3.

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O resto do dia foi solitário. Ryan faltou a todas as aulas seguintes, provavelmente por ter ido tomar banho e não lhe ter apetecido regressar ao edifício onde ainda todos tinham nas suas mentes a imagem do Homem-Esparguete, como eu lhe tinha ouvido chamarem nos corredores.

O toque de saída da última aula da tarde soou e a minha única reação foi arrumar as coisas depressa, ir buscar a mochila ao cacifo e chegar o mais depressa possível a casa.

Quando cheguei e abri a porta da entrada, a minha mãe ainda não estava lá.

Fui até ao meu quarto – passando primeiro pela despensa para roubar um pacote de bolachas para petiscar – e liguei o computador. Tinha dois trabalhos escritos para fazer, dos quais os professores das respetivas disciplinas já tinham falado na semana anterior, por isso pus mãos à obra, apesar de serem para entregar apenas no início de março e ainda ser janeiro. Era sempre bom quando os professores davam logo nos primeiros dias de aulas a indicação do que iríamos fazer durante o período escolar. Assim eu podia fazer logo os trabalhos escritos e apresentações, começar a estudar a matéria antes mesmo de a darmos e fazer os exercícios dos manuais e dos livros de fichas para que não tivesse de os fazer na aula ou como TPC.

A minha mãe chegou por volta das sete, quando o céu já estava escuro e eu já tinha fechado as portadas do quarto.

– Olá filha! – cumprimentou-me, depois de bater à porta do meu quarto e espreitar.

– Hei. Se não te importares, preciso mesmo de estar concentrada – avisei-a, indicando-lhe o computador com um gesto.

– Mas eu hoje fui às compras e gostava que visses...

– Depois – interrompi-a, num tom que pôs fim à conversa.

Ela era uma ótima mãe e isso tudo, mas nunca me deixava estar descansada no meu quarto a estudar sem me interromper. Adorava os meus quatros e cincos no final do período e dizia sempre que estava muito orgulhosa, mas, provavelmente, o que ela queria dizer era que estava orgulhosa da minha capacidade de concentração mesmo depois de ser interrompida a cada cinco minutos, não das minhas notas!

Acabei os trabalhos de casa cerca de duas horas depois e decidi ouvir música e ler um pouco enquanto esperava pela hora da refeição.

Meia hora mais tarde, a minha mãe gritou que o jantar estava pronto e eu fechei o livro, tirei os auscultadores e dirigi-me à cozinha, para saborear outra das suas fabulosas receitas, mesmo que, durante a tarde, já tivesse ingerido uma quantidade considerável de bolachas.

Como sempre, perguntou-me como tinha sido o meu dia e, como sempre, eu respondi-lhe que fora igual aos outros: ótimo.

***

No dia seguinte, estranhamente, acordei com uma enorme vontade de chegar à escola mais cedo do que o habitual. Tomei duche, vesti-me, comi e lavei os dentes rápido, saindo de casa logo de seguida.

Fiquei feliz quando contemplei as nuvens cinzentas, inspirando o ar frio. As ruas ainda se encontravam incrivelmente desertas e o céu, apesar de eu não ter saído de casa muito tempo antes da hora a que me habituara, ainda não estava tão claro como o usual.

Quando cheguei à escola, os meus olhos percorreram todo o recinto quase que involuntariamente. Mas não encontrei quem procurava.

Dirigi-me ao cacifo e arrumei as coisas. As aulas só começariam dentro de uma hora, por isso ainda não precisava de andar carregada com o material escolar. Peguei apenas no telemóvel, nos auscultadores e numa pastilha elástica.

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora