12.

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Acordei tarde no Sábado. Fim-de-semana. Três semanas de aulas já se tinham passado. Estranhamente, tinha a impressão de ter sido menos tempo. Talvez porque conhecera alguém que gostara de mim, que se aproximara e tentara conhecer-me, que tornara os meus dias mais fáceis de suportar. Mas, agora, tinha perdido o meu único amigo, para algo tão parvo como a falta de confiança.

Antes mesmo de me levantar da cama, peguei no telemóvel e procurei o contacto de Ryan. Não foi difícil achá-lo. Ele tinha-mo dado no dia em que fôramos ao cinema, durante o intervalo, e eu dera-lhe o meu também.

Escrevi-lhe uma mensagem:

Sei que fui injusta. Tenho perfeita consciência disso. Sei que estás chateado. Mas valerá realmente a pena não falares comigo? Se calhar na tua cabeça isso faz sentido, mas na minha não faz. Preciso de falar contigo.

Enviei-lhe e fiquei à espera uns minutos, mas ele não respondeu.

Saí de dentro da cama, abandonando os lençóis quentes e o colchão confortável, e tomei um duche demorado, tentando distrair-me de todos os meus pensamentos, de todas as lembranças, de Ryan.

Amo-te, ouvi a voz do meu pai sussurrar-me ao ouvido, num tom tão indistinto como o das vozes de um sonho que insistimos em tentar recordar, mas que já se encontra a desvanecer-se da nossa mente. Abanei a cabeça, repelindo tudo aquilo em que não queria pensar.

Não larguei o telemóvel durante todo o dia, mantendo-o ao meu lado com o volume no máximo, esperando uma mensagem que já começava a perder a esperança de que fosse chegar. Fiquei na sala a ver televisão a maior parte do tempo.

Olhei para o relógio. Cinco e meia da tarde.

Continuei a ver a série.

Olhei novamente para as horas: Seis e meia da tarde.

Sete e meia.

Desisti.

Parecia que ele não queria mesmo falar comigo.

Suspirei e desliguei a televisão, deitando-me no sofá com um cobertor por cima, confortavelmente aconchegada e descontraída. Sabia a fim-de-semana.

Fechei os olhos. Era bom descansar.

Fui acordada, segundo o relógio, uma hora e meia mais tarde, pelo som do meu telemóvel. O meu coração acelerou com a expetativa e sentei-me repentinamente, ignorando o frio que me atingiu quando o cobertor caiu no chão. Verifiquei a notificação que recebera.

Uma mensagem.

Era de Ryan.

É vdd, foste injusta. mas sei que provavelmente não pensaste bem no assunto qd me perguntaste aquilo. Sei q eu tmb devo ter sido injusto.

Porque é que não quiseste falar comigo?, enviei, respondendo o mais rápido que os meus dedos conseguiram.

Tinha uma coisa pra fazer. Eu tmb preciso de falar ctg. Sei q muito provavelmente N me vais contar o teu segredo, mas eu posso contar-te o porquê de estar no 9º com esta idade. nao te peço nada em troca. Só não me quero afastar de ti.

Senti um enorme sorriso brotar no meu rosto. Só não me quero afastar de ti. Acho que nunca ninguém me havia dito aquilo antes. Dito ou escrito, vai dar tudo ao mesmo.

Respondi-lhe à mensagem, ainda com o mesmo sorriso feliz:

Pode ser que tenhas uma surpresa. Vem buscar-me amanhã às cinco!

Não te preocupes, respondeu. Aí estarei.

***

No dia seguinte, Domingo, perto das quatro e meia da tarde, subi para o meu quarto, fechando a porta atrás de mim. A minha mãe trabalhava aos Sábados, mas aos Domingos não, e não me apetecia tê-la a passar no corredor e a espreitar sempre que podia. Tinha-lhe dito que ia sair com o amigo de que lhe falara, pois não podia sair de casa sem a sua autorização, mas não queria que ela se metesse no assunto.

Queria estar bonita para quando Ryan chegasse, por isso decidi começar a vestir-me mais cedo.

Escolhi um vestido azul-marinho cintado, até um pouco antes dos joelhos, com uns collants por baixo. Dei um pouco de volume ao cabelo com um produto próprio e calcei uns sapatos rasos castanhos, vestindo um casaco cinzento claro de pelo por cima, para me manter quente naquele frio mês de janeiro.

Mirei-me ao espelho de corpo inteiro, dando algumas voltinhas para ver o que achava do conjunto.

Fora o peso a mais, estava bonita, com o cabelo castanho-escuro ondulado a contrastar com o azul do vestido.

Ouvi a campainha poucos minutos depois. Peguei na pequena mala da mesma cor do calçado e coloquei-a a tiracolo, dando um último vislumbre no meu reflexo no espelho antes de descer para o andar inferior.

Caminhei pelo corredor, respirando fundo. Só esperava que tudo corresse bem, que não acabássemos a discutir como da última vez. Vi Ryan assim que abri a porta principal da casa e a fechei atrás de mim, a sua imagem ligeiramente recortada pelos ferros do portão do jardim da vivenda onde morava. Caminhei até ele e abri o portão com a chave prateada, que fora feita recentemente.

Sorri para Ryan, observando o seu rosto bonito pormenorizadamente. Limitado pelo seu cabelo escuro, que se encontrava propositadamente despenteado, o rosto pálido do rapaz ganhava uma individualidade atraente com as marcas das borbulhas que lhe deviam ter começado a desaparecer há pouco tempo; os seus olhos claros, pequenos-mas-bonitos, contrastavam com a cor do cabelo e os lábios rosados davam o toque final. Era como se Ryan fosse uma escala de cores: começava com o bege-pálido da pele, passava para o rosa dos lábios, partia para o azul dos olhos e acabava no cabelo, nos caracóis escuros que formavam o seu penteado.

De repente, uma súbita vontade de o desenhar surgiu, apesar de eu não ser muito virada para Artes.

Ele estava com uma roupa simples: calças de ganga azuis escuras, sweatshirt branca larga com uma frase da moda e Converse All Star brancos. O conjunto ficava-lhe bem.

Sorriu para mim, olhando-me de alto a baixo.

– Estás bonita!

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora