4.

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– Não acho que tenhas alguma coisa a ver com isso – repliquei, frieza a apoderar-se de todas as minhas palavras. Já estava a ficar farta daquela conversa e já me era difícil pensar em sorrir.

Ele parou e eu fiz o mesmo, ambos em silêncio, ambos a olhar apreensivamente um para o outro. Os olhos azuis de Ryan fitaram os meus castanhos-claros.

– Alice, eu sei que não és uma rapariga normal, está bem? Sei que escondes um segredo qualquer que faz com que te afastes das pessoas! Eu sei isso, porra! – gritou a última palavra, erguendo os braços no ar, à altura os ombros, numa atitude frustrada. Encolhi-me um pouco e ele, ao perceber, suavizou a sua voz. – Desculpa. Alice, eu sou teu amigo. Gostava que confiasses em mim. Basta passar algumas horas contigo para perceber que se passou alguma coisa para ficares assim!

– Talvez tenhas razão – afirmei, quase num murmúrio, devido à garganta que, repentinamente seca, me dificultava o aumento do tom de voz -, mas isso não faz com que confie em ti. Ainda não me deste nenhuma prova de que o posso fazer! – constatei, defendendo-me. Eu gostava da companhia dele e não queria que ele se afastasse por eu não lhe contar as coisas, mas era estúpido da sua parte não querer perceber o meu lado.

– Sabes o que é que eu tinha planeado para este passeio? – inquiriu, frustrado, e eu abanei a cabeça em sinal negativo. – Queria falar contigo e contar-te algumas coisas sobre mim, para que me contasses algumas sobre ti também. A amizade é mais fácil quando não há segredos a esconder – declarou, parecendo subitamente cansado.

– Pois. Mas não está a resultar, pois não? – perguntei com ironia, de alguma forma para tentar aliviar o ambiente pesado. Não resultou.

– Parece que não. – Senti a tristeza na sua voz.

Mas o que queria ele que eu fizesse? Que lhe contasse tudo o que nunca contara a ninguém, assim, de empreitada? É que se era isso, ele devia ter planeado aquilo tudo melhor, ou adiado aquele passeio para quando já tivéssemos mais confiança um no outro! Levar-me à enfermaria e enfrentar Amanda não o fizera ganhar a minha segurança para falar de tudo, mesmo que isso tivesse significado levar com um prato de esparguete na cara.

– Talvez fosse melhor voltarmos para trás – afirmei, suspirando.

Ryan olhou para os pés e vi a tristeza nos seus olhos quando voltou a mostrar o rosto alguns segundos depois.

Deu meia volta e começou a caminhar, incitando-me a fazer o mesmo.

Durante o caminho permanecemos ambos em silêncio, andando até à escola sem qualquer um de nós saber o que dizer. Eu, pelo menos, não sabia. Não queria perder aquela amizade, mas não podia simplesmente pedir desculpa quando não havia nada de que me devesse desculpar. Simplesmente não queria contar os meus segredos, e ele tinha de respeitar isso.

Conseguia compreender o seu lado: ele queria conhecer-me, queria aprofundar a nossa amizade. Eu também gostava de saber os segredos dele. Não tinha dúvidas de que Ryan os tinha. Toda a gente tem segredos.

Quando chegámos à escola, indiquei-lhe o lado direito com um gesto de cabeça, de forma a dizer que a minha casa era por ali. Ele assentiu e caminhou comigo até meio caminho, altura em que virou para outra rua. Ainda parei e me virei para ele, à espera de uma despedida, mas o rapaz não olhou para mim. Limitou-se a caminhar, ignorando-me completamente.

Suspirei em frustração e continuei o meu caminho, aborrecida com os pensamentos da nossa discussão. Eu gostava de Ryan e ele parecia gostar de mim. Estávamos a dar-nos bem. Então porque é que eu tinha de ser estúpida ao ponto de não ter respondido que apenas gostava da cor? Porque é que o passado me tivera de invadir a mente naquele preciso momento, impedindo-me de me escapar à questão?!

Ajeitei a mochila nos ombros e apressei o passo.

Quando entrei em casa, respirei fundo ao tirar as chaves da porta. A minha mãe veio imediatamente até mim, mas ignorei-a. Subi as escadas até ao meu quarto e tranquei a porta. Só queria estar sozinha.

O que iria acontecer no dia seguinte? Será que tinha estragado a minha amizade com Ryan? Não podia! Simplesmente não podia! Durante todos aqueles anos, ele fora o único estudante daquela escola que não me julgara. Não podia ter estragado a nossa amizade! Ele era a única base que tinha tido naqueles dois dias para não desabar, e, agora, a base tinha cedido.

Encostei-me à porta fechada e deixei-me escorregar até ficar sentada. Coloquei a cabeça entre as mãos e, sem as conseguir conter, as lágrimas vieram.

As minhas amigas lágrimas. Tinham sido a minha única companhia ao longo daqueles anos. Já não era a primeira vez que ficava ali, no quarto, trancada, a chorar.

Nunca achara que chorar fosse uma atitude fraca. Afinal, todos têm o seu limite! E eu era forte todos os dias, aguentando olhares julgadores e palavras gozosas, aturando toda a espécie de insultos.

Não, eu não era fraca. Não podia ser.


Quando a minha mãe me foi chamar para jantar, batendo à porta com gentileza, gritei-lhe que não tinha fome.

Naquela noite, não tinha mesmo.

Sentia um nó no estômago. Não sabia se era apenas por ter discutido com a pessoa que tinha mais próxima de um amigo ou se também tinha a ver com o facto de as incertezas em relação ao dia seguinte me atafulharem os pensamentos como ondas dançantes e furiosas.

Não fazia ideia da razão certa para as lágrimas, após uma hora ali sentada, ainda me toldarem os olhos, mas, sinceramente, já não queria saber. Queria apenas chorar até dormir e esperar que o dia seguinte não fosse tão mau como eu temia.

Nem Todos Os Espelhos RefletemOnde histórias criam vida. Descubra agora