Naquela tarde, Maria Helena sentia-se particularmente feliz. Sentou-se ao piano
e seus dedos percorreram o teclado com prazer. Enquanto tocava, seu
pensamento recordava os momentos de intimidade com o marido. Um milagre
acontecera. O sonho de toda sua vida concretizara-se por fim. José Luiz
transformara-se em outro homem. Apaixonado, atencioso, como ela sempre
desejara. Desde que ela lhe confessara seu amor, tudo mudara.
Por que demorara tanto para vencer o orgulho? Quem ama não deve
ter preconceitos. Se houvesse feito isso antes, por certo não teria sofrido tanto. A
idéia de que ele se casara pelo seu dinheiro e posição a transformara e cavara
um abismo que por pouco arruinaria para sempre suas vidas.
Arrependia-se também de haver permitido que o formalismo de uma
educação moralista, rígida e preconceituosa, a transformasse em uma mulher
fria, cheia de regras e papéis sociais, manietando sua alma de mulher ardente e
cheia de amor. Rompera essa barreira, vencida pela paixão, pela necessidade de
amar e assim pudera despertar no marido o sentimento que ele deveria sentir por
ela, mas que não encontrava espaço para expressar-se, frente sua
indiferença sempre presente.
Maria Helena sorriu embalada pelos pensamentos que a enchiam de alegria e
felicidade. A criada entrou com uma salva na mão e colocou-a sobre o piano
sem dizer nada. Sabia que quando Maria Helena tocava, não queria
ser interrompida. Passando os olhos sobre a salva, Maria Helena parou de tocar.
Havia uma carta sobre ela. Apanhou-a, abriu-a e leu:
“Prezada senhora. Há já algum tempo, seu marido vem se encontrando com uma
senhorita altas horas da noite. Como amigo da família, não acreditei no que meus
olhos viram e fui investigar. Descobri entre outras coisas que a casa onde ela mora
foi comprada por ele. Poderia dar outros detalhes, porém, o melhor será verificar
com seus próprios olhos. Fique preparada.
Oportunamente avisarei e poderá surpreendê-los. Sou seu amigo e admirador que
muito a estima”.
Não havia assinatura. Maria Helena, pálida, mãos trêmulas, acionou
a campainha. A criada apareceu solícita:
— O que é isto? Quem trouxe?
— Um portador. Disse para entregar à senhora imediatamente.
Ela olhou o envelope e leu seu nome.
— Está bem. Pode ir.
Quando a criada saiu, Maria Helena deixou-se cair no sofá. Uma amante! José
Luiz tinha uma amante! Era de esperar uma vez que durante tantos anos eles
viveram sem relacionar-se intimamente.
Esse pensamento, longe de confortá-la, perturbava-a ainda mais. Logo agora,
que ela acreditara no seu amor! Seria José Luiz tão venal a ponto de fingir amá-
la para usufruir de uma situação que ela provocara? Seu rosto pálido coloriu-se
de súbito rubor. Ela se declarara. Que vergonha! José Luiz não a amava. Apenas
dera vazão as emoções do momento, nada mais. Fora leviana, expondo-se desse
jeito.
Agoniada, torceu as mãos em desespero. Seria mesmo verdade? Se ele de fato
comprara até uma casa para ela, a história deveria ser antiga. Como saber? O
ciúme apareceu forte. Quem teria escrito essa carta? Leu novamente.
Ele lhe pedia para aguardar. Prometeu-lhe provas. Claro. Era uma
carta anônima. Poderia ser uma infâmia. Mil pensamentos circulavam em sua
cabeça, e ela procurou acalmar-se. Não poderia fazer nada antes de obter a
prova prometida. Como poderia viveraté lá? Precisava encontrar forças para que
ninguém desconfiasse. Só assim, poderia descobrir a verdade. Habituada a
ocultar seus sentimentos, compôs 3 fisionomias, porém, sentia a dor aguda do
ciúme ferindo seu coração.
Ninguém notou nada. Ela conseguiu seu intento. A carta, escondida no bolso do
vestido, fazia-a sentir que tudo era verdade. Sempre se perguntara como José
Luiz suportara os anos em que estiveram separados. Agora sabia. Amaria essa
mulher? Por certo. Teria filhos com ela? A esse pensamento seu coração apertou-
se. Ardia por saber. No dia seguinte, à tarde, enquanto Luciana e Maria Lúcia
conversavam animadas na sala de música, João Henrique chegou com Ulisses.
Maria Helena recebeu-os com carinho. João Henrique subiu para trocar de
roupa.
Vendo-se sozinho com ela, Ulisses disse respeitoso:
— Poderia conceder-me alguns minutos? Preciso falar-lhe a sós.
— Por certo. Pode falar, estamos sozinhos.
— Preferia um lugar reservado, O assunto é muito grave.
— Está bem. Venha ao escritório. Ninguém nos interromperá.
Uma vez lá, ofereceu a Ulisses uma cadeira e sentou-se a seu lado.
— Pode falar.
Ele hesitou.
— Não sei se devo...
— Do que se trata? Alguma coisa com João Henrique?
— Não. Não é nada com ele. Acho melhor não dizer. Afinal, não tenho nada com
isso.
— Você me assusta. Fale logo.
— A senhora me conhece há muitos anos, desde menino. Sabe como estimo sua
família. João Henrique é como meu irmão! Só por isso que vou contar o que sei.
— O que é?
— Não leve a mal, D. Maria Helena. Estou revoltado. A senhora, uma pessoa tão
boa, ser enganada dessa forma! Logo por quem. Maria Helena empalideceu.
— Pelo amor de Deus, — pediu. — O que você sabe que eu — Seja lá o que for,
quero saber já. Não contarei a ninguém que foi você. Agora fale.
— Fui eu quem lhe escreveu aquela carta.
— Você!
— Sim.
— Então você sabe tudo a respeito.
— Sei!
— Fale, pelo amor de Deus!
— Está bem! O doutor José Luiz tem uma amante. Eu o vi sair várias vezes, tarde
da noite, da casa dela. Despediam-se amorosamente. Preocupado, passei a vigiá- los. Ele vai lá regularmente. Descobri que a bela casa onde ela mora, foi ele
quem comprou.
— Isso você já disse na carta. Quero saber mais. Como é ela?
— Jovem e bela. Rosto angelical, atrás do qual eu jamais poderia supor havia
uma pessoa tão baixa. Capaz de tanto fingimento.
— Jovem.., bela... . Então não pode ser coisa antiga.
— Talvez uns dois anos.
— Quem é ela?
— A senhora vai surpreender-se tanto quanto eu...
— Fale.
— Essa jovem traidora, hipócrita, que se finge de amiga para roubar-lhe
o marido é Luciana.
— Luciana? — o rosto de Maria Helena contraiu-se em dolorosa surpresa. —
Não posso acreditar! Isso não pode ser verdade. Você está enganado.
— Infelizmente não. Gostaria de poupar-lhe esse desgosto, mas não posso deixar
que a senhora seja tão cruelmente enganada. Essa moça insinuou-se em sua casa
interessada em seu marido. Descobri que ela era muito pobre antes dele
comprar-lhe a casa. Além da casa, mobiliada com luxo, deu-lhe dinheiro,
comprou-lhe jóias. Ela e a avó mudaram de vida. Claro. O Dr. José Luiz é
generoso!
Maria Helena passou a mão na testa como a querer libertarse daquela idéia.
A situação era tão angustiante que ela não queria acreditar. De repente, lembrou-
se: fora José Luiz quem sugerira Luciana como professora da filha. Ele
sempre se interessava pela moça, dedicava-lhe especial atenção.
— Meu Deus! — gemeu ela — Que horror!
Os olhos de Ulisses brilharam de satisfação enquanto ele dizia com voz aflita: —
Por favor, D. Maria Helena. Tenha calma. Sei que a situação é negra, mas não se
precipite. Precisa ser mais esperta do que ela. Afastá-la de sua casa e do
convívio de sua família. Acabar com essa imoralidade!
Lágrimas corriam pelas faces de Maria Helena, embora lutasse para as conter. A
violência da surpresa prostrava-a. Quando conseguiu controlar-se, disse com voz trêmula:
— Vou pensar. Encontrarei uma forma. Você verá. Obrigada por haver
me alertado.
— Lamento haver sido eu o portador. Contudo, não poderia ficar calado, diante
de tal ousadia.
— Obrigada, ser-lhe-ei eternamente grata. Agora vá, antes que alguém o veja
aqui comigo.
Ele saiu rápido, acomodando-se gostosamente na sala de estar, esperando por
João Henrique. Maria Helena, sentindo não poder conter-se, foi para seu quarto,
trancou a porta e atirou-se no leito chorando convulsivamente. As duas moças
saíram da sala de música e encontraram Ulisses. Maria
Lúcia sorriu com prazer indo abraçá-lo. Luciana cumprimentou-o com
um aceno de cabeça. Ulisses, bem-humorado, cortejou Maria Lúcia, dirigindo-
lhe galanteios e a moça não escondia o contentamento.
Luciana sentiu aumentar a preocupação. Sabia que Ulisses não amava Maria
Lúcia, temia que ela viesse mais tarde a sofrer por isso. Contudo, sentiu que não
podia fazer nada. Pensou em Suzane. Se ela pudesse ajudar! Teve vontade de sair
dali, ir para casa.
— Maria Lúcia, vou para casa.
— Que pena. Não vai ficar para jantar?
— Obrigada, meu bem, hoje não posso. Vovó me espera.
— Você disse que ia ficar... — fez ela, pesarosa.
— É, eu disse, mas lembrei-me agora que não posso. Fica para outro dia.
Despediu-se e saiu. Precisava ir para casa. Sentia um aperto no coração e não
sabia explicar por quê.
Quando ela saiu, Ulisses segurou a mão de Maria Lúcia dizendo:
— Deixe-a ir. Será melhor. Vem, sente-se a meu lado. Precisamos conversar.
Amoça corou de emoção. Ele prosseguiu:
— Sabe que está muito linda e que eu gosto muito de você?
— Você nunca disse.
— É. Eu estava cego. Depois, fui iludido pela sua melhor amiga.
— Luciana?
— Sim. Luciana. Há muito desejo falar-lhe sobre ela. Sabe que está apaixonada
por mim?
Maria Lúcia foi do rubor à palidez sucessivamente.
— Não é verdade! Ao contrário, ela sempre disse que não o aprecia. Aliás,
sempre pensei que você é que gostasse dela!
— Impressão sua. Eu gosto mesmo é de você. Várias vezes disse isso a ela.
Queria que me ajudasse a conquistar você. Sempre faz tudo que ela manda!
Maria Lúcia irritou-se:
— Não é isso, não. Sou dona do meu nariz. Sempre só faço o que quero. Nem
mamãe me vencia.
— Pois não parece. Luciana conduz você com facilidade. Ela me afastava do seu
lado, dizendo que você me detestava. Mas quando ela disse que me amava,
entendi tudo. Ela queria me afastar de você!
— Ela fez isso? — disse ela dolorosamente surpreendida.
— Fez. Sofri muito. Mas, agora, resolvi contar a verdade. Ela nunca foi sua
amiga. É falsa e interesseira.
— Não diga isso dela!
— Ainda a defende? Depois do que ela fez? Pois eu vou contar-lhe mais.
Maria Lúcia tapou os ouvidos:
— Não quero. Chega! Não suportarei!
— É um segredo. Posso confiar em você?
Ela hesitou. Desejava saber, mas ao mesmo tempo sentia medo.
— Não sei — disse.
— Então não conto. É um segredo muito sério.
— O que é?
— Jura que não conta a ninguém?
— Juro.
— Vou contar o que eu descobri sobre ela.
Ulisses contou a mesma história que a Maria Helena.
— Não pode ser. Não acredito!
— Juro que vi. Estou dizendo a verdade.
— Meu Deus. Que horror!
— Ela nunca foi sua amiga. Aproximou-se de você por causa de seu pai.
Quer o dinheiro dele, mas ao mesmo tempo, o meu amor. Acha que eu
podia concordar?
Maria Lúcia, pálida, coração apertado, não queria acreditar.
— Não pode ser — disse com voz sumida. — Você deve ter se enganado.
— Juro que é verdade. Gostaria de estar enganado. Sei como vocês a estimam.
Pensei muito antes de tomar essa decisão. Como esconder a verdade se vocês
são como minha família? João Henrique é meu melhor amigo. Respeito seus pais
como os meus próprios. Depois, há você que, quem sabe um dia, ainda será a
mãe de meus filhos!
O rosto pálido da moça coloriu-se de rubor. Apesar de tudo, ele a amava. Era por
ela que estava ali, tentando defender seu amor.
— Preciso pensar — disse ela — conversar com Luciana, saber a verdade.
— Duvida de mim? Acha que ela vai declarar-se culpada? Ela sempre tentou me
indispor com você. Nunca foi favorável ao nosso amor. Maria Lúcia reconheceu
que Luciana não se entusiasmava quando confidenciava seu amor por Ulisses.
— Minha mãe sabe?
— Sim. Contei-lhe tudo. Não podia permitir que ela continuasse sendo enganada dessa forma. Fiz mais, pedi-lhe que comprove a verdade. Não será difícil. Seu
pai vai sempre lá.
— Custo a crer. E D. Egle?
— Encobre a neta, certamente.
— É uma grande senhora, tem classe.
— Mas faz o que Luciana quer. Ela é astuciosa. Consegue tudo o que quer. Você
sempre a obedeceu!
— Eu sou livre. Sempre fiz o que quis.
— Pois não parece. Estou mostrando a verdade e você está tão cega por ela que
não consegue ver.
Maria Lúcia baixou a cabeça confundida. Percebia o fascínio que
Luciana sempre exercera em sua vida. Seria verdade? Estaria sendo enganada?
Teria sido manipulada todo esse tempo?
Ulisses abraçou-a com entusiasmo, procurando seus lábios. O coração batendo
forte, Maria Lúcia entregou-se a esse beijo que mil vezes sonhara receber; Sentia
as pernas trêmulas e forte calor no corpo. Ele amava-a! Que importância tinha o
resto? Sabia que o queria e que faria tudo para conservar o seu amor.
— Diga que me ama — pediu ele.
— Sim. Eu o amo! — confessou ela afinal.
— Isso é o que eu queria ouvir de seus lábios. Só peço para esperar um pouco
para contar à sua família. No momento, não tenho condições financeiras para
pedir sua mão. Seu pai é rico, tem posição. Não posso chegar a ele de mãos
vazias. Vamos namorar em segredo, por algum tempo. Só enquanto eu me
preparo. Assim que tiver condições, oficializo o pedido.
Maria Lúcia ouvia-o fascinada.
— Mal posso acreditar — disse enlevada.
— É verdade.
— Acha que vai demorar? Gostaria de gritar a todos a nossa felicidade.
— Eu também. Tenho alguns negócios que se se efetivarem, brevemente farei o
pedido.
— Sinto-me tão feliz! Apesar da desilusão com Luciana.
— Prometa-me que não mais a receberá nesta casa.
— Não sei. Precisamos conversar. Há muitas coisas que eu gostaria de dizer-lhe.
— Por favor, não! Será doloroso para você. Desejo poupá-la. Depois, tenho
medo. Ela não vai conformar-se em ser desmascarada. Fará tudo para enganá-la
de novo. Vai querer nos separar. Não posso permitir.
— Se ela vier, não posso deixar de esclarecer tudo.
— Prometa que não a receberá. Jure que pelo menos desta vez não obedecerá
aos desejos dela!
— É difícil.
— Vê como está dependente?
— Não sou dependente.
— É. Só faz o que ela quer.
— É mentira.
— Então prove. Está sabendo que ela os enganou o tempo todo, é sem caráter,
desrespeitou sua mãe, impediu nosso amor e ainda assim quer justificá-la? Dar-
lhe chance de enganá-la de novo? A verdade é que você é medrosa. Não quer
admitir que perdeu a muleta. Pendurou-se nela para sair da sua timidez. Você
não precisa mais dela. Eu estou aqui e a amo: Desejo seu bem, a sua felicidade.
Sua mãe precisa da sua compreensão. Quer ver D. Maria Helena desrespeitada?
— Está bem, reconheço que tem razão.
— Prometa que não a procurará, nem a receberá aqui.
— Está bem. Prometo.
— Isso. Assim é melhor. Eu estou cuidando da sua felicidade e do bem-estar da
sua família. Agora lembre-se: mantenha nosso segredo. Virei vê-la sempre que
possível.
Quando Ulisses se foi com João Henrique, Maria Lúcia, em seu quarto, revivia o
que acontecera com detalhes. Sentimentos contraditórios afluiam em seu
coração. Amava Luciana. Como pudera enganar-se a tal ponto? Ela sabia de seu
amor por Ulisses e, agora percebia claramente, tentara sempre desencorajá-la.
Por quê? Também se apaixonara por ele. Podia entender isso, mas imaginá-la
nos braços de seu pai, chocava-a muito mais. ‘Como? Sempre tão discreta,
mostrando-se espiritualizada, falando com dignidade e vendendo seu amor a um
homem casado, cuja casa freqüentava e era recebida carinhosamente?
Esse comportamento era aviltante. De fato, Ulisses estava certo, ela não merecia
nenhuma consideração. Sabia que seu pai não tinha um bom relacionamento
com a mãe. Percebera muitas coisas que agora apareciam mais claras, mas
apesar dos desentendimentos, Maria Helena nunca deixara de ser esposa correta
e dedicada.
Ela própria fazia algumas restrições à mãe cuja educação formal e voltada às
regras, a irritava. Mas, conhecia-lhe a honestidade e a dedicação à família. Podia
compreender que seu pai tivesse alguma aventura fora do lar. Sempre ouvira
dizer que a maioria dos homens casados tinham amantes para satisfazer seus
íntimos desejos sexuais.
Coisas que as esposas não se permitem fazer. Sua mãe, tão fria e formal,
seria uma dessas? O que não aceitava era que fosse com Luciana, jovem,
bela, culta, que por certo poderia escolher um homem livre para casar-se! E
ainda trazê-la para dentro da própria família. Isso era demais!
Podia avaliar como sua mãe estava se sentindo. Que horror! Como haviam sido
enganadas! Ulisses a libertara dessa situação. Ulisses! Logo estariam casados e
felizes! Como seria bom!
— Não serei uma esposa dessas — considerou. — Meu marido não vai precisar
ter amante. Certamente isso não acontecerá comigo. Nos
amaremos eternamente. Viveremos um para o outro.
Luciana chegou em casa um pouco indisposta. Sentia o coração apertado,
oprimido, e uma ponta de angústia. Egle percebeu logo.
— Você não está bem. O que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Não, nada. Mas, sinto-me angustiada. Não sei o que é. Parece que, de repente,
caiu sobre mim um peso.
— Energia pesada.
— É. Só pode ser. Não sei, vovó. O Ulisses apareceu lá. Aquela cena ainda não
me saiu da lembrança.
— É uma pena que você teime em guardar segredo com José Luiz. Não percebe
que é prejudicial?
— Sabe, vovó, ele estava rodeando Maria Lúcia, fazendo-lhe a corte. Ela está
apaixonada por ele. Pode corresponder. Já pensou que tristeza?
— Alguém precisa prevenir Maria Helena. Ela sempre tão cuidadosa agasalha
em casa aquele patife.
- Não tenho coragem. Não gosto de delatar ninguém. Confio em Deus. Pedirei a
mamãe que nos ajude a proteger Maria Lúcia.
— Se prefere assim... Em todo caso, José Luiz deveria saber.
— Não, vovó. Entreguemos nas mãos de Deus. Em se tratando de pessoas e
sentimentos, só ele sabe o que vai dentro de cada um.
A campainha soou e Egle foi abrir. Voltou alegre com uma carta nas mãos. — É
de Margarida Fontes. Convida-nos para almoçar com eles no domingo.
Luciana corou de prazer.
— Que bom! Iremos com certeza!
— Claro. Vou telefonar agradecendo e dizer-lhe que aceitamos.
— Vou usar aquele vestido rosa novo, o que acha?
— Lindo! Estou pensando em levar umas flores. Aquele vaso de orquídea.
— Vovó! Você vai dar-lhe suas orquídeas? Bom sinal esse.
— Sente-se melhor agora?
— Sim. Apesar que a opressão permanece. É como se uma tempestade fosse
desabar sobre minha cabeça.
— Seja o que for, a vida sempre faz o melhor.
— É verdade. Confio em Deus. O mal é só ilusão. Jamais nos atingirá.
No dia seguinte, à tarde, um mensageiro tocou a sineta da porta e Luciana foi abrir. Entregou uma carta endereçada a ela. Abriu-a e leu:
“Cara Luciana. Eu, Maria Lúcia e João Henrique, resolvemos viajar por algum
tempo. Por essa razão, nossa casa permanecerá fechada. Avisaremos o nosso
regresso. Respeitosamente, Maria Helena”.
— É estranho. — disse Luciana — O que terá acontecido?
Egle apareceu na sala:
— O que foi?
— D.Maria Helena fechou a casa, viajou com Maria Lúcia e João Henrique.
— Para onde?
— Não sei. Não disse. Estranho, ontem ninguém falou nada sobre isso.
Sequer contou para onde. Maria Lúcia nem me mandou uma palavra
sequer. Não lhe parece esquisito?
— É... Teria acontecido alguma coisa? José Luiz foi com eles?
— Não sei. Ela não disse.
— Algum parente de fora pode ter adoecido.
— Pode. Não sei, mas sinto voltar o aperto no coração quando penso nisso.
Alguma coisa ruim está lhes acontecendo, sinto isso. Meu Deus, o que será? —
Podemos fazer uma concentração e rezar por eles.
— Faremos isso, vovó. D. Maria Helena está muito angustiada, visualizo seu rosto
muito triste. Algo está acontecendo a ela. Se ao menos eu pudesse ver o que é!
— Acalme-se, Luciana. Seja o que for, confiemos em Deus. Ele não faz sempre
o melhor?
— Tem razão, vovó. Se ao menos soubéssemos para onde foram...
— Seja o que for, não está em nossas mãos resolver. Faremos a nossa parte.
Criarèmos pensamentos de bem-estar, de alegria e de felicidade; mandaremos a
elas essa energia. Lembre-se que se você sente o problema dela é para que o
suavize mandando energias renovadoras. É só o que podemos fazer.
— Tem razão, vovó. Faremos isso agora mesmo.
Sentaram-se na sala e Egle fez comovida oração. Depois, em silêncio, as duas
tentaram visualizar Maria Helena e os filhos, radiantes de felicidade.
Luciana, pensando nelas, sentiu um amor muito grande por elas. Amava-as.
Empolgada por esse sentimento, abraçou-os um a um, expressando o que lhe ia
na alma.
Sentiu-se muito bem depois disso. Toda angústia e opressão desapareceram do
seu coração. Suzane, a seu lado, abraçou-a carinhosamente dizendo-lhe ao
ouvido:
— Isso mesmo, filha. Dê-lhes amor e confie em Deus. As experiências
amadurecem e são necessárias. Compreenda.
Luciana sorriu.
— Mamãe veio — comentou.
— Sim. Eu senti.
— Agora está tudo bem. Seja o que for, sinto-me em paz.
— Eu também.
Tranqüilas e alegres, planejaram a visita aos Fontes no domingo. Egle notou com
satisfação que Luciana mostrava-se entusiasmada e mais interessada do que o
habitual. Na noite seguinte, José Luiz procurou-a com satisfação.
— Sinto-me sozinho, — foi dizendo logo ao sentar-se na cômoda poltrona da sala
de estar.
— Posso avaliar. Recebemos uma nota de D. Maria Helena. O que aconteceu? —
indagou Luciana. — Estive lá anteontem e Maria Lúcia não disse nada. Para
onde foram?
— Para Petrópolis. Foi de repente.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não. Maria Helena se disse cansada. Pensou que os ares da Serra lhe fariam
bem. Estava um pouco abatida.
— Vão demorar?
— Não sei.
— Tenho impressão que algo aconteceu. Eu sinto. Algum desgosto.
Quando penso em D. Maria Helena, sinto um aperto no coração. José Luiz
sacudiu a cabeça.
— Você está enganada. Não houve nada. Ao contrário, nunca estivemos tão bem
— ele parou, hesitando um pouco.
— Ficaria muito feliz em saber que as coisas melhoraram para vocês — disse
Egle com suavidade. — Maria Helena é uma mulher maravilhosa, você é um
homem de sorte.
— Agora, eu sei disso. Suzane não volta mais. Não posso viver só do passado. Sou
humano.
— Tenho a certeza de que mamãe sempre desejou a felicidade de vocês.
Penso até que se sentia triste, sendo um obstáculo a essa felicidade. A conversa
continuou amena e agradável. José Luiz sentia -se bem ali, naquele ambiente de
compreensão e carinho. Foi ficando. Era muito tarde quando saiu. Luciana
acompanhou-o à varanda.
— Você é a luz da minha vida — disse ele olhando-a com amor. — Só comecei a
ser feliz depois que a encontrei. Deus a abençoe.
Abraçou-a demoradamente beijando-a na face. Saiu, entrou no carro e sequer
notou que do outro lado da rua havia um outro carro, cortinas descidas, às
escuras.
Maria Helena estava lá, ao lado de Ulisses.
— Então, — disse ele depois que José Luiz se foi — ainda duvida?
Maria Helena torcia as mãos frias e procurava controlar suas emoções.
Não queria que Ulisses percebesse a que ponto se sentia infeliz.
— Sim — disse por fim. — Não há como duvidar.
— O que pensa fazer?
— Voltar para Petrópolis agora mesmo. Não quero que João Henrique saiba de nada. Não vai aceitar isso. Preciso pensar...
Logo agora que ele se relaciona melhor com o pai! Não quero que
se desentendam.
— A senhora é uma grande dama. Quanto mais a conheço, mais a admiro.
— Não há nada mais importante para mim do que a família. Farei tudo para
preservá-la. Espero contar com sua discrição de homem de bem. Quero que jure
que não contará esta história a ninguém mais.
Ulisses apressou-se a jurar. Convinha-lhe que ninguém mais soubesse.
— E quanto a Luciana? — indagou ansioso.
— Vou pensar o que fazer. Nunca mais porá os pés em nossa casa, eu garanto.
— Mas João Henrique e o próprio Dr. José Luiz desejarão saber o motivo. Vai
falar a verdade?
— Não. Seria a humilhação maior. Seria descer da minha dignidade de mulher.
Descobrirei um jeito, verá.
Perdida em seus pensamentos íntimos, Maria Helena não notou o ar de satisfação
de Ulisses.
— Vamos embora, — pediu. — A estrada é longa.
— Como queira.
Em minutos o carro desaparecia na curva da rua.
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Quando a Vida Escolhe
EspiritualConheça a história da doce Luciana e aprenda, por meio dessa adorável personagem, que cada um de nós é a própria vida tornando-se realidade. Isso quer dizer que, quando escolhemos, é a vida escolhendo em nós. A vida jamais erra. Assim, seja qual for...