Capítulo 15

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Maria Helena entrou no quarto do filho com um sorriso nos lábios e disposição.
Enquanto abria as janelas, foi dizendo:
— Bom dia, meu filho. Está um lindo dia, cheio de sol. É hora de você sair desse
quarto. Chega de cama. Vamos, levante-se.
João Henrique levantou a cabeça contrariado, passou a mão pelos cabelos e
tornou a mergulhar no travesseiro.
A voz de Maria Helena tornou-se súplice:
— Vamos, meu filho. Não deixarei que fique deitado nem mais um minuto. Você
nunca foi preguiçoso.
— Deixe-me em paz — resmungou ele.
— Você não pode continuar fechado nesse quarto. Precisa reagir. Vamos,
levante-se.
Ela tentou puxar as cobertas.
— Pare com isso — disse ele com raiva. — Se insistir, vou para a rua e não volto
mais. Deixe-me em paz.
Maria Helena sentiu que ele falava sério. Fez um gesto de desalento e sentiu
vontade de chorar. Controlou-se a custo. Saiu do quarto sentindo que não
conseguia reter as lágrimas. Luciana e Maria Lúcia a encontraram prostrada, na
sala de estar.
— D. Maria Helena, a senhora está triste. Aconteceu alguma coisa?
— João Henrique não quer sair do quarto. Tentei ajudá-lo, mas ele ameaçou ir
embora de casa. Ele está transtornado! Aquela mulher desgraçou nossa vida!
— A senhora não acredita nisso — esclareceu Luciana.
— Jamais vi meu filho desse jeito. Está acabado.
— De forma alguma! — A voz de Luciana era enérgica. —Não deve deixar-se abater. Afaste de seu coração esse pensamento. Ele vai reagir, por certo. — Eu quero ajudar.
— É preciso dar um tempo para que ele amadureça. E isso é só ele mesmo
quem pode escolher.
— Ele não vai sair sozinho dessa mágoa. Está ferido.
— A verdade machuca, mas sempre é mais proveitosa do que a ilusão. Vai
chegar a hora em que ele, esgotada essa fase, desejará sair dela e tudo
se resolverá.
— Não posso ficar de braços cruzados enquanto meu filho sofre sozinho.
— Ele não quer dividir sua dor. É um processo interior que ninguém tem odireito
de intervir.
Maria Helena, num súbito impulso, levantou-se e segurou as mãos de Luciana
com força:
— Luciana! Ajude-me! Sei que você pode! Peça à sua mãe. Ela foi tão boa.
Sem ela talvez não o tivéssemos encontrado. Dizem que as almas podem nos
ajudar. Você a vê! Peça-lhe esse favor. Ela é mãe, sabe como me encontro.
Temo que ele fique seriamente doente.
Luciana retribuiu o aperto de mão, e seus olhos brilharam quando disse:
— Está bem. Irei vê-lo. Tentarei falar com ele mais uma vez.
Dirigiu-se ao quarto do moço e vendo que as duas a seguiam, voltou-se dizendo:
— Quero vê-lo a sós.
— Está bem, estaremos esperando na sala.
Luciana entrou no quarto. João Henrique fechara novamente as janelas, correra
o reposteiro e deitado de costas, olhos fechados, parecia dormir. Luciana parou
diante da cama e silenciosamente estendeu as mãos sobre ele, em prece. Com
amor, imaginou João Henrique cheio de vitalidade e bem-estar. Com alegria,
percebeu que Suzane aproximava-se colocando-se à cabeceira dele, estendendo
sua mão direita sobre sua testa. Dirigiu-se a Luciana, pedindo:
— Fale com ele.
Em seguida, colocou sua mão esquerda na testa dela. A moça sentiu uma onda de
alegria invadir-lhe o coração.
— João Henrique, — chamou — sei que não está dormindo. Olhe para mim. —
Vendo que ele não atendia, repetiu: — Abra os olhos. Há algumas coisas que
desejo lhe dizer.
Vendo que ele permanecia quieto, prosseguiu:
— Por que se comporta qual criança caprichosa? Por que se castiga dessa
forma? Até quando vai agir de maneira tão infantil? Você é um homem, por que
não se permite crescer? Acha que fazendo birra a vida vai lhe dar o que deseja?
Não percebeu que ela não é como sua mãe que sempre lhe fez todas as
vontades?
Ele abriu os olhos fitando-a com raiva.
— Pode zangar-se à vontade. Vou dizer-lhe o que precisa ouvir. Você é forte o
bastante para compreender que não se pode forçar os sentimentos de ninguém.
Antonieta amava mais sua arte do que você. Preferiu a vida movimentada à vida
burguesa que lhe ofereceu. Era um direito dela. Ela podia escolher e decidir o
que fazer com sua própria vida. Por que a recrimina? Ela fez o que lhe pareceu
melhor. E você a amava realmente? Não estaria fascinado pela sua arte, pela sua
beleza, pelo seu talento, ou até pela sua fama? Tem certeza de que deixando-o,
ela não machucou mais sua vaidade do que seu coração?
Ele trincou os dentes de raiva.
— Não tem o direito de falar assim comigo. Você não sabe de nada.
— Talvez. Mas, tenho certeza de que você não é fraco, capaz de ser destruído por
uma mulher que não o amou o bastante.
Ele sentou-se no leito como movido por uma mola.
— Você é forte e inteligente para compreender. A vida só faz o que é certo. Se a
afastou do seu caminho, foi para seu bem. Aliás, a vida sempre trabalha para nos
dar o melhor. Pena que nem sempre temos condições de ver. Você é um cego.
Olhe para sua vida. Belo rosto, corpo saudável, bonito, cultura, posição, família,
respeito, estima, amizade. Tudo lhe pertence, você tem o poder de escolha nas
mãos. Por que escolhe a infelicidade? Abra os olhos e olhe à sua volta. Observe!
Ser recusado pode ser amargo, mas você não o foi por valer menos, ou por não
ser bom o suficiente. Foi recusado apenas porque os sonhos dela eram diferentes
dos seus. Seus anseios eram sua arte, os aplausos, a música, o palco. Você não.
Essa diferença definiu os caminhos, alterou os rumos. Por que não pode aceitar
uma coisa tão simples e clara? Por que exagera sua dor? Não vê que seu orgulho prefere a posição de “vítima” do que o reconhecimento de que estava enganado
e que juntos nunca seriam felizes?
João Henrique olhou para Luciana, abriu a boca, tornou a fechá-la, por fim disse:
— Eu acreditei nessa felicidade.
— Mentira. Você sempre soube que não ia dar certo. No fundo, no fundo, sentia
isso.
Ele passou de novo a mão sobre os cabelos. Por fim admitiu.
— É verdade. Eu temia que ela me deixasse.
— De onde lhe vinha esse temor? Por que você sentia que ela não pensava da
mesma forma que você. Não tinha os mesmos anseios. É claro que ela o amou.
A seu modo. Mas entre sua paixão pelo teatro e você, ela não resistiu.
— Eu também acho isso. Ela me amou. Eu sinto que toquei seu coração. Por isso
me iludi. Não esperava o que aconteceu.
— Você sabia que um dia ela o deixaria. Era fatal. Mulheres como Antonieta
dedicam a vida à carreira. Não conseguem viver sem isso. Por outro lado, você
não conseguiria deixar seus projetos e segui-la. De uma certa forma, também a
abandonou. Por um momento, estiveram juntos. A vida é isso. Reúne e separa as
pessoas. Mesmo vivendo juntos uma vida inteira há sempre a hora da separação
onde cada um deve seguir seu rumo. Entretanto, o amor não tem tempo,
momento, lugar, ele brota em nossa alma como dádiva que ilumina e alimenta.
Nesse sentimento, o reencontro acontecerá um dia.
— Não desejo vê-la nunca mais.
— Reconheça que não a amava de verdade. A paixão ilude e passa. As coisas
estão certas como estão. Não adianta machucarse por causa disso.
Ele suspirou fundo, olhou para ela e sorriu:
— Obrigado — disse. — Você tem razão. Tenho agido como uma
criança caprichosa. Nenhuma mulher tem força suficiente para me derrubar.
Luciana sorriu alegre:
— Sinto-me aliviada. Não agüentava mais olhar sua cara de pobre coitado.
— Não sou nenhum coitado.
— É o que parecia. Mas eu sabia que você nunca foi fraco. Ao contrário, dentro
de você há muita força para vencer tudo na vida, com a ajuda de Deus. Vamos
tomar um chá lá embaixo? Precisamos contar aos outros que você é o João
Henrique de sempre.
— Está bem. Irei. Na verdade sinto vergonha. Fiz papel de tolo.
— Também agora não vamos bancar o homem de ferro. Basta ser apenas o
homem que você é.
Ele sorriu outra vez. Parecia haver acordado de um pesadelo. Teve fome:
— Pode ir que eu já vou. Quero melhorar a aparência.
Luciana saiu do quarto satisfeita. intimamente agradeceu a ajuda de sua mãe.
Sabia que ela contribuíra decisivamente para que João Henrique saísse da ilusão
em que se envolvera. Vendo o olhar ansioso de Maria Helena, foi logo dizendo:
— D. Maria Helena, pode mandar preparar um chá completo porque
João Henrique nos fará companhia.
O rosto de Maria Helena iluminou-se:
— Ele vai descer?
— Sim. Está se arrumando. Quando ele vier, nada de emoção. Vamos agir
normalmente, como se nada houvesse. Ele sente-se envergonhado.
— Por certo — concordou Maria Helena, satisfeita. —Vamos, quero que ele se
sinta muito bem. Obrigada, minha filha. Você é o anjo bom que apareceu em
nossa vida.
— É melhor nos apressarmos. Não gostaria que nos surpreendesse falando no
assunto.
— Tem razão, — apoiou Maria Lúcia.
— Lembrem-se: alegria e serenidade.
Dirigiram-se à copa e Maria Helena mandou preparar a mesa para o lanche,
verificando os detalhes com carinho. As duas moças esperavam conversando em
um gracioso sofá a um canto da copa. Maria Lúcia comentava seu assunto predileto: Ulisses. Luciana tentava conduzir a conversa para outro lado, mas
Maria Lúcia insistia.
— Você acha que ele me ama?
— Como posso saber?
— Você percebe as coisas, sempre descobre o que eu estou pensando.
Luciana sorriu:
— Você é como uma irmã e estamos sempre juntas. Além do mais, seus olhos
são reveladores.
— Os dele, não são?
Luciana tentou desviar o assunto:
— Ele é homem e pensa diferente de nós. Não tenho experiência para tratar com
eles.
— Contudo, percebeu que Jarbas se interessa por mim.
— Ele dá muito na vista.
— Talvez Ulisses não me ame. Ele sempre anda atrás de você.
— Já falei que ele não me interessa.
Maria Helena juntou-se a elas.
— Está tudo pronto. Ele virá mesmo?
— Ele vem vindo. De fato, João Henrique entrava na copa.
— Que bom tê-lo conosco, meu filho. Vamos nos sentar.
Acomodaram-se. João Henrique estava magro, pálido, porém
vestido elegantemente como sempre fora, e Maria Helena sorriu com
satisfação. Luciana com delicadeza começou a conversar sobre a vida na
Inglaterra, seus costumes, seu povo, e João Henrique animou-se falando de sua
viagem a Europa , suas impressões ao contato com outros povos e a conversa
decorreu agradável.
Foram para a sala de estar e, animado, ele foi buscar um livro onde havia gravuras dos lugares que ele mais gostava. Maria Lúcia, que antigamente não
participava dessas conversas, juntou-se a eles com entusiasmo. Maria Helena
admirou-se vendo-a discorrer sobre o assunto com segurança mesmo sem nunca
haver saído do Brasil. Sua filha aprendera muito com a convivência de Luciana.
Observando os três jovens entretidos, conversando animadamente, ela sentiu que
seu coração enchia-se de paz. Pensou na mãe de Luciana com carinho e
gratidão. Começava a sentir que, de fato, os que morrem não só continuam vivos
em outro mundo como podem intervir em nossas vidas.
Suzane por certo ajudara-os. Inúmeras vezes Luciana tentara convencer João
Henrique a reagir, sem conseguir. No entanto, agora, após ela haver pedido,
finalmente ele atendera. Deveria rezar para agradecer? Ouvira dizer que é bom
rezar para as almas e pedir por elas. No entanto, a alma de Suzane não precisava
de orações, ela estava em condições de ajudar.
— Se eu pudesse vê-la! — pensou. — Dar-lhe-ia um beijo de gratidão. Dizem
que os espíritos sabem ver o que se passa em nosso coração. Se fosse verdade, se
ela estivesse ali, deveria saber de seu amor pelo marido. Seu amor sofrido,
sufocado, escondido, que a custo tentava conter. Poderia ajudá-la também nisso?
Ah! Se ele viesse a amá-la! Sonhara a vida inteira com isso. Nunca acontecera.
Talvez Suzane a ajudasse a esquecer. A apagar esse amor do coração.
Suzane estava ali, emocionada, abraçou-a com carinho dizendo-lhe ao ouvido:
— Infelizmente, não tenho esse poder. Eu mesma ainda não apaguei a chama
que arde em meu coração. Apesar de tudo, eu gostaria muito de estar em seu
lugar, ao lado dele. Maria Helena, esqueça as mágoas do passado. Procure
conquistá-lo agora, aproveite essa convivência, essa chance que avida lhe deu de
estar a seu lado! Ame-o, compreenda-o, ajude-o a descobrir os tesouros de amor
que ele guarda dentro do coração. Você é uma mulher bela, cheia de vida, tem
todas as vantagens. Não deixe passar o tempo inutilmente.
Maria Helena, de repente, sentiu-se animada. Agora que seu filho estava melhor,
era hora de pensar nela, em cuidar de si, da sua felicidade. Lembrou-se da noite
do baile e sentiu-se alegre. Talvez ela houvesse negligenciado muito e aceitado a
derrota. O orgulho não fora bom conselheiro.
De agora em diante, tudo seria diferente. Ela mudaria. Talvez
pudesse reconquistar o marido.
Pensando assim, deixou os três na sala e foi para o quarto. Desejava estar bem
bonita quando José Luiz chegasse. Naquela noite, o jantar decorreu alegre como há muito não acontecia. José Luiz participava alegremente surpreendido.
Chegara em casa desanimado, certo de encontrar o ambiente triste e pesado dos
últimos tempos e inexplicavelmente havia como que um brilho novo em cada
coisa. João Henrique um tanto magro, calmo, as duas moças alegres e animadas
e até Maria Helena, olhos brilhantes, com melhor aparência. O que
acontecera durante sua ausência?
O jantar decorreu leve e alegre e, ao final, Maria Helena propós uma sessão
musical onde cada uma tocaria algo da sua especialidade. Luciana tocou belas
canções inglesas; Maria Lúcia, modinhas e valsas modernas, e Maria Helena,
belas peças de musica ligeira.
Sentados no sofá com um cálice de Porto entre as mãos, os dois
homens deixaram-se ficar gostosamente ouvindo. Suzane aproximou-se de José
Luiz e abraçando-o com carinho, disse-lhe ao ouvido:
— Isso é felicidade! Aproveite esses momentos de beleza e de alegria.
Viva sua vida agora. Esqueça o passado. Cada um precisa viver seu
momento, consciente das riquezas que a vida oferece. Eu o amo muito, mas esse
amor é luz de libertação e de alegria. Minha felicidade é contribuir para
seu crescimento espiritual e seu bem-estar. A vida nos colocou de lados
opostos. Ela age sempre certo. Talvez nós ainda não estejamos prontos para uma
união mais verdadeira. Apesar de desejar estar a seu lado, não gosto de
ser obstáculo à sua felicidade. Meu amor é profundo e verdadeiro e desejo
que você tenha da vida o melhor. Quero libertar você. O amor não é
exclusivista. Maria Helena é uma bela mulher, ela o ama! Você nunca a viu
como ela é. Nunca a olhou a não ser para servir a seus projetos. Contudo, ela é
uma alma nobre, cheia de beleza e amor.
José Luiz, segurando o cálice entre os dedos, pensamento perdido no tempo,
lembrava Suzane, mas aos poucos, envolvido pelo ambiente agradável, começou
a pensar que era homem privilegiado. Tinha uma bela e bem formada família.
Fixando Maria Helena, notou que havia algo diferente. Ela parecia-lhe mais
jovem, mais mulher. Ouvindo-a tocar com tanta sensibilidade, pela primeira vez
começou a pensar que ela não era tão fria e indiferente quanto parecia ser. Por
que uma mulher tão sensível para a arte, mostrava-se conformada em viver sem
amor? Como ela aceitaria isso?
Maria Helena, sentindo o olhar do marido sobre ela, a custo dominava o desejo
de abraçá-lo e dizer-lhe o quanto o amara em silêncio durante todos aqueles anos.
— Ele vai me amar! — pensou com veemência. — Hei de conquistá-lo. Por que
não? Estamos juntos, unidos pela família.
Naquele instante, ela sentiu que o orgulho não mais importava e sim a realização
desse amor com o qual sonhara durante toda sua vida. Foram momentos
agradáveis e quando Luciana disse que precisava ir para casa, João Henrique
ofereceu-se para acompanhá-la e Maria Lúcia pediu permissão para ir junto.
Maria Helena ficou só com o marido. Em outras ocasiões, ela teria logo dado boa
noite e se recolhido, porém, naquela noite aproximou-se dele dizendo com um
sorriso:
— Esta noite estou feliz! Adoraria dançar! Pena que não temos ninguém para
tocar para nós.
Ele levantou-se cortês:
— Podemos colocar um disco na vitrola.
— Eu adoraria.
Subitamente José Luiz sentiu-se alegre. Dirigiu-se à estante de discos e logo parou
indeciso.
— Você gosta de clássico.
Ela sorriu bem-humorada:
— Para ouvir, para tocar, mas para dançar é claro que deve ser outra.
— O que por exemplo?
— Uma valsa, um foxtrote.
Enquanto ele a olhava admirado, ela com desenvoltura, escolheu um disco e deu-
o ao marido.
— Eu gosto deste.
Ele colocou o disco e logo uma música agradável e suave encheu o ar. José Luiz
enlaçou-a e começaram a dançar. Ele não se conteve:
— Você nunca me disse que apreciava essa música!
— Você nunca perguntou. Não é linda?
De fato. A orquestra tocava um belo foxtrote, e eles dançaram com prazer. A
emoção foi tomando conta de ambos. Amúsica, a proximidade, o perfume de
Maria Helena e principalmente o calor que vinha dela, envolvera José Luiz
fazendo-o apertá-la mais entre os braços, cedendo a uma atração irresistível.
— Maria Helena, — murmurou ele ao seu ouvido, — você hoje está diferente!
Ela sentiu o coração bater mais forte.
— Estou alegre! Nosso filho está bem. É só questão de tempo.
— A alegria fez-lhe bem. Você está linda!
— Esta noite, sinto vontade de viver, de amar, de ser feliz!
José Luiz parou de repente e seus braços afrouxaram. Fixando o rosto corado de
Maria Helena, palpitante de vida e desejo não se conteve:
— Perdão — disse.
— Por quê?
— Eu não soube fazê-la feliz. Tenho sido egoísta, pensando só em mim, fechado
em meus problemas, esqueci que você tem suas necessidades de afeto, de
felicidade. O acento de sinceridade da voz do marido contribuiu para que ela
se deixasse envolver mais pela emoção que não tentava dominar.
— Sim — respondeu ela com voz apaixonada. — Eu posso amar, e quero ser
amada de verdade! Não agüento mais viver recalcando meus
sentimentos, fingindo uma frieza que não sinto.
Ele passou a mão pelos cabelos procurando palavras para não feri-la ainda mais.
Ela abraçou-o com carinho, dizendo:
— José Luiz, o que aconteceu conosco? Eu o amei desde o primeiro dia!
E esse amor ainda vibra dentro de mim! Por que tudo não continuou como
nos primeiros tempos? Por que apareceu entre nós essa barreira, onde o
orgulho ganhou espaço transformando-nos em pessoas indiferentes e
dissimuladas? O que nos separa? Por que não podemos nos amar de verdade?
Essas perguntas têm me angustiado toda a vida!
José Luiz sentiu desejos de abrir o coração, dizer a verdade, falar do seu amor por Suzane, do seu erro, assumir sua culpa. Sentindo o corpo palpitante da esposa,
vendo seu rosto ansioso, percebendo o sentimento que a envolvia, não teve
coragem. Apenas disse comovido:
— Você me ama!
— Sim — concordou ela com paixão. — Eu o amo! Sempre. Não suporto mais
calar esse sentimento.
José Luiz sentiu uma onda de calor envolver seu coração. Como fora cego! Essa
mulher vibrante, bela, apaixonada, o amava, estava ali, em seus braços, sequiosa
de amor, e ele cultivando um amor impossível! Reconheceu que Maria Helena
tocava seus sentimentos. Apertou-a em seus braços beijando-a repetidas vezes
com emoção.
— José Luiz, — disse ela por fim — diga-me, o que nos separa?
— Nada. Tenho sido cego até agora. Acreditava que você não me quisesse mais.
Agora que sei que me ama, que começo a vê-la como é, nada nos há de separar.
Seremos felizes. O passado está morto. De hoje em diante, lhe darei todo amor
que merece. Você é uma mulher extraordinária.
— Você não disse que me ama!
— Eu a amo! Prometo recuperar o tempo perdido!
Abraçando-a com carinho, beijou-lhe os lábios repetidas vezes, sentindo a
emoção crescer dentro de si. Depois, abraçados, foram para o quarto, esquecidos
de tudo o mais. O espírito de Suzane, vendo-os abraçados, não pôde evitar uma
lágrima.
Uma bela mulher aproximou-se dela dizendo emocionada:
— Você realmente libertou-se de séculos de apego.
Suzane olhou-a serena:
— Ainda dói um pouco — murmurou esforçando-se para sorrir.
A outra passou o braço sobre seus ombros com afeto:
— Eu sei. Entretanto o amor só é verdadeiro quando liberta. O apego revela
imaturidade e falta de confiança na vida.
— Eu sei. Para libertar-me desse velho hábito foi que escolhi minha última
encarnação na Terra. Eu sabia que tudo quanto eu mais amava ser-me- ia tirado
para que eu aprendesse a suprema alegria de dar, o prazer de facilitar a que cada
um encontre seu próprio caminho de crescimento, livre, de acordo com sua
necessidade interior.
— O que pensa fazer agora?
— Ainda ajudar um pouco mais. Minha missão com eles está quase no fim. — E
depois?
— Quero cuidar de mim. Aprender, crescer, tornar-me mais madura.
Sinto que minha felicidade está nisso. Durante anos tenho cultivado meu
amor por José Luiz, sofrendo sua ausência mesmo sabendo que no momento
seria impossível viver a seu lado! A amiga estreitou o braço como a infundir-lhe
coragem, e ela prosseguiu:
— Quando eu ainda estava na Terra, acreditava que ele me houvesse esquecido.
Trocara-me por outra e, mesmo sabendo que sua ambição o estimulara, pensava
que seu interesse por mim fora transitório e sem profundidade. Esse pensamento
ajudou-me a aceitar a separação. Não se pode forçar o amor e eu, sentindo-me
preterida, mal-amada, tratei de viver da melhor forma possível, apesar de não
conseguir amar outra vez.
Fez pequena pausa e vendo que a outra ouvia-a atentamente, continuou:
— Contudo, quando voltei para cá, comecei a sentir que José Luiz me chamava
constantemente. Seu rosto triste me aparecia, e eu sentia seus pensamentos de
tristeza e de culpa. Onde quer que eu estivesse, ouvia-o chamar-me angustiado e
descobri que ele não era feliz. Eu também sentia saudades e muitas vezes,
quando dei por mim, eu o estava abraçando apaixonada, atormentada pela sua
angústia!
— Pobre amiga. Avalio sua luta.
— Felizmente, sempre contei com o apoio de amigos dedicados, e você também
contribuiu muito para meu reequilíbrio.
— Infelizmente, as pessoas na Terra ainda ignoram a força do pensamento ao
qual imprimimos nossas emoções. Não sabem que entregar-se ao desânimo, à
culpa, à auto-condenação, nos prejudica, não só atraindo mais infelicidade, como
essas energias atingem também as pessoas envolvidas, conturbando-as.
— Durante algum tempo vivi a seu lado, sem poder afastar-me. Se por um lado
sentia-me triste constatando sua infelicidade, por outro, a certeza de ser amada, a
comprovação de que ele nunca me esquecera, dava-me alegria e eu pensava: “É
por minha causa que ele sofre! Eu sou responsável de alguma forma pela sua
infelicidade!”
— Que ilusão!
— É verdade. Cheguei a esse ponto, confusa e apaixonada. Sempre que podia,
tentava confortá-lo, abraçá-lo, dizendo a seu ouvido que o perdoava e o amava
de todo o coração. Eu que regressara da Terra bem, deixando-me envolver por
esse problema, adoeci. Você sabe como foi difícil para mim, deixá-lo por algum
tempo e submeter-me ao tratamento adequado. Querida
Anita, sou-lhe muito grata! Foi você quem me ensinou a perceber a verdade.
Freqüentar suas aulas foi maravilhoso. Conhecer as leis cósmicas, perfeitas
e belas que movem a vida, olhar para dentro de mim, sentir o que sou,
minha essência, descobrir o eu superior, encontrar Deus, desenvolver
minha maturidade, mostrou-me o glorioso destino de todos os seres vivos.
— Você estava madura, foi só despertá-la e logo
desabrochou maravilhosamente.
— Crescer traz uma alegria consciente e insubstituível. Em nossa
ilusão, queremos agarrar nas pessoas, segurá-las, conduzilas, a pretexto de amar
e proteger e as escravizamos com nossas energias, bloqueando
seu desenvolvimento, obstruímos sua visão. Sabe o que descobri?
— Não.
— Que esse sentimento que às vezes chamamos de amor, na realidade tem outro
nome.
— Qual?
— Obsessão!
— Não está sendo dura com você?
— Não. Eu e José Luiz, a pretexto de nos amar, nos obsediávamos mutuamente.
Quando ele me deixou, essa ilusão bloqueou meus sentimentos.
Eu me julgava dócil, conformada, naquele tempo. Descobri agora, que foi o orgulho que me conduziu. Não me revoltei, não guardei ressentimentos
ou mágoa, felizmente, mas qual criança orgulhosa e mimada, se a vida não
me deu o que eu queria, eu não quis mais nada. Não me permiti ser feliz com
outra pessoa, bloqueei os sentimentos. Depois, a vaidade de saber que era
amada, continuou me unindo a ele e nossa insatisfação, nossa ilusão, roubou
largo tempo de nossa felicidade que teria sido possível se tivéssemos encarado
a situação com realismo.
— Tem razão. A vida sempre sabe o que é melhor e cumpre seu papel de
conduzir a felicidade.
— Agora eu sei. Eu acreditava na dor e no sofrimento. Ignorava que fomos
criados para a felicidade. Que esse é o nosso destino e vontade de Deus. Depois
que aprendi que o amor liberta, que senti a alegria de amar de verdade, que é
grande o prazer de dar amor, a satisfação foi grande e eu pensei que, assim
como eu descobrira essas coisas, o melhor que poderia fazer seria tentar passar
essas idéias para aqueles a quem amo.
— Você se preparou para isso. Conseguiu unir Luciana ao pai.
— Luciana é um espírito lúcido e adorável que muito nos tem ajudado.
Uni-los foi maravilhoso. Porém, José Luiz guarda ainda a ilusão do passado.
Acredita me amar. As vezes, me pergunto se seu amor não é apenas a raiva da
criança por que um dos seus brinquedos foi-lhe tirado. Ele poderia ter
me escolhido. Não o fez. Ele queria tudo. Pensou em ter as duas e quando
não conseguiu, frustrou-se.
— Você está sendo severa. Não acredita que ele a ame?
— Acredito sim. A seu modo, contudo, sinto que no momento, nossos caminhos
são diferentes. A vida nos separou. Ela deseja nossa felicidade. Eu agora desejo
de todo coração que ele possa usufruir do presente, das bênçãos que possui, do
amor da bela família, de uma alma generosa e fiel que o ama e pode embelezar
seus momentos, oferecendo-lhe o que eu não lhe posso dar. Sinceramente, desejo
que me esqueça e seja feliz com Maria Helena.
— Você é generosa!
— Não sei se é generosidade. O que sinto é que agora a vida despertou dentro de
mim com a força da alegria. Neste momento, quero ser eu mesma. Descobrir o
que é melhor para mim agora. Sem amarras nem obstáculos! Beber da fonte da espiritualidade e revigorar minha alma na lucidez palpitante da consciência
universal. Sinto que o amor tem outro significado para mim, mais real e , ao
mesmo tempo, mais profundo. Quero encontrar outras almas como eu, e trocar
energias com elas. Quero crescer ainda mais e aprender a viver plenamente.
Não sinto mais vontade de um amor terreno.
Anita sorriu com satisfação.
— Sim, Suzane. Sua luz brilha e você poderia desde já deixar a Terra para
sempre, rumo a outros planos.
— Desejo um pouco mais de tempo. Acabar o que comecei. Preparar o terreno,
depois irei. Quando mergulhamos no estado de alegria, quando tomamos
consciência do que somos, do poder que temos de criar nosso destino; quando
descobrimos que todo nosso sofrimento foi criado por nós, pelos nossos
pensamentos e atitudes, não podemos conceber deixar as coisas como estão; nos
sentimos desejosos de contar, mostrar. Tanta simplicidade na vida, na realidade
das coisas, tanta facilidade na conquista da felicidade, nos impulsionam e nos
motivam a nos comunicar com as pessoas, numa tentativa justificada de
melhorar as condições de vida na Terra, de apressar o momento da maturidade
de cada um.
— Isso é natural, querida, mas deve lembrar-se que cada um só percebe isso
quando está preparado. Não adianta forçar. As coisas acontecem como devem e
no momento exato.
— Mas de vez em quando, podemos dar um empurrãozinho.
Anita sorriu alegre, passando o braço sobre os ombros de Suzane, lembrou:
— Precisamos ir agora. Está na hora.
Suzane concordou e ainda abraçadas saíram, desaparecendo rapidamente no horizonte.

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