Segunda noite sem dormir nada de jeito. A minha imagem ao espelho podia assustar qualquer pessoa tamanho era as minhas olheiras. Tive que pôr uma boa camada de corrector só para não parecer um cadáver ambulante a andar pelas ruas. Tinha a ligeira sensação de que o dia não ia correr bem pela carga negativa que rondava o meu corpo. Ainda sentia resquícios da raiva de ontem e qualquer coisa que me dissessem hoje era o mínimo para me fazer explodir. Só de pensar que teria de ir buscar o meu filho a casa dele e correr o risco de encontra-lo com a italiana dava cabo do meu sistema.
Sabia que não devia ter dito certas coisas mas o André conseguiu tirar-me do sério. Odeio que me façam de parva. Ele queria o quê? Que acreditasse que não se passava nada entre eles os dois? Era impossível não ver os avanços dela e principalmente a condescendência do André. Se ele não queria que parasse é porque estava a gostar. Simples.
Desci as escadas já pronta para sair e sem vontade nenhuma de conversar com a Joana. Ela tinha vindo o caminho todo a resmungar comigo por causa do que tinha dito ao André. Hoje não me apetecia mesmo nada ter aquela conversa porque conhecia-me demasiado bem para prever de que dali só sairia discussão.
- Onde pensas que já vais, Lis? - Suspirei ao ouvir a voz da Joana quando passei em frente à sala.
- Vou buscar o André. - Respondi virando costas para que a conversa ficasse por ali. Tinha um mau pressentimento sobre o quão mal podia correr aquela discussão.
- Nem penses que me vais virar as costas, Lis Loureiro. Vais ouvir o que tenho para dizer nem que te amarre na cadeira. - Ela chegou junto de mim rapidamente agarrando-me pelo braço para que não fosse para a porta.
- Joana, hoje não estou com paciência para nada. Quero apenas ir buscar o meu filho e espairecer um bocado. - Tentei desenvencilhar-me dela mas sem sucesso.
- Pela primeira vez na tua vida pára de fugir e enfrenta os teus problemas. - As palavras dela magoaram-me mais do que estava à espera, principalmente por terem um fundo de verdade embora tentasse a todo o custo camuflar isso. Respirei fundo e pensei bem no que dizer para não falar nada que me arrependesse.
- Mas quem disse que estou a fugir? Apenas não estou com disposição hoje para conversas. - Pela expressão dela as minhas tentativas de acabar com a conversa não estavam a resultar. - Vou embora.
- Ainda não acabei, minha menina. - A forma condescendente com que me falou, como se eu fosse uma criança e ela minha mãe ultrapassou os meus limites.
- Não quero saber, Joana. Não tenho que te dar justificações de nada da minha vida por isso deixa-me em paz antes que me zangue a sério. - A Joana finalmente largou o meu braço deixando-me livre.
- É verdade, não tens que me dar justificações de nada. És maior e vacinada e fazes o que bem entender que não tenho nada a ver com isso. Mas então comporta-te como uma adulta e deixa de ter atitudes de criança. - Ela estava a puxar a corda da minha paciência em demasia.
- Que atitudes de criança? Quem está a ser criança és tu com esta tentativa frustrada para me fazeres ficar chateada contigo. - Respondi elevando o tom de voz.
- Se achas que isto é ser criança estás muito enganada. Chamo a isto uma tentativa de abrir os olhos à minha melhor amiga que está a prestes a bater no fundo do poço se não pára para pensar no que está a fazer. - Onde é que esta rapariga vai buscar estas coisas mirabolantes?
- Onde é que estou a bater no fundo? Poupa-me! Se não tens mais nada que fazer vai para a praia e deixa-me em paz. Caso não te lembres, tenho o meu filho para ir buscar. - Virei costas para me ir embora mas ela voltou a ficar à minha frente. - Foda-se, Joana. Vais parar com esta merda de uma vez por todas!