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Segunda-feira. O dia que todos odiavam, mas que eu não temia. Arranjei-me com roupa simples – como sempre, – apanhei as ondulações do meu cabelo com um elástico, preparei a mochila e desci para tomar o pequeno-almoço.

Senti-me aliviada quando verifiquei que a minha mãe ainda estava a dormir, o que me levou a não precisar de participar numa conversa de chacha e a poder disfrutar do silêncio. Um silêncio agradável e bem-vindo.

Peguei num prato e numa caneca e passei-os a ambos por baixo de água, como se estivessem usados. Como ninguém estava ali para controlar a minha refeição, disfrutei de voltar a subir as escadas ainda com o estômago vazio, sentindo-me mais leve que o normal.

Antes de entrar no meu quarto, passei pelo da minha mãe. Abri a porta e entrei. Chamei-a baixinho, mas, como ela não acordou, optei por a abanar um bocado.

– Alice! – surpreendeu-se, com a voz ensonada. O quarto ainda estava escuro, fora a luz que vinha do corredor devido a eu ter aberto a porta, por isso o seu rosto estava escondido nas sombras.

– Hoje entras mais tarde no trabalho ou estás atrasada? – perguntei-lhe.

Aí, como se eu lhe tivesse lançado um balde de água fria para a cara, ela levantou-se num único movimento. Antes de eu ter tempo para pensar, já a minha mãe estava fechada dentro da casa de banho a aquecer a água para tomar duche.

Abandonei a divisão, lavei os dentes e, já com a mochila aos ombros e uma mais pequena – de Educação Física – nas mãos, gritei-lhe que tivesse um bom dia e deixei a casa.

Quando cheguei à escola, o ambiente geral estava igual ao habitual. Pessoas a chegar, grupos a conversar, raparigas a gritar histericamente – e depois ainda era comigo que gozavam – por saberem de uma novidade qualquer e professores a passarem com pastas cheias de folhas.

Ignorei todos os gritos da multidão à minha volta e entrei no edifício. O meu cacifo ficava a apenas alguns corredores da entrada, por isso cheguei lá em menos de dois minutos. Guardei a mochila, deixando de fora o material de Matemática e o livro de leitura individual, para logo me ir encostar à parede, a lê-lo, em pé, de modo a ser fácil escapar a pés pesados que me adorariam pisar.

Ouvi a campainha pouco tempo depois, fechei o livro e observei o corredor. Este já se encontrava cheio, se não atulhado, de estudantes. Uns movendo-se rapidamente para não chegarem atrasados, outros parando para conversar por não se importarem com horários. Eu não estava em nenhum destes grupos. Andava a uma velocidade normalíssima e não conversava com ninguém.

– Então, olha aí! – ouvi uma voz masculina refilar, óbvio que falsamente, antes de ser empurrada com força para o meio da multidão e, como consequências, cair no meio do chão, os meus livros espalharem-se e as minhas mãos e pés serem pisados por estudantes distraídos. Dei um grito, que ninguém ouviu devido ao barulho, quando o meu dedo mindinho da mão direita foi pisado por um ténis branco, e apressei-me a apertar a unha com força, para ver se conseguia que a dor diminuísse. Depois, em vez de me levantar e me sujeitar a levar uma pisadela noutro dedo, encolhi-me no chão, com a cara nos joelhos, de maneira a me tentar proteger. Quando finalmente me levantei, já não se ouvia barulho a ecoar pelas paredes, apenas passos lentos por aí.

Senti o meu tornozelo ceder ligeiramente, quase me fazendo cair, não fosse a mão que me agarrou pelo cotovelo, magoando-me um pouco com a força, mas mantendo-me na vertical. Depois, presumo que por eu já estar equilibrada, a pessoa largou-me. O meu olhar passou por algumas raparigas e rapazes que ainda andavam no corredor em silêncio e pousou nos olhos azuis-claros que me fitavam.

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora