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"Caras pessoas presentes nesse tribunal do júri, uma história não tem um momento exato para começar nem para terminar, mas cabe a nós decidir qual parte dessa história é relevante o bastante para contar.

Quando o amor bate a nossa porta, não tem como nos desviar, simplesmente acontece, e comigo aconteceu de uma forma bem errada. Sempre fui assim. Sempre me encantei pelo o que eu não podia, como se o proibido me atraísse. Mas dessa vez foi diferente, eu jamais achei que me atrairia por uma mulher.

Meu nome é Ellora Nestari como todos aqui já sabem, eu havia acabado de sair de um surto de depressão causada pelo término de um relacionamento que nunca deu certo. Foram alguns meses de tratamento, e algum tempo isolada dentro do meu quarto. Eu não tinha ninguém, era somente eu e Deus. Mas cheguei num ponto em que ser sozinha estava me fazendo mal, e que possivelmente, estaria perdendo o lado bom da vida. Resolvi entrar em um curso que nem tinha interesse, só para voltar a me socializar. Eu conheci pessoas de vários tipos, várias cores, vários costumes. E foi onde conheci Verônica. E foi onde eu me conheci. Lembro como se fosse ontem, a primeira vez que vi aqueles belos olhos azuis, tão azuis que eu não sabia a que eu deveria compara-los. Eu não sabia se eram azuis como um céu ensolarado ás dez da manhã ou se eram como o mar em uma tarde de inverno, só sei que eram os olhos mais azuis que eu havia visto.

Aquela tarde de fevereiro jamais sairá da minha mente, nunca pensei que meus sentimentos iriam tomar tamanha proporção. 14 de fevereiro, esse e o dia exato, em que eu finalmente voltei a me socializar, depois de passar 4 meses, deitada em uma cama, aprendendo a lidar com meus sentimentos, excluindo emoções que eu não julgava útil, e trabalhando esse meu lado mais sombrio. Confesso que passei uma parte desse tempo sendo consumida pela tristeza que ainda tomava conta de mim, mas não com a mesma proporção que tomava á alguns meses atrás. Eu já havia começado meu tratamento, tomado vários medicamentos, já havia ido em vários psicólogos, eu sentia que já era hora de tomar outros rumos, a Ellora que todos conheciam, havia morrido, perante tudo que passei, ao menos uma coisa eu aprendi, aprendi ser fria feito um cadáver, sem sentimentos, sem coração, eu pelo menos eu achei que tinha aprendido. Eu entreguei o meu amor para todos em minha volta, e o que eu recebi em troca? Desprezo, humilhação, traição. Eu precisei matar aquela Ellora que habitava nesse corpo, e dar a vida a um novo eu, mais firme e forte, sem medo de ser abandonada. Já estava cansada de passar dias e mais dias trancada no meu quarto frio e escuro, eu me sentia como um pássaro dentro de uma gaiola aberta, que não pode sair e voar porque as asas estavam podadas.

Eu gostava de viver em Lawrenceville, apesar de viver sozinha, aquela cidade me agradava muito. Talvez por causa da minha depressão, eu tenha tomado a pior decisão da minha vida: Ter começado um curso de matemática para fugir dos meus problemas. Eu construí um cenário na minha mente, eu achei que voltar a estudar me colocaria de volta a posição de "pessoa normal", mas eu estava enganada, frequentar a Phoenix High School só estava fazendo eu alimentar a minha necessidade de fugir de mim mesma.

Naquela Terça-Feira, coloquei a melhor roupa que eu tinha, arrumei meus materiais e fui, eu já não sabia o que era estar em um ambiente escolar, nem ao menos sabia como era estar no meio de muita gente. Depois da depressão, me afastei de todos meus amigos e me isolei. Até hoje eu me pergunto, porque eu escolhi um curso de matemática, por mais que minha intenção real de voltar a estudar fosse fugir dos meus verdadeiros sentimentos, eu ao menos poderia escolher algo do meu interesse profissional, afinal, nunca pensei em trabalhar com números.

Eu queria conquistar tudo que eu tinha antes, meus amigos, minha popularidade, e eu queria isso o mais rápido possível, mal havia saído de casa, e já estava pensando em quantos amigos eu faria.

Eu queria muitos amigos, não só um ou dois, eu queria vários, eu estava com tanto medo de permanecer sozinha e isolada, e de voltar para aquela gaiola imaginária, mas minha falta de simpatia me atrapalhou um pouco na adaptação ao colégio. Eu queria ser rodeada de pessoas, mas eu não havia dado conta de como eu era, o tempo que eu fiquei isolada me deixou com aparência de uma psicopata. Olhos fundos, nenhuma palavra, cabelo escorrido tampando o rosto, olhar desconfiado, como se fosse atacar alguém, ninguém jamais iria chegar perto de alguém como eu. Não á primeiro momento. Lembro exatamente do dia em que pisei meus pés naquele colégio, a única coisa que passou pela minha cabeça, é, "que diabos eu estou fazendo aqui", eu não conhecia ninguém, nem uma alma para ser minha aliada, eu estava sozinha e aparentemente perdida, a minha vontade era de voltar para minha gaiola que eu tanto odiava, naquele momento, achei que era o lugar da onde eu não deveria ter saído. Perambulei por alguns cantos do colégio, não sabia onde era minha sala, qual era minha turma, nem quem era o professor do primeiro horário, eu estava completamente à deriva, como um barco abandonado no mar. Eis que apareceu uma mulher, linda como uma obra de Da Vinci, tinha belos cabelos loiros e ondulados, ela vestia uma blusa azul como a íris de seus olhos. Aquele par de olhos brilhavam tanto, que parecia um pedaço do céu, seu sorriso era lindo e imenso, eu fiquei encantada com a beleza daquela mulher. Eu não sei o porquê, mas ela fez eu me acalmar com o simples gesto de me redirecionar a cantina. Eu nem sei o porquê ela pediu que eu á seguisse, mas mesmo assim eu fui, e segui aqueles belos cabelos loiros, a forma que ela andava fazia seus poucos cachos balançarem uniformemente. Engraçado, eu nunca havia visto aquela mulher na minha vida, mas, eu tinha uma sensação estranha em relação a ela, como se eu á conhecesse antes, e a beleza dela era tão irradiante, que eu não conseguia olhar para outro lugar, minhas pupilas se concentraram em contempla-la, e aquela garota que estava perdida pelos cantos do colégio, havia encontrado seu lugar. Nesse momento, eu senti paz.

Eu fiquei tão admirada por aquela mulher, que parecia que eu conseguia ver sua alma sem que ela me mostrasse, os olhos brilhantes e azuis me deixavam vidrada, como se fosse algum tipo de alucinógeno, e quando ela começou a falar, eu tive certeza que aquela mulher, seria a pessoa mais inteligente que eu conheceria naquele colégio. Seu nome era Verônica Zumach, ela começou a se apresentar e dizer que seria nossa professora, é tudo que lembro, até porque depois de saber que eu iria conviver em sala com aquela mulher, tudo que ela falou já não me importava mais, eu só conseguia prestar a atenção naqueles olhos azuis. Ela falava com bastante clareza, era incrível ouvir aquela voz grave, porém suave perto do meu ouvido. Ela nos acompanhou até a sala, e perguntou o nome de cada um. Quando chegou na minha vez, eu comecei a suar frio e de um jeito meio gaguejado eu respondi:

— Ellora!

Ela olhou como se nunca houvesse ouvido um nome como o meu, mas não questionou, não elogiou, apenas seguiu para o próximo aluno.

Ao final das apresentações, ela começou a explicar o que a matéria dela falava, era uma matéria complicada, parecia que brotava números dos exercícios, ela nos deu um livro cheio de equações e fórmulas. Ela falava com tanta clareza e naturalidade, que, sinceramente, parecia Isaac Newton explicando a física, de tão brilhante que era aquela mulher, eu não conseguia entender como um embaralhado de números poderia ser tão bem explicado.

Alguns alunos da sala já á conhecia, e muitos deles diziam que ela era muito brava e mandona, mas eles falavam de uma forma negativa. Eu realmente percebi que ela era muito autoritária, mas não acho que isso seja um defeito. A forma que ela mandava dentro da sala, me fez ver claramente o poder que emanava de Verônica. Eu não sabia o que eu estava sentindo aquela noite, não sabia se eu estava desesperada, por conta de não ter ninguém conhecido comigo, ou se eu estava encantada demais com Verônica, simplesmente foi um choque de emoções totalmente diferentes. Eu senti uma conexão tão forte com aquela mulher, que ter ficado sozinha na hora do intervalo tinha sido um mero detalhe. Eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser na professora Verônica. "

— Senhorita Nestari, poderia ser mais objetiva na sua declaração?

— Perdão Excelentíssimo, mas não tem como explicar meu envolvimento com Verônica sem incluir os detalhes.

— Prossiga.

"A vontade de olhar para aqueles belos olhos azuis foi o que me incentivou a voltar naquele colégio gigantesco e sombrio no outro dia, eram exatamente 19:10 quando eu entrei na sala de aula, quieta e tímida, meus cabelos negros e lisos tampavam meu rosto como na noite anterior. Sentei no fundo da sala, terceira fileira, ultima carteira, estava rezando em pensamento para Verônica entrar por aquela sala, e meu pedido foi atendido. Ela estava mais formal do que no dia anterior, cabelos presos, óculos e jaleco, e mesmo assim, a luz que Verônica emanava era forte o bastante para deixa-la linda, independente do que ela vestisse. "

— Excelentíssimo, devo enaltecer mais uma vez o quanto aqueles olhos azuis me traziam paz, talvez eles tenham sido os culpados de tudo.

"A aula começou, e ela começou a explicar aquele mar de números, da mesma forma que ela havia explicado na noite passada, ela percebeu que eu á olhava fixamente e me perguntou se eu estava entendendo a matéria, eu balancei a cabeça confirmando e então ela prosseguiu. Borboletas surgiram no meu estomago imediatamente, o simples fato de Verônica ter percebido minha fixação me deixou extremamente eufórica, e como se não bastasse, mais uma vez fiquei admirada com Verônica, ela havia me chamado pelo meu nome. A primeiro instante, achei que ela só sabia meu nome porque era diferente, mas eu estava enganada, ela já havia decorado o nome de todos, sua memória era impressionante. Durante a aula eu me perguntava, o por que uma mulher teria me chamado tanto a atenção antes mesmo de conhece-la. Ela era muito bonita? Sim, qualquer pessoa se atrairia fisicamente por ela, mas sua aparência física, com exceção dos olhos, não me importava tanto assim, algo me interessava mais. A primeiro momento eu não quis aceitar o fato de sentir-se atraída por uma mulher, mas a Verônica era tão incrível, tão poderosa, que eu estava disposta a abrir minha mente e aceitar o fato de que eu estava me apaixonando por ela. "

ElloraOnde histórias criam vida. Descubra agora