertara nele
sentimentos tão fortes. Quando ela saiu, protegida pelo homem que sempre a
acompanhava e por duas mulheres, sorriu para todos, recebeu cumprimentos e
flores, entregando-as para as outras duas. Sorriu para João Henrique, mas nada disse. Ele seguiu-os até a calçada, quando uma das duas mulheres que a acompanhavam, aproximou-se, colocando-lhe na mão um papel dobrado.
Coração batendo forte, João Henrique abriu-o e leu:
“Ceio com amigos no Delfins”.
Isso bastou. Imediatamente foi para lá. No finíssimo restaurante em uma mesa
ricamente adornada, ela estava rodeada de pessoas. João Henrique aproximou-se
tocando levemente em seu braço:
— Obrigado — disse.
Ela sorriu e indicando a mesa num gesto largo respondeu.
— Acomode-se. Quero apresentá-lo aos meus amigos. Atenção todos. Esse é o
João Henrique. Convidei-o a cear conosco.
Ele desejava sentar-se ao lado dela, mas os lugares estavam tomados.
Dirigiu-se ao outro lado da mesa e sentou-se. Não era o que ele desejava,
mas era um começo. Ensinaria aquela mulher a amá-lo, então, a teria só para
si. Afastá-la-ia de todos aqueles amigos boêmios e levianos, cujo maior
interesse consistia em gozar a vida, comer, beber, sem responsabilidade
ou preocupações.
A ceia decorreu alegre e o champanhe borbulhava nas taças. Maria Antonieta
comeu pouco e não tomou nada. João Henrique observava-a com olhos
brilhantes. Ela conversava discretamente e, às vezes, quando seus
olhos encontravam-se ela lhe sorria levemente.
Ele apanhou um pequeno pedaço de papel e rabiscou algumas palavras.
Levantou-se e entregou-o disfarçadamente. Voltou a seu lugar e
percebeu quando ela o abriu e leu, guardando-o na bolsa.
João Henrique esperava uma resposta. Ela continuou conversando com os
amigos sem demonstrar interesse. Ele pedira-lhe um encontro a sós. Ardia de
desejos de falar-lhe sobre as emoções que estava sentindo.
Porém, dela apenas recebeu a mão em despedida, que ele segurou e beijou
acaloradamente.
A partir daquela noite, coava com seus novos conhecidos na esperança de conseguir o que pretendia. Foi uma semana depois que conseguiu finalmente.
Maria Antonieta pediu que a fosse buscar na tarde do dia seguinte, em sua casa.
Ela deixara o hotel.
João Henrique exultou. Não se preocupou com nada que não fosse aquele
encontro tão esperado. Na hora aprazada, tocou a sineta da casa onde
Maria Antonieta vivia. Foi introduzido na sala de estar pela criada. Sentou-se
e enquanto esperava, passou um olhar curioso pela sala. Mobiliário sóbrio, mas
de bom gosto, algumas obras de arte, objetos de prata, um piano. Nada ali
parecia combinar com a moradora.
Ouvindo ruído, levantou-se. Maria Antonieta aproximava-se. Estava
linda, cabelos curtos, vestido justo mostrando as formas perfeitas de seu
corpo jovem, pernas de fora, protegidas por finíssimas meias de seda.
— Foi pontual, — disse estendendo a mão que João Henrique beijou deliciado,
envolvido em uma onda de delicado perfume.
— Estava ansioso para conhecê-la melhor — disse ele com um brilho
de admiração nos olhos.
Ela sorriu:
— Você foi persistente. Não faço amizades com facilidade, nem
costumo receber admiradores.
— Não sou como os outros — respondeu ele. — Tenho por você uma admiração
sincera.
Ela sorriu de novo mostrando uma fileira de dentes alvos e bem distribuídos.
— Arriscou-se. Não sabe se sou comprometida.
— Tenho certeza de que é tão livre quanto eu.
— Não tenha tanta certeza assim. Nós, artistas, nem sempre revelamos nossa
vida intima. Costumamos guardar segredo.
Ele tomou-lhe a mão, levando-a aos lábios com calor.
— O homem que a tiver, não sairá do seu lado nem por alguns instantes.
— É muito possessivo. Desde já afirmo que não existe ninguém que possa tolher-me a liberdade. É bom saber também que sou eu quem dá as cartas, em qualquer jogo que me interesse.
João Henrique não respondeu. Não estava interessado em palavras.
Abraçou-a emocionado, beijando seus lábios apaixonadamente. Não
sendo repelido, sentiu aumentar sua paixão, entregando-se a ela
ardentemente. Duas horas depois, quando saiu de lá, sua alma cantava de alegria.
Ela era maravilhosa. Jamais conhecera mulher igual, que tocasse todas suas
fibras mais Intimas. Sentiu-se loucamente apaixonado. E, enquanto voltava
para casa, deu livre curso à sua fantasia.
Amava e era amado! Sabia que sua familia não aceitaria seu relacionamento
com uma mulher de teatro. Mas, teriam que ceder quando percebessem que ele
estava mesmo disposto a ir até o casamento.
Ao pensar nisso, estremeceu. Era a primeira vez que pensava em casar-se.
Ninguém poderia impedir. Seu pai não ousaria. Ele não amava sua mãe, sentia
que ele havia se casado por interesse. Não teria moral para fazer nada.
Sua mãe ficaria chocada. Mesmo porque cabelos curtos, mostrar as pernas, não
era moda no Rio de Janeiro, pelo menos em casa de família. Ser artista de teatro
era ainda pior. Contudo, sua mãe amava-o muito. Contava convencê-la.
Ela desejava sua felicidade.
Maria Antonieta deixaria o teatro. Ele era suficientemente rico para dar-lhe o
luxo a que se acostumara. Cantaria e dançaria só para ele. Seriam felizespara
sempre.
Quando chegou em casa, o sol já se escondera nas brumas do entardecer. Sentia-
se alegre. Encontrou Maria Lúcia no jardim e saudou-a bem-disposto, beijando-a
na face.
— Boa tarde — disse.
— Boa tarde —respondeu ela, admirada. Nunca se lembrava do irmão havê-la
beijado.
— Você está linda! — tornou ele querendo ser gentil.
— Obrigada.
Ele sentou-se ao seu lado no banco. Aquele dia, queria que todos fossem felizes.
— Você nunca me beijou antes — disse ela de repente. —Por que fez isso? Foi a
vez dele admirar-se. Sua irmã não tinha o hábito de questionar.
— Estou contente, Maria Lúcia. Desejo que todos saibam da minha alegria.
— Que bom. Aqui em casa ninguém é alegre. Por isso venho ao jardim.
Os pássaros cantam e sentem muita alegria.
— Tem razão. Sempre achei você triste. Nunca me disse porquê.
Ela deu de ombros.
— Não tinha coragem. Todos aqui são tristes. Em casa de Luciana tem alegria no
ar. Ninguém precisa falar que está alegre, é estar lá e ficar contente.
João Henrique fitou a irmã como se a estivesse vendo pela primeira vez.
— Eu nunca fui triste — contestou. — Ao contrário. Sinto-me feliz. Por que acha
isso?
— Não saberia dizer. Mas, você também não conversa muito. Só com mamãe, às
vezes. Papai também não parece feliz.
— Pensei que não se importasse com essas coisas. Fica sempre no quarto, não diz
o que pensa. Isso, para você, é tristeza?
Sentiu pena da irmã naquele instante. Estava feliz, desejava que todos
o estivessem.
— Um pouco.
— Por que se fecha no quarto e não gosta das pessoas?
— Gosto de ficar sozinha para pensar. As pessoas não gostam de mim.
Tanto faz eu estar como não. É a mesma coisa.
Ele sentiu-se um pouco culpado. Pouco se importava com ela. Mal a olhava.
— Se você recusa a amizade e evita as pessoas, todos vão pensar que você não as
aprecia. É o contrário do que pensa. Se você se retrai, as pessoas pensam que
você as evita porque não gosta delas.
— Luciana também acha isso.
— Ela está certa. Você precisa mudar. Aproximar-se dos outros, sem receio de
nada. Estou surpreendido. Nunca conversou comigo.
Ela baixou a cabeça e não respondeu. Ele percebeu que ela
estava envergonhada.
— Se quer saber, prefiro você conversando. Fica bem melhor. O que você fez?
Está mais bonita também.
Maria Lúcia corou de prazer. Levantou o rosto e em seus olhos havia mais brilho.
— Vou entrar, — disse João Henrique. — Estou atrasado. Continue assim. Está
muito bem.
Levantou-se, beijou novamente a face da irmã e foi para dentro. Maria Lúcia
passou as costas da mão lentamente pela face que o irmão beijara levemente.
Olhou o céu já com o brilho das primeiras estrelas e sentiu uma onda de alegria no coração.

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