21.

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Mexi-me desconfortavelmente na cadeira e olhei para os joelhos, refletindo sobre o que responder às inúmeras perguntas que Helena me fizera.

– Acho que não é boa altura para falarmos disso – disse Ryan à mãe, para meu alívio. Não sabia mesmo o que responder. O único em que eu confiava minimamente era o rapaz e ter de contar à sua mãe só por ter a ingratidão a remoer o meu cérebro não me faria bem.

Lancei-lhe um olhar de agradecimento e ele meio que sorriu.

– Mas a rapariga tinha a cara pintada e a cabeça a sangrar! E, por amor de Deus, Ryan, estava sem sentidos! – replicou Helena, como se fosse óbvio que era preciso dar uma explicação naquele exato momento.

– Mãe – avisou Ryan, num tom sério. A sua irmã mais nova escapuliu-se do seu colo e correu porta fora, indo, provavelmente, para o seu quarto.

– Está bem, eu calo-me – exclamou a mulher de feições cordiais, parecendo ligeiramente ofendida com a repreensão por parte do filho. Porém, depois de ela ter feito aquela observação quase cruel, não me importei muito. – Queres que te leve a casa, querida, então? – perguntou-me Helena, após alguns segundos de silêncio, colocando a mão no meu ombro e afagando-o.

Eu podia ir a andar até casa, mas, sinceramente, uma boleia dar-me-ia jeito. Vira no despertador de Ryan que, quando eu acordara, eram sete horas, por isso, se ainda tivesse de fazer o percurso até minha casa a pé, chegaria com certeza atrasada.

Engoli em seco, reticente. Seria má-educação aceitar?

Encolhi os ombros a mim própria, não me querendo preocupar com isso naquele momento.

– Se não for incómodo, agradecia – acabei por responder, levantando a cabeça para encarar o seu rosto. Ela sorriu-me, largando o meu ombro e fazendo um gesto com a mão que me pareceu significar «deixa lá». Depois, dirigiu-se ao balcão e eu voltei a olhar para o meu amigo.

– Não queres tomar o pequeno-almoço primeiro? – perguntou-me, acabando as suas torradas nesse exato momento.

– Eu como em casa – tranquilizei-o, observando-o a beber o leite com chocolate que ainda havia na caneca que usava.

– Está bem.

Levantámo-nos os dois da mesa e eu dei um pequeno sorriso a Helena, como que agradecendo a hospitalidade e a boleia que me iria dar. Ela sorriu-me de volta e saí da cozinha com Ryan.

– Vou só buscar as nossas coisas ao quarto. A minha mãe está só a acabar de comer e depois leva-nos – avisou-me ele, mas eu agarrei-lhe o braço quando ele se virou.

– Eu posso ir buscá-las – afirmei.

Não queria ficar sozinha no corredor daquela casa praticamente desconhecida. Sabia que não havia perigo, mas seria desconfortável. Preferia mil vezes deslocar-me até ao quarto dele e trazer as minhas coisas o mais rápido possível.

– Eu vou, não te preocupes – insistiu e, antes que eu tivesse tempo para ripostar, ele já ia a meio do corredor.

Revirei os olhos e encostei-me à parede de braços cruzados, esperando. Helena saiu da cozinha após poucos segundos, lançou-me mais um sorriso e informou-me de que ia apenas buscar a chave do carro. Assenti e encostei-me novamente à parede.

– Olá! – a mesma voz infantil de há poucos momentos atrás quebrou os meus pensamentos, fazendo-me olhar para baixo.

A irmã de Ryan era uma criança bastante baixinha e magra para os seus nove anos e eu desconfiei de que esse gene vinha da mãe deles. Ryan, alto, devia ter saído ao pai. Lembranças da minha conversa com ele sobre a sua infância vieram-me à mente, mas eu mandei-as embora, feliz pelo facto de a menina à minha frente já ter nascido em Portugal.

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora