Capítulo 11

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José Luiz abriu os olhos e olhou ao redor admirado. Estava no quarto de sua
mulher. Subitamente recordou-se de tudo. Sentiu-se um pouco desconfortável. O
vinho, o champanhe, o baile, tudo contribuíra para quebrar o gelo entre ele e
Maria Helena.
Ela já levantara. Ele remexeu-se no leito, inquieto. Aquela noite havia
sido mágica. Tantas coisas boas acontecendo! Maria Helena estivera diferente.
Havia vida em seu rosto e uma chama ardente em seus lábios, que ele não
se lembrava de ter visto antes. Sentira-se atraído por ela, e a lembrança
dos momentos vividos juntos, era-lhe muito agradável.
Reconhecia que bebera um pouco além do habitual e ela também. A bebida, às
vezes, podia ser reveladora. Luciana teria razão? Maria Helena sob a frieza
esconderia uma alma ardente e apaixonada? Brando calor invadiu-lhe o peito.
Haveria esperança para eles? Mesmo sem amá-la, poderiam relacionar-se
melhor? Como estaria ela? O que pensaria da noite anterior?
José Luiz sentia-se grato. Reconhecia que sempre recebera dela muito mais do
que lhe dera. Levantou-se apressado. Olhou o relógio sobre a mesa de cabeceira.
Passava das doze e logo seria servido o almoço. Tomou um banho, vestiu-se e
desceu para a sala. Encontrou Maria Helena folheando uma revista.
— Bom dia — disse.
— Bom dia.
Ela pareceu-lhe como sempre. Serena e educada. Queria dizer alguma coisa,
mas conteve-se.
— Desculpe o atraso, — disse por fim. — Os outros já se levantaram?
— As moças estão no jardim com João Henrique. Comentam o baile,
com certeza. As duas fizeram muito sucesso.
— É verdade. Não foram só elas que fizeram sucesso. Você também estava
muito bonita.
Maria Helena estremeceu. Ficou calada durante alguns segundos, depois disse: —
Estava muito feliz. A festa estava linda. Até Maria Lúcia parecia haver saído de
um conto de fadas.
— É verdade. Como está ela hoje?
— Muito bem. Nem parece a mesma. Luciana sabe lidar com ela.
— Essa moça é uma bênção. Onde toca, transforma para melhor.
— Vejo que a admira.
— Por certo. Gosta de Maria Lúcia, dedica-se a ela com carinho, é educada,
atenciosa, discreta. Sou-lhe muito grato por tudo de bom que tem feito por nós.
— Eu também a aprecio.
José Luiz aproximou-se, tomando-lhe a mão, levando-a aos lábios
com galanteria.
— Obrigado — disse.
Ela olhou-o assustada; ele prosseguiu:
— A noite de ontem foi muito agradável. Desejo que tenha apreciado.
Maria Helena não soube o que responder. Ficou quieta, olhando-o. Percebendo
seu embaraço, ele tornou com naturalidade:
— Estamos na hora do almoço. A que horas vai mandar servir?
— Agora, se desejar.
O almoço decorreu agradável, o ambiente, alegre. João Henrique mais loquaz do
que o habitual e Maria Lúcia, feliz e bem-humorada, contribuía muito para isso.
Só Maria Helena estava mais calada e pensativa. José Luiz observava-
a disfarçadamente. Teria ela se arrependido pelo arroubo da noite anterior?
A conversa decorria com animação. A certa altura, João Henrique mencionou
Maria Antonieta. Maria Helena evitara tocar nesse assunto.
Condescendia em aceitar aquela extravagância do filho. Ele sempre fora
moço correto e de bons costumes. Seria uma vaidade, exibir-se publicamente
com aquela atriz. Capricho, nada mais. Levantou a cabeça ao ouvi-lo perguntar:
— O que acharam de Antonieta? Ela é maravilhosa!
Maria Helena franziu a testa, e José Luiz apressou-se a dizer:
— De fato. É uma bela mulher. Excelente atriz. Canta e dança divinamente.
— Você já a viu no palco?
— Já. Ela faz jus á fama que tem. Ë Conhecida em toda Europa. Representa em
francês com perfeição.
— Ela está pensando em deixar o palco, — Continuou João Henrique. — Sua
Companhia parte daqui alguns dias, mas ela ficará.
— Por que faria isso no auge dá fama? — indagou José Luiz.
— Ela é mulher. Para as mulheres o amor, o lar, os filhos estão em primeiro
lugar. Pretende dedicar-se à vida em família.
— Não sabia que ela era casada — Considerou José Luiz.
Maria Helena ouvia em Silêncio. João Henrique sorriu:
— Ela não é. Vai trocar a fama, o dinheiro, tudo pelo amor. Vai casar-
se brevemente.
— Sabe com quem?
João Henrique ficou sério e calado por alguns instantes, depois
disse pausadamente.
— Comigo. Pedi sua mão, e ela aceitou.
Houve um silêncio constrangedor. Luciana baixou os olhos para o prato, Maria
Lúcia e José Luiz olharam o rosto de Maria Helena que pálida não escondia seu
estupor. Levantou-se, aproximou-se do filho, olhos brilhantes de emoção:
— Você está brincando conosco. Não acredito que esteja dizendo a verdade.
Ao que João Henrique respondeu calmo:
— Eu estou. Amo Antonieta. Ela é a mulher da minha vida. Vamos nos casar.
Vendo a palidez de Maria Helena, José Luiz interveio Conciliador.
— Deixem este assunto para depois. O momento não é apropriado.
Terminemos a refeição e conversaremos.
— Obrigado, papai. Apreciaria muito que me ouvisse e compreendesse.
Maria Helena fez um esforço enorme para conter-se. Reconhecia que o marido
tinha razão. Não podiam tratar de assunto tão preocupante diante das duas moças
e dos criados.
Sentou-se de novo, continuando a refeição. Porém a harmonia fora quebrada.
Terminaram em silêncio. Luciana pediu licença para retirar-se, agradecendo a
hospitalidade. José Luiz fez questão de mandar o carro levá-la em casa. Maria
Lúcia foi para o quarto, e os três reuniram-se no gabinete de José Luiz para
conversar.
José Luiz estava contrariado e apreensivo. Seu filho apaixonara-se pela mulher
errada. Não era só pelo fato dela ser mais velha do que ele. Ela
havia experimentado o gosto da fama, o prazer de ser aplaudida, admirada. Era
de educação européia. Aceitaria a vida burguesa que João Henrique
podia oferecer? Renunciaria às viagens, ao luxo, ao ambiente artístico, liberal
e excitante, pela vida familiar monótona do Rio de Janeiro? Custava a crer.
Por outro lado, reconhecia que não tinha direito de impedir que o filho casasse
com a mulher amada. Fora por causa dos preconceitos sociais que ele se casara
sem amor e não desejava que o mesmo acontecesse com o filho.
Não sabia como agir. Maria Helena jamais concordaria.
Com gestos lentos, fechou a porta, enquanto Maria Helena e o filho sentavam-se
tensos nas poltronas diante da mesa atrás da qual ele sentou-se por sua vez.
Olhando os dois calados, disse:
— Agora você pode nos esclarecer quanto ao assunto de D. Maria Antonieta.
João Henrique tornou com voz firme:
— Eu a amo. Pedi-lhe que se case comigo.
— Não pode estar falando sério — considerou Maria Helena.
— Estou, mamãe. Ela é o grande amor da minha vida. Sofri muito pensando que
ela pudesse não aceitar.
— O que diz não tem cabimento. Uma mulher de teatro! Da vida noturna. Não
pode pensar em dar-lhe o nosso nome!
— Sinto que você pense assim. Ela é uma moça honesta e digna de usar qualquer
nome.
— Ela não pode amá-lo! Com certeza está interessada em dinheiro, conhece
nossa posição social!
João Henrique indignou-se:
— Mamãe! Como pode dizer uma coisa dessas? Ela é rica, famosa, amada, não
precisa dos nossos haveres para nada! É uma honra que ela renuncie a tudo para
casar comigo! Eu é que não a mereço!
Maria Helena olhou-o furiosa:
— Você está cego! Não pode acreditar nisso. Não vê que ela não pertence à
nossa classe? Esse casamento nunca daria certo! Faria a sua infelicidade! Não
posso consentir que faça essa loucura. Que jogue sua vida fora, amarrando-se a
uma mulher de má vida!
João Henrique trincou os dentes com raiva:
— Não admito que fale de Antonieta dessa forma. É imprudência de sua parte
julgar tão severamente alguém que sequer conhece.
Maria Helena voltou-se para o marido, nervosa:
— José Luiz, faça alguma coisa. Ele está enfeitiçado por essa mulher!
— Deixe-nos a sós. — pediu ele. — Acalme-se. Tome um chá, descanse.
Você está muito nervosa, não é bom conversar sobre isso agora, Vá
descansar um pouco.
Maria Helena levantou-se.
— Faça-o Compreender que está errado, — pediu com voz súplice. — Por
favor! Não se preocupe. Depois falaremos.
Conduziu-a até a porta fechando-a e Voltou a sentar-se frente ao filho.
João Henrique abanou a cabeça nervoso:
— Ela não entende, papai.
— Não culpe sua mãe. Devemos convir que o que pretende não é muito comum.
— Várias vezes conversamos sobre o amor. Ela sempre pedia para que eu só me
casasse quando amasse de verdade. Agora que aconteceu, não quer aceitar.
— Ela teme pela sua felicidade futura. Acredita que uma moça de teatro não
seja feita para o casamento.
— Ela acha que uma artista não pode ser digna e honesta.
— Não se trata disso. A vida familiar exige certo grau de sacrifício, de dedicação
e até de renúncia. Ela tem um preço. Essa moça estará em condições de querer
pagar? Após haver vivido livre, coberta de glórias, de aplausos, aceitará a vida
burguesa que pode oferecer-lhe?
João Henrique não se deu por achado:
— Ela também me ama. Estará feliz onde eu estiver, com o que eu lhe oferecer.
Talvez você não possa compreender. Sei que não se casou com mamãe por amor.
José Luiz sentiu a velha mágoa voltando. Olhou nos olhos do filho, dizendo com
sinceridade:
— Amei muito uma mulher, infelizmente ela morreu. Entretanto, gosto de sua
mãe e temos vivido bem.
João Henrique surpreendeu-se. O pai não era insensível como sempre pensara.
Sua frieza escondia um amor impossível.
— Sinto muito, meu pai. Não sabia. Nesse caso, pode compreender o que sinto
por Antonieta. Se a perder, nunca mais amarei outra mulher. Serei infeliz pelo
resto da vida.
— Não seja tão radical. Na mocidade, nos apaixonamos várias vezes
e confundimos os sentimentos. Como sabe que seus sentimentos para com
essa moça são profundos e verdadeiros? Reconheço que ela é belíssima,
tem talento, atrai, cativa. Você pode ter se entusiasmado com tudo isso. Pode
ser até que se ela renunciar a tudo por você, saindo desse ambiente mágico
do teatro para o cotidiano da vida familiar, venha a desiludi-lo e seu
entusiasmo desapareça. E o que era sonho transforme-se em pesadelo.
— Isso nunca acontecerá, eu juro!
— Se acontecer, ela o odiará. Como devolver-lhe tudo quanto ela deixou por sua
causa?
João Henrique passou a mão pelos cabelos num gesto inquieto.
— Por que me confunde dizendo essas coisas? Claro, pensa como mamãe. Quer
“salvar” o nome da família . É o preconceito da nossa sociedade podre e de
fachada. Luto pela minha felicidade. Não estou interessado no que os outros
possam dizer.
— Calma, meu filho. Não estou contra você, nem contra seu casamento.
Contudo, minha experiência de vida faz brotar esses pensamentos. Tenho dúvidas
quanto ao futuro. Desejo sua felicidade.
Gostaria que não se precipitasse..
— Você duvida do meu amor por ela.
— Sei que é sincero. Acaba de graduar-se. Precisa consolidar sua situação
financeira para que possa casar-se. Claro que lhe darei uma casa, alguns
haveres, mas quem quer família precisa mantê-la. Principalmente casando-se
com uma moça habituada ao luxo e ao conforto. Para que se sinta digno, precisa
Sustentá-la com o mesmo nível.
— Tenho pensado nisso — revelou o moço, preocupado
José Luiz continuou com voz calma:
— Certamente. Precisa fazer carreira, e isso requer certo tempo.
João Henrique estava surpreendido. Não esperava encontrar justamente no pai
tanta compreensão. Sentiu-se confortado. Ele referia-se a Antonieta
com respeito. Talvez o ajudasse convencer a mãe.
— Você consente que eu me case com ela?
José Luiz ficou silencioso durante alguns instantes, depois disse:
— Se você realmente a amar e proceder com bom senso, darei
o consentimento. O rosto do moço distendeu-se: Obrigado, papai. Não esperava
que me apoiasse.
— Desejo sua felicidade. Contudo, precisa cuidar do seu futuro.
Nesse casamento para sentir-se bem, precisa ter o que oferecer à sua mulher.
Não pode começar uma vida em comum sentindo-se inferiorizado,
diminuído achando que ela perdeu quando o aceitou para marido.
João Henrique levantou-se e apertou a mão do pai com entusiasmo.
— Obrigado, meu pai. Nunca se arrependerá de haver confiado em mim.
— Muito bem. Amanhã mesmo, trataremos do seu futuro, da sua carreira.
— Trabalharei ativamente. Sabe como desejo modificar a face desta cidade.
Antonieta será a minha musa e o meu troféu. Conto com você para abrandar
mamãe.
— Farei o possível. Precisa ter paciência com ela.
O filho saiu entusiasmado, e José Luiz permaneceu pensativo. Tentara contornar
a situação. No fundo, não acreditava que aquela mulher experiente e livre
concordasse em casar-se com um jovem um tanto provinciano e até certo
Ponto ingênuo. Queria dar tempo, pensando que o assunto se resolveria por
si mesmo. Em todo caso, se eles se amassem de verdade, ele de fato os ajudaria.
Seria a forma de redimir-se dos seus enganos passados.
Procurou Maria Helena e encontrou-a no quarto. Rosto pálido, estava longe de
ser aquela mulher fria e senhora de si. Vendo-o, indagou ansiosa:
— E então? Conseguiu esclarecê-lo?
— Calma. Vamos nos sentar.
Lado a lado, ele continuou:
— Conversei com ele, ponderei todos os pontos.
Narrou à esposa minuciosamente tudo quanto conversaram. Quando terminou,
ela considerou:
— Você deu o consentimento! Não podia fazer isso de forma alguma!
— Tentei contornar a situação. Ele está determinado. Não ouvirá nada contra o
que pretende. Se eu houvesse sido radical, ele teria chegado a extremos que não
desejamos. Um jovem apaixonado não atende ponderações.
Conseguindo adiar esse casamento, conto com o tempo para que ele perceba o
quanto está enganado.
— E se ele não desistir? E se ela o envolver cada vez mais?
— Quanto tempo ela agüentará a ausência do palco, das festas e noitadas para ficar como uma donzela namorando seu jovem apaixonado?
— Pensa mesmo isso? Não acha que ela quer casar com ele por causa do nosso
nome e da nossa posição?
— Uma mulher como ela tem muitos apaixonados, tão ricos ou de posição
quanto João Henrique.
— Não tão ingênuos a ponto de casar-se.
— Aí é que eu tenho dúvidas. Será que ela realmente deseja casar-se?
Prender-se a monotonia da vida familiar? Uma mulher como ela, habituada
a brilhar, a viver grandes emoções...
Maria Helena abanou a cabeça:
— Não sei, não.
— Você é mãe. Olha João Henrique com amor. Para ela, ele é apenas um jovem
provinciano apaixonado.
— Acha que não chegarão ao casamento?
— Acho. Penso que não será de bom alvitre contrariá-los, mostrar que não
queremos. Isso pode fazer com que ele persista. As mulheres são orgulhosas. Se
ela perceber que não a aceitamos, pode ofender-se e desejar nos contrariar,
dominando João Henrique e manejando-o à vontade.
— Meu Deus, — suspirou ela — como nos aconteceu uma coisa destas?
Logo ele, tão bom e tão ajuizado!
— Ele é jovem, cheio de ilusões. Está fascinado.
— Não vou tolerar a presença dessa mulher!
— Faça um esforço. Não é prudente mostrar desagrado. Um amor contrariado
exacerba a fantasia.
Maria Helena engoliu a revolta e esforçou-se por aceitar. Não podia perder o
amor do filho. Ele deixara claro o que pretendia. Depois, José Luiz estava certo.
Ela teria mais possibilidades de êxito se não o contrariasse.
Suspirou tentando resignar-se.
— Farei o possível — tornou — por amor a ele.
José Luiz sentiu-se aliviado. Não gostava de discussões ou queixas. Era avesso a
situações conflitantes.
— Melhor assim — disse. — Com calma haveremos de encontrar uma saída.
Pode ser que o tempo se encarregue de colocar tudo nos devidos lugares.
Nos dias que se seguiram, João Henrique mostrou-se radiante.
Informado que Maria Helena não se oporia à realização de seu casamento,
deu largas ao júbilo que sentia, mostrando-se afetivo, bem-disposto, feliz,
cercando todos de gentilezas e agrados.
Interessado em trabalhar e criar condições para sustentar Antonieta no luxo a que
se habituara, procurou o pai, disposto a ouvir-lhe os conselhos objetivando seu
progresso profissional. Pela sua situação financeira, seu nome, podia estabelecer-
se com um escritório, trabalhando por conta própria. No entanto, não tinha
experiência profissional ainda que inspirasse confiança a clientes para os grandes
projetos. Costumeiramente, eles davam preferência a engenheiros experientes e
com anos de trabalho reconhecido e comprovado.
Nunca contratariam um recém-formado. Sabendo disso, José Luiz aconselhava-o
a iniciar-se, engajando-se em um grupo respeitado onde pudesse participar,
aprender, até que aos poucos fosse se revelando com projetos próprios.
João Henrique reconhecia que o pai estava certo, entretanto, sujeitar-se a um
emprego dessa ordem, o faria esperar muito tempo para conquistar o
que pretendia. Ele preferia o caminho mais rápido. José Luiz considerava:
— Precisa dar tempo ao fruto de amadurecer. Para conquistar o que pretende,
terá que trabalhar muito, mostrar seu talento. Sei que você é capaz e vai vencer.
João Henrique fez um gesto de contrariedade:
— Quantos anos levarei para conseguir?
— Tem medo que D. Maria Antonieta mude de idéia?
— Não. Claro que não. Antonieta me ama. Eu é que não quero esperar muito.
Vivo sonhando com o nosso casamento. Não, papai. Terá que ser de outra forma.
— O que sugere então?
— Um cargo público bem remunerado. O senhor tem amigos
influentes. Arranje-me algo e não se arrependerá. Não pretendo encostar-me na
função. Tenho capacidade, sei que posso corresponder ao posto.
— Não posso passar por cima de pessoas qualificadas que estão exercendo seus
cargos. Não será tão fácil como pensa.
— Sei que tem prestígio. Se empenhar-se, conseguirá. Prometo que depois do
casamento, continuarei a esforçar-me. Um dia, conseguirei o que almejo.
José Luiz não quis prolongar o assunto. Ser-lhe-ia fácil conseguir o que o filho
pretendia. No entanto, não desejava contribuir para apressar um casamento que
pressentia inadequado. intimamente estava disposto a simular e retardar o mais
possível o que ele lhe pedia.
— Vou pensar no assunto — respondeu por fim.
— Obrigado, papai. Sei que conseguirá.
Foi com Luciana que José Luiz conversou expondo seu ponto de vista. A filha
ouviu-o com atenção, depois considerou:
— Acredita mesmo que essa união será infeliz?
— Não posso afirmar. Entretanto, tenho experiência suficiente para perceber que
João Henrique não é o tipo de homem que a inspirasse a largar tudo o que
conquistou e gosta, pela vida pacata do lar.
— É um belo rapaz, ama-a arrebatadamente.
— Nem sempre é o bastante. Ele é muito inexperiente; ela é vivida. Ë livre,
conhece o mundo inteiro, tem outras opções de vida. João Henrique
é provinciano, até certo ponto ingênuo, e o que acho pior, pretende afastá-la
do palco, definitivamente. Quando me recordo dela no palco,
magnífica, recebendo aplausos, cheia de vida, sinto medo. Quanto tempo ela
suportará sem pisar o palco? Quanto tempo suportará a mediocridade dos nossos
salões, sem ser o foco das atenções, tornando-se uma mulher comum?
— Você pode ter razão. Contudo, e se for verdade? Se o sentimento que ela nutre
por ele for verdadeiro e tão forte que ela o coloque em primeiro plano, e supra
todas suas necessidades?
— Se for assim, serei o primeiro a aceitar. Por isso quero dar tempo. Preciso certificar-me da verdade.
Luciana permaneceu alguns instantes pensativa, depois disse:
— Tem razão, papai. Se eles se amam de verdade, o tempo os aproximará ainda
mais.
— Caso contrário, teremos evitado muitos aborrecimentos. Quanto a
Maria Lúcia, obteve sucesso total. Ainda não me recuperei da surpresa.
Luciana sorriu contente.
— Eu lhe disse que ela poderia desabrochar.
— Jamais pensei que ela fosse tão bonita. Como não percebi isso antes?
Luciana fitou-o carinhosamente:
— Geralmente nós não procuramos ver o que há atrás das palavras e atitudes das
Pessoas. Nos contentamos com as aparências.
José Luiz pensou em Maria Helena. Começava a suspeitar que, também com
relação a ela, havia se enganado. Respondeu devagar:
— Começo a acreditar que tem razão. As pessoas nos Surpreendem.
— Por que diz isso?
— De repente tudo se modificou ao meu redor. Maria Lúcia ficou
linda, inteligente, normal; João Henrique, sempre sério, ponderado, sóbrio, cheio
de idéias convencionais, apaixonado por uma cantora, disposto a colocar
esse amor acima de tudo. Maria Helena...
Ele hesitou, e ela o encorajou:
— D. Maria Helena?
— Bem, ela, de repente perdeu aquela frieza, aquela pose de dona do mundo,
revelou-se mulher.
Luciana fixou-o com os olhos brilhantes.
— Você agora começa a perceber que todos nós somos apenas
pessoas; amamos, sentimos, desejamos ser felizes.
— Ainda não estou certo. Aquela noite foi mágica. Tudo parecia diferente.
Nós bebemos um pouco.
— O suficiente para fazer cair as barreiras do orgulho.
— Pode ser.
Luciana, num gesto afetuoso, segurou a mão do pai:
— Foi uma noite feliz!
— Sim. Muito feliz.
— Você pode fazer de sua vida uma felicidade constante. É só querer.
José Luiz comoveu-se e apertou a mão dela fortemente.
— Eu gostaria! Mas temo que esse encanto se desfaça.
Ela sacudiu a cabeça negativamente.
— Não creio. Você tem uma família maravilhosa. Basta abrir o coração
e perceber isso.
— Você foi a luz que Deus colocou em minha vida. Com seu carinho, tudo se
modificou.
— Gosto muito de Maria Lúcia e sinto-me feliz por havê-la apoiado.
— Você é muito querida por todos nós. Até João Henrique e Maria
Helena capitularam. Sinto-me muito bem por isso.
Quando José Luiz retirou-se meia hora depois, sentia-se sereno e muito satisfeito,
com a impressão que dali em diante, tudo em sua vida iria melhorar.

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