7.

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Como fomos ambos expulsos da aula, eu e Ryan tínhamos uma hora inteira livre.

– Queres ir a algum lado? – perguntou-me, enquanto caminhávamos pelos corredores na direção do meu cacifo, para eu ir guardar as coisas.

– O que sugeres? – inquiri. Queria pegar no livro que andava a ler, sentar-me num qualquer canto, meter os auscultadores nos ouvidos e entrar num outro mundo, onde era outra pessoa e vivia outra vida, mas Ryan tinha-se prejudicado por minha causa e não o podia apenas ignorar, deixando-o sozinho a deambular pelos corredores enquanto eu ocupava o meu tempo livre com leitura.

– Queria convidar-te para ir ao cinema, mas uma hora não chega, por isso sugiro irmos dar um passeio e, depois, à tarde, quando acabarem as aulas, irmos ao cinema. Que tal? – sugeriu, num tom alegre, mas, ao mesmo tempo, hesitante. Sorri com a sua proposta, observando-lhe o rosto pálido enquanto andávamos.

– Aceito. Mas sabes os horários dos autocarros para irmos para o centro comercial? Nem penses que vou a pé até lá.

Ryan riu-se com a minha resposta, mas assentiu.

– Sei, não te preocupes.


A última suposta ida ao parque não tinha corrido muito bem porque tínhamos acabado a discutir, por isso esta pareceu-me uma bela oportunidade para fazermos as pazes. Guardei a mochila no cacifo e encaminhámo-nos para o exterior.

– Ryan? – chamei-o, meio hesitante, assim que saímos pelo portão da escola.

– Sim?

– Podemos esquecer que aquela discussão alguma vez existiu? Não quero que fiquemos mal por causa disso...

– Claro! – surpreendeu-se. Não sei por que raio ele ficou surpreendido, mas eu estava determinada a esquecer o que acontecera e tocar mais no assunto não iria ajudar.

Continuámos a andar, eu a segui-lo, e, alguns minutos em silêncio depois, já estávamos no parque. Passáramos apenas por três ruas e eu perguntei-me porque é que ainda não conhecia aquele sítio de aparência tão agradável. Talvez fosse pelo facto de a minha casa ser no sentido contrário do que nós seguíramos.

Àquela hora, o espaço estava praticamente deserto. Lá bem ao fundo, via-se apenas um casal de velhotes sentados num banco, mas, fora eles, viam-se apenas alguns pássaros nas árvores praticamente livres de folhas.

Nunca lá tinha estado antes. Árvores estabeleciam o limite entre o parque e a estrada, arbustos estavam espalhados pela relva que se encontrava na parte lateral e uma estrada de terra fina indicava o caminho a seguir.

Caminhámos lentamente. Não tínhamos muito tempo até a aula seguinte começar, mas também não havia muito espaço para percorrer.

– Então? – começou, provavelmente tentando fazer conversa. A quietude do parque era realmente agradável. O cenário apresentava muitas cores frias devido a ser Inverno (como a relva seca e as árvores despidas), mas gostei do lugar. – De que queres falar?

– Não sei. Que tal sobre ti? Como é a tua família? – questionei, perguntando a primeira coisa que me veio à cabeça.

– Os meus pais estão divorciados – afirmou, a sua voz não exprimindo qualquer sentimento. Por momentos, temi que tivesse estragado o nosso passeio.

– Oh! Desculpa...

– Não te preocupes, já me habituei – descansou-me, e eu voltei a respirar, mais aliviada. Sabia o que era sentir pressão e não queria subjugá-lo a isso. – Além disso, a minha irmã mais nova dá vida a toda a casa. – Ryan sorriu ao falar da irmã, mostrando o conjunto de dentes perfeitamente alinhados, fazendo-me perceber que gostava realmente dela.

– A sério? Que idade tem?

Não consegui conter a minha curiosidade. Eu gostava de ter tido um irmão mais novo, apesar de estar ligeiramente consciente não só da confusão que iria ser lá em casa, mas também de quantas vezes iríamos discutir. Mas faz parte.

– Nove anos. E a tua família? – perguntou, observando tudo à sua volta, respirando fundo alegremente. Engoli em seco, mas apressei-me a responder:

– Sou filha única e os meus pais não estão divorciados – afirmei, forçando um tom que parecesse natural. Não menti, apenas omiti. Coisas diferentes.

– Isso é bom.

Fingi um sorriso e continuei a caminhar, desta vez olhando para os meus próprios pés, pensando em ritmos de músicas para desviar a minha mente de pensamentos indesejados.

Entretanto, chegámos a meio do parque. Encostado ao início da relva, encontrava-se um chafariz e, a poucos metros deste, dispostos em meias-luas à sua volta, encontravam-se dois conjuntos de três bancos de madeira.

– Tenho sede – disse o rapaz moreno, separando-se de mim e dirigindo-se ao chafariz de pedra clara.

Aproximou-se dele e debruçou-se, bebendo. Fiquei a observá-lo, estudando a sua estrutura magra e alta; depois ele fez uma concha com as mãos, esperou até que se encontrasse cheia de água e foi ter comigo. Recuei. Já sabia o que vinha a seguir.

Ele riu-se e aproximou-se mais. Comecei a correr, desesperada por me manter seca, mas ele agarrou-me a parte de trás do casaco com uma mão, largando a água para o chão sem querer. Riu-se ainda mais e eu acompanhei-o na gargalhada, contagiada pela sua alegria.

– Ryan, para! – gritei, ainda a rir-me, à medida que ele me arrastava até ao chafariz, sem eu o conseguir impedir. – Estamos no Inverno!

– E daí? – replicou, num tom divertido, ainda sem ter parado de sorrir. Ouvi-o gargalhar novamente.

Levou uma mão à água, molhou-me a cara e depois largou-me, fugindo. Eu não resisti. Carreguei no botão, fiz uma concha com as mãos e esperei que a água as enchesse.

Depois, corri desajeitadamente até ele, tentando que a água não vertesse toda.

Deitei-lhe o líquido na cara e ri-me do seu cabelo molhado, os caracóis mais destacados, dando-lhe um ar mais desleixado. Fugi para o mais longe que consegui sem o perder do campo de visão.

Ele acelerou atrás de mim e eu corri, as gargalhadas a dificultarem-me os passos rápidos, tornando-os cada vez mais lentos. Quando me apanhou, Ryan pegou-me que nem um saco de batatas e levou-me até ao chafariz, encharcando-me a cara e o pescoço enquanto eu me debatia no seu ombro.

Não conseguia parar de rir. Tanto a alegria do momento como as cócegas que as gotas de água me estavam a fazer, enquanto deslizavam pelo meu tronco abaixo, eram motivo para as minhas gargalhadas soarem cada vez mais altas e cansadas. Devia parecer uma maluquinha.

– Para! – pedi novamente, gritando no seu ouvido o mais alto que pude, entre risadas.

Ele pousou-me e eu respirei fundo, fixando-o com um olhar gozosamente assassino. Apoiei as mãos nos joelhos e inspirei profundamente, expirando devagar.

Estava eu muito bem a descansar quando, de repente, o vi aproximar-se de mim, com um ar demasiado sério, uma expressão que prometia uma brincadeira qualquer. E então ele aproximou-se mais e mais e, mal eu tirei as mãos dos joelhos para elevar o tronco, as suas mãos voaram para a minha barriga, começando a fazer-me cócegas leves, mas às quais eu cedi.

Tenho apenas a avisar que acho que sou uma das pessoas menos resistentes a cócegas à face da Terra e, como tal, não aguentei.

Caí no chão e fiquei deitada de costas, contorcendo-me na relva enquanto ele observava a minha reação, enquanto ele observava a minha face envermelhecer, o rosto dele também já vermelho. Eu não conseguia parar de rir e, aparentemente devido à minha figura, Ryan também não.

Subitamente, ele parou e ficou por cima de mim, com um braço de cada lado da minha cabeça, suportando o seu peso. Fitei os seus olhos azuis, que me miravam de cima, paralelos aos meus.

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora