III - Um pouco do passado

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A história que Enrico contava para Clara e William, a deixava agoniada, era triste e catastrófica. Ela olhou aquela colina, e agora sabia que aquele espírito que ela sonhava e via no alto daquele lugar, tinha a ver com o passado, mas como descobrir toda história, ela iria em busca disso, precisava, algo dentro dela a fazia estremecer.

O Sr. William tinha sua testa franzida, seus olhos perdidos no passado. Ele conheceu a avó de Enrico, os dois iam se casar, mas a família não deixou, devido aos falatórios na cidade. Nunca se interessou pelo passado, mas o passado agora batia na sua porta, como ignorar?

Cinquenta anos antes... a avó de Enrico, que agora é reencarnada como irmã do mesmo, era dessas mulheres modernas para época que vivia, estudou na Itália, era uma artista, seus quadros faziam sucesso nas galerias de diversos países. Os dois se conheceram no colégio. Ficaram juntos por quatro anos, quando os pais da Irmã descobriram o romance dos dois, mandaram ela para fora do país.

William sofreu com a perda da namorada, e nunca mais se envolveu com ninguém. Agora ele entendia, o porquê da sua felicidade ter sido bloqueada, sabia que tivera influências espirituais, ele mais que ninguém sabia disso, mas mesmo assim não se conformava, eles não tinham culpa do passado. As vidas dos três estavam ligadas de algum modo.

A cabeça do senhor William começava a doer, pediu licença e se retirou. Aquela história da família de Enrico lhe trazia curiosidade, ele pensou que seria bom ir em busca desse acontecimento.

Amanhecera com um belo sol, era domingo, logo após a inauguração o hotel estava lotado, pessoas circulavam por todos os cantos, era um sucesso, era o único na região. Clara olhava tudo aquilo e não reconhecia o lugar, as mudanças foram drásticas, agora sim, ela sentia em paz, a tranquilidade nascia dentro dela, mas por quanto tempo?

Enrico estava na sacada do quarto, de lá ele avistava toda a propriedade, até o portão. A estrada estreita era sinuosa, com pedras brancas nas extremidades. Canteiros de flores em todo percurso, o que dava um ar primaveril. As árvores seculares eram avistadas por todo canto. Havia uma que lhe chamou a atenção, era um imenso carvalho frondoso, debaixo dele havia várias balanças feitas de corda.

Sua mente por um instante brinca com ele, o levava ao passado, ele se via ali, sentado ao chão, e uma jovem, deitava sua cabeça no seu colo. Ele a amava, podia ver seus olhos, um vento forte bate na janela, tirando-o do devaneio. Aquela sensação de amor deixada nele lhe trouxe inquietude.

Deitou-se novamente e foi interrompido pelo toque na porta, ele pediu que entrasse, era a camareira, avisando do café que estava servido, e que ela arrumaria o quarto. Ele consentiu, e desceu. As escadas circulavam todo o prédio, conforme ia descendo, ele podia avistar toda parte do saguão, onde muitos circulavam, parou num ponto e avistou um cômodo que lhe chamou a atenção, foi seguindo em direção àquele lugar. Parou na porta e ficou maravilhado, com a beleza do lugar. Era uma biblioteca, com tantos livros que ele ficou boquiaberta. Olhava tudo com muito cuidado e atenção. Foi até uma prateleira e pegou um caderno de capa dura, que estava entre os livros, era de poemas. Mas estavam escritos em letras de mão, com os dias marcados... Podia notar ser uma mulher.

As outras folhas estavam em branco, foram interrompidas, ali podia sentir a tristeza dessa jovem. Ele devolveu a prateleira e se pôs a andar, chegou ao restaurante, e sentou-se à mesa, seu olhar parecia ver que aquelas letras, do autor das poesias, eram de amor. Ele nem percebeu quando Clara chegou, sentou-se ao seu lado na mesa

— Bom dia Enrico, como passou a noite?

— Bem, dormi muito bem.

—Vamos tomar nosso café, e depois vamos andar a cavalo, quero levá-lo até onde morava, quero ver isso de perto.

— Você falou que sua mãe a proibia de ir até lá, não tem ideia do porquê?

— Não! A casa está fechada por anos, quanto tempo faz que venderam? Eu tinha 15 para 16 anos, , então se ela não abriu aquilo, deve ter muitas aranhas morando por lá.

— Faz uns 15 anos.

— Como o tempo passa, faz cinco anos que minha mãe se foi, nunca me preocupei com nada, nem com o que ficaria para mim, não tenho irmãos, com todo esse dinheiro, preciso fazer algo com tudo isso.

— Clara, você já pensou em fazer caridade, mão tenho certeza, montar um orfanato, asilo...? Clara o olhou no fundo dos olhos, esses olhos, esse olhar. Ela disfarçou e falou:

— Fico pensando se quando crianças fomos amigos, não lembro de nada, mas imagino que minha família conhecia a sua.

— E seu pai. Clara?

— Não sei nada dele, minha mãe dizia que ele morreu quando nasci, que ele fora em busca de pesquisas, ele era médico, é o que sei.

— Meu pai também é médico, ele sofre da doença de Parkinson. (A doença de Parkinson (DP) é uma afecção do sistema nervoso central, a qual é expressa de forma crônica e progressiva. É resultante da morte dos neurônios produtores de dopamina da substância negra).

— Onde sua família mora agora. Enrico?

— Ah! Faz tempo que não os vejo, minha mãe o levou para os Estados Unidos, ele faz parte de um grupo de pesquisa.

— E você, mora onde, desculpe minhas perguntas.

— Tudo bem, eu respondo sem problemas. Eu moro na capital, mas queria me estabelecer num lugar menor, onde não tem muita concorrência.

— Enrico, você sabe que também fiz direito, mas minha especialidade é juizado. Quero montar um escritório nesta região. Depois que me formei, não trabalhei, com a doença de minha mãe, me dediquei a ela por longos e sofridos 4 anos.

— Que doença ela morreu?

— De uma doença degenerativa do sistema nervoso, que acarreta paralisia motora progressiva, irreversível, de maneira limitante.

— Sinto muito, como foi para você conviver com isso?

— Nada fácil, vi ela indo embora gradualmente. Não afetou os sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato). Nem o funcionamento da bexiga, dos intestinos, ou a capacidade de pensamento e raciocínio de uma pessoa. Ela era lúcido o tempo todo. Os músculos da respiração e da deglutição foram os primeiros a serem afetados. Conforme a doença piorava, mais grupos musculares foram manifestando problemas.

— E você, como se recuperou depois que ela se foi?

— Sinto imensa falta dela, mas como espírita, ela aceitou a doença, e eu também. Aprendemos a viver com as limitações, tínhamos uma enfermeira em casa para me ajudar. O senhor William foi um pai nessa época.

— Entendi seu carinho por ele... Agora chega, de tristezas, vamos passear, não quero que fique triste.

- Enrico, parece que te conheço há muito tempo, estudávamos juntos, mas nunca conversamos como agora.

— Perdemos tempo, mas agora podemos ser amigos.

— Sim, estou tendo uma ideia aqui, mas vamos andar a cavalo, mais tarde conversaremos sobre o nosso futuro. E assim os dois saíram em direção ao estábulo. Os corações estavam alegres, pareciam duas crianças. Montaram em seus cavalos e seguiram para a colina.

Do alto da colina, os dois avistaram o casarão da fazenda, o mato cobria a vista da casa, mas as janelas azuis davam para ver, ao longe, um riacho, com uma pequena queda, uma ponte pequena feita de madeira, agora os separavam daquela casa, o coração dos dois, estavam acelerados.

Os galopes dos cavalos aceleram, como os corações dos jovens, o barulho dos cascos dos cavalos no cimento da grande área do casarão despertava todos adormecidos do lugar. Uma revoada de pássaros da região, o bater das asas...

A porta da frente abriu, e uma claridade com raios de sol entrou...

As Reencarnações de ClaraOnde histórias criam vida. Descubra agora