XIV

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Porque eu não dei por encerrado nossa curta relação naquele momento dentro do cubículo? Porque eu não deixei Verônica em paz, já que meu templo sagrado, (talvez não tão sagrado hoje em dia) não a interessava mais? Porque eu insisti em libertar uma pessoa que não queria ser liberta? Esse é o preço que eu pago por ter amado demais, a culpa, o remorso tomam conta de mim nesse momento, e serão as únicas coisas que irão me acompanhar dentro da cela escura e fria. Hoje eu posso ver a família Zumach chorando pela perca, implorando por justiça, hoje eu posso ver os poucos amigos no fundo desse tribunal com olhares de piedade ao ver essa cena lamentável, hoje eu posso ver que minha família não se importa se vou ficar 1 ou 10 anos aqui, hoje eu posso ver que joguei o pouco que restava da minha vida fora. Eu não sei se arrependimento é a palavra certa para usar, foi bom enquanto durou, eu me senti viva, mas, e agora?

"Foram dias e mais dias trancada no meu quarto escuro, como fora no relacionamento anterior, frascos de antidepressivos tomavam conta da escrivaninha ao lado da minha cama, meu coração, ainda em processo de cicatrização, sem cuidado físico e emocional, aguentava os dias batendo aceleradamente como se estivesse caindo em um abismo. Passei meus dias de solidão somente lembrando dos momentos que estive na presença da minha deusa de cabelos dourados, ainda era possível sentir o sabor adocicado do primeiro beijo que ganhei, um beijo que agora só existe na minha memória.

Lembro-me da última mensagem que recebi de Verônica, a mensagem que acendeu uma faísca de esperança no coração de alguém que já vivia a dor da perca. Ela dizia que havia sido convocada a esse tribunal, ela teria que depor contra o próprio marido, que permanecia livre, além de responder por algo que ela não cometeu, ela estava sendo processada por abuso sexual, e eu tenho quase certeza de que foi Sheron que a denunciou. Me senti mal por ser uma das causadoras desse constrangimento á Veronica, de ter feito ela se sentar aqui como uma criminosa, mas não entendi o porquê não fui convocada para aquela seção, e nem entendo o porquê Martin não usou toda sua influência para livra-la dessa situação, só sei que Verônica sentou nesta cadeira de testemunhas que esta do meu lado, e não disse nenhuma palavra relevante, Martin, que era o réu, nem sequer apareceu, e eu, tão vitima quanto ela, mesmo sem ninguém do júri saber, estava ao fundo desse tribunal imenso, apagada, esquecida. Olhando agora para essa cadeira, lembro na inexpressividade de Veronica ao contar sem detalhes uma história que não aconteceu, livrando a cara de um homem que ela jamais amou e ignorando a existência da minha pessoa, cada vez mais Verônica escavava as válvulas do meu coração, me deixando totalmente frustrada, desamparada. Sai desse tribunal desnorteada, o único caminho que eu enxergava era de um pub aqui perto. Naquele dia tomei altas doses de vodca polonesa para tentar matar o sentimento de amor e de frustração que havia dentro de mim.

A cada doce de vodca que eu virava garganta abaixo, uma voz diferente rondava meu cérebro. Advogados, promotores, até a vossa excelência, apareceram em minha mente condenando meu anjo dourado a passar seus dias dentro de uma cela. Passei a noite em claro naquele pub, sequei diversas garrafas de vodca, mas minha consciência estava tão comprometida com os últimos acontecimentos, que o álcool não fazia mais o efeito devido. Saí daquele lugar assim que o sol ameaçou aparecer, como se eu não estivesse bebido coisa alguma.

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