23.

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– Sobre o que é que queres falar? – perguntou-me, ainda com a mão na minha.

– Sabes, gostava de te contar a outra parte da história... Ou do segredo, como queiras chamar-lhe – hesitei.

Eu sentia-me em divida para com ele. Ele contara-me o seu passado, mas, no entanto, não lhe conseguira contar o meu. Ele ajudara-me, animara-me e dera-me a mão. Mas, no entanto, não sabia toda a minha história. Ele não sabia a razão de eu ser assim. Não sabia porque deixara de ter amigos. Não sabia porque é que Amanda me odiava. Não sabia porque é que eu a deixara gozar comigo durante aqueles anos. Ele não sabia de nada.

A única coisa de que ele tinha consciência era de que eu estava farta de tudo aquilo. Porém, não fazia ideia de que, por meses, eu achara que merecia. E talvez merecesse.

– Tens a certeza? – interrogou, sério, a sua expressão pura simpatia.

– Sim, tenho a certeza. Se quiseres posso não contar hoje, para não estragar este passeio. Gostava de aproveitar esta amizade enquanto tu ainda gostas de mim.

Senti-o parar e largar a minha mão. Virei-me para trás e ele colocou as mãos nos meus ombros e fixou o olhar no meu. Aqueles olhos azuis... Via o brilho neles. Ele estava a chorar? Não, não podia estar. Era um brilho diferente, um tipo de brilho que eu nunca tinha visto. Se calhar os seus olhos já eram assim por natureza. Eram tão bonitos, profundos e simpáticos. Inspiravam confiança. E eram belos, tão belos...

Era estranho e triste pensar em como o perderia assim que lhe contasse tudo. Essa fora uma das razões devido à qual eu não quisera desabafar tudo logo que o conhecera. Eu sabia que ele iria ter nojo de mim, ir-se-ia afastar para nunca mais voltar. Mas ele precisava de saber. Era injusto que não me achasse a má da fita quando eu própria tinha a noção de que, de certa forma, o era. Não com Amanda, não comigo própria. Mas era.

– Eu não vou deixar de gostar de ti, está bem? – declarou, o seu tom doce e objetivo. Todavia, parecia um pouco zangado, como se já estivesse cansado de toda a minha insegurança. Não o censurava, eu própria estava. Contudo, naquele assunto, não se tratava de insegurança, mas sim de realismo. Uma pessoa tão boa como ele nunca quereria permanecer amiga de uma tão traiçoeira como eu. Não estava certo.

– Sim, vais – assegurei. – Já estás zangado e ainda nem te contei!

Eu ia continuar, mas, para meu total espanto, ele interrompeu as minhas palavras com os seus lábios. O seu toque era leve e ele colocou as suas mãos de cada lado do meu rosto, segurando-me, como que a pedir-me para não fugir. Fechei os olhos, sentindo apenas a secura dos seus lábios contra os meus. De alguma forma, era reconfortante. Era uma das perfeitas imperfeições dele.

Mas, naquele instante, acho que não consegui pensar nem corresponder ao beijo, chocada com a súbita ação dele.

Ryan afastou-se, segundos depois, e voltou a olhar para mim, ainda com as mãos a segurarem o meu rosto. Fitei-o, também eu, nos olhos. A minha visão começava a ficar enevoada à medida que as lágrimas ameaçavam a chegar. Eu era fraca, não adiantava negá-lo. Omitira tudo durante semanas e semanas, deixara que nos aproximássemos; tudo por ter medo do terrível sabor da perda.

– Eu não te vou deixar – garantiu, mais uma vez.

Não podia esquecer-me daquele beijo, mas também não podia deixar por dizer tudo o que ele não sabia sobre mim. Não podia simplesmente deixá-lo na ignorância! Era tão injusto como absurdo!

– Tu não sabes o monstro que eu sou – avisei-o novamente, levando as minhas mãos às suas e empurrando-as para longe do meu rosto, para depois as largar.

Ele pareceu um pouco surpreendido com a minha afirmação, os seus olhos semicerrados como se não compreendesse. Desviou o olhar do meu pouquíssimo tempo, o suficiente para se recompor, e fixou o meu rosto novamente.

– Monstro? Alice, podia chamar-te todos os nomes possíveis e imaginários, mas monstro não seria nenhum deles. Tu não és um monstro. És uma pessoa boa a quem acontecem coisas más. Não és um monstro. És a rapariga por quem acho que me apaixonei. És a rapariga em quem penso antes de dormir! E não é num monstro que eu penso! É em ti! É nessa mente fantástica e nessa tua pessoa interior. Sabes o que penso todos os dias quando vou para a cama? Em maneiras! Em maneiras de quebrar esse muro invisível que construíste à tua volta, Esse muro que não te deixa confiar nas pessoas, esse muro que...

– Para, Ryan – murmurei, certa e determinadamente, interrompendo-o. Não o podia deixar dizê-lo. Não mais.

Não podia deixá-lo dizer tudo o que pensava que eu era. Não podia deixar que ele ficasse tão iludido.

– Alice, tu não és um monstro, OK? NÃO ÉS! – gritou, engolindo a saliva audivelmente, olhando para o céu e depois fixando a atenção em mim outra vez.

– Sou – e senti lágrimas romperem os meus olhos e começarem a cair. Era impossível contê-las.

– Não és.

– RYAN, EU MATEI O MEU PAI!

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and... let the games begin

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora